ESTATINAS
MEDICINA E MEDICAMENTOS
Tupam Editores
São conhecidos, desde 1950, os riscos que os níveis elevados de colesterol na corrente sanguínea representam nas doenças cardiovasculares, sendo o controle plasmático da sua forma, ligado às proteínas de baixa densidade, fundamental na sua prevenção.
A pesquisa através de agentes terapeuticamente capazes de controlarem as taxas de colesterol plasmático tem estimulado intensa atividade de investigação nos laboratórios das indústrias farmacêuticas que descobrem/inventam novos fármacos.
A história das estatinas teve início em 1971, no Japão. O microbiologista Akira Endo, dos laboratórios Sankyo Co., investigava um novo antibiótico quando observou que certos fungos também eram capazes de produzir um potente inibidor da produção de colesterol – um deles era o Aspergillus terreus. O investigador descobriu que essa substância funcionava como defesa contra predadores herbívoros – ao ingerirem tais fungos, os animais podiam morrer, pois a redução de colesterol, causada pela substância inibidora, era muito acentuada provocando danos no sistema metabólico.
O Dr. Endo isolou e analisou esse composto, a partir do qual foi sintetizada em laboratório uma molécula que daria origem à matriz das estatinas. A primeira a ser lançada foi a lovastatina, em 1987. Seguiu-se-lhe a fluvastatina, a pravastatina e a sinvastatina. Em 1996 e 1997 foram introduzidos os novos derivados sintéticos, a atorvastatina e a cerivastatina e, mais recentemente, em 2003, foi introduzida no mercado a estatina que alegadamente apresenta uma maior eficácia – a rosuvastatina.
Existe ainda uma molécula sintética mais recente, a pitavastatina, estudada pela empresa japonesa Kowa Company, cujos ensaios clínicos demonstraram uma enorme eficácia na redução dos níveis de colesterol, tendo sido aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) em 2009. Em resumo, as estatinas naturais que derivam de fermentação fúngica são a lovastatina, a sinvastatina, e a pravastatina, e as que resultam de processos de síntese total são a rosuvastatina, a fluvastatina, a atorvastatina e a pitavastatina.
Estão atualmente disponíveis no mercado português para o controlo do colesterol sete estatinas, sendo elas a pitavastatina, lovastatina, pravastatina, sinvastatina, fluvastatina, atorvastatina e a rosuvastatina. Mas será o colesterol tão perigoso que precise de ser tão controlado?
Com fórmula química C27H46O, o colesterol é uma molécula de natureza esteroide, essencial ao bom funcionamento do organismo, sendo necessária a sua ingestão numa dieta equilibrada, por ser uma fonte de energia e por permitir a síntese e manutenção de suportes estruturais de órgãos e tecidos, assim como a síntese de hormonas, vitamina D e neurotransmissores.
No homem, o colesterol pode ser obtido através dos alimentos, em particular pela ingestão de produtos animais, como a carne, os ovos e produtos lácteos, ou por síntese endógena. O principal órgão responsável pela síntese de colesterol é o fígado, que produz cerca de 1/3 do colesterol do organismo. Um indivíduo adulto excreta cerca de 1,1 mg de derivados de colesterol por dia, que são repostos numa dieta média por cerca de 250 mg provenientes da alimentação, e por 850 mg, originários da biossíntese.
A biossíntese do colesterol no organismo consiste num processo de 28 etapas, iniciando-se a partir da associação de três moléculas de acetil-coenzima A (acetil-coa) para a formação de HMG-Coa. A segunda etapa corresponde à conversão de HMG-Coa em mevalonato e é catalisada pela enzima HMG-Coa redutase, representando a etapa limitante de controlo da síntese do colesterol.
O colesterol é metabolizado por duas vias, a da enzima desmolase e da 7 alfa-hidroxilase (citocromo P450): na primeira via sofre oxidação pela desmolase formando a pregnolona, intermediário na biossíntese de outros esteroides endógenos. Na segunda, pode ser convertido em ácidos e sais biliares pela 7 alfa-hidroxilase, o que representa o metabolismo principal do catabolismo do colesterol. Parte destes sais são reabsorvidos retornando ao fígado, exercendo um controlo feedback negativo sobre a hidroxilase e regulando o metabolismo do colesterol.
Apesar de essencial, o organismo necessita de apenas uma pequena quantidade de colesterol para satisfazer as suas necessidades. Quando em excesso, deposita-se nas paredes arteriais, constituindo placas que reduzem o calibre dos vasos, dificultando o afluxo de sangue aos órgãos e tecidos do organismo.
O colesterol circula no sangue ligado a uma proteína: o conjunto colesterol-proteína é, pelo facto, conhecido por lipoproteína. As lipoproteínas são classificadas em altas, baixas ou muito baixas, em função da respetiva proporção de proteína e gordura em cada uma, o que determina a sua densidade.
As lipoproteínas de baixa densidade (LDL) são vulgarmente conhecidas como "mau" colesterol, por ser aquele que se deposita na parede das artérias, provocando aterosclerose. Quanto mais altas forem as LDL no sangue, maior é o risco de doença cardiovascular.
As lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL) são semelhantes às LDL, mas contêm mais gordura e menos proteínas. Os triglicéridos são um outro tipo de gordura que circula no sangue ligada às VLDL. Uma alimentação excessivamente rica em calorias, açúcares ou álcool eleva os triglicéridos, aumentando o risco cardiovascular. Finalmente, as lipoproteínas de alta densidade (HDL), também conhecidas por colesterol "bom", têm por função a limpeza das artérias, pelo que quanto mais elevadas menor o risco de surgir doença cardiovascular.
Afinal, se o colesterol é essencial para o bom funcionamento do organismo, quando se pode dizer que está demasiado elevado? As sociedades científicas europeias recomendam, como valores normais um nível de colesterol total inferior a 190 mg/dl quando se trata da população em geral. Nos doentes com patologia coronária, ou outra doença aterosclerótica (acidente vascular cerebral, doença vascular periférica, etc.), diabetes ou insuficiência renal, recomendam-se valores de colesterol inferiores a 175 mg/dl.
Já para o colesterol LDL os valores recomendados são, respetivamente, inferiores a 115 mg/dl para a população em geral e de 100 mg/dl nos doentes de alto risco. Alguns estudos (particularmente, o Asteroid Trial) mostram que nos doentes de alto risco, como é o caso dos doentes coronários, há vantagem em atingir níveis de LDL inferiores a 70 mg/dl para assegurar uma maior proteção cardiovascular e até tornar possível a regressão da aterosclerose.
No que respeita ao HDL, níveis inferiores a 40 mg/dl e triglicéridos superiores a 150 mg/dl conferem risco cardiovascular acrescido. Por outro lado, quanto mais elevadas forem as HDL menor é o risco de doença cardiovascular.
É importante referir que o controlo dos níveis de colesterol deve assentar numa dieta saudável rica em fibra vegetal e pobre em gorduras saturadas, colesterol e ácidos gordos hidrogenados. O controlo do peso, a atividade física regular e não fumar são companheiros indispensáveis da dieta. O recurso a medicamentos, quando necessários, deve ser decidido e acompanhado pelo médico assistente, que leva em conta, não só os valores do colesterol, como também o risco global, determinado com base no sexo e idade do paciente, na HDL, na pressão arterial, e no tabagismo.
São vários os agentes usados clinicamente para tratar a hipercolesterolemia como os fibratos, as resinas, os esterois vegetais, a ezetimiba, e os inibidores da hidroximetilglutaril-coenzima A redutase (HMG-CoA redutase), mais conhecidos por estatinas.
As estatinas são os fármacos mais prescritos no tratamento do excesso de lípidos plasmáticos, o que se deve à sua eficácia, tolerância e segurança em tratamentos prolongados. Dependendo da dose, estes fármacos são eficazes na redução do LDL-c plasmático em 20 a 45 por cento. Assim, a escolha da estatina deve basear-se na percentagem de redução do LDL que se pretende atingir.
Estão indicadas para o tratamento da hipercolesterolemia comum, hipercolesterolemia familiar (forma heterozigótica ou combinada familiar), da hiperlipidemia mista, das dislipidemias secundárias (em particular, da diabetes mellitus, da síndrome nefrótica e do hipertiroidismo). As estatinas apresentam igualmente efeitos antiaterogénicos, parecem modificar muitas características da parede arterial, prevenindo o crescimento da placa aterosclerótica e/ou precipitação de eventos agudos. A sua eficácia, comprovada principalmente em pacientes idosos, promove a utilização na prevenção de doenças cardiovasculares como enfartes do miocário e AVCs.
Apesar de bem tolerados pelo organismo apresentam alguns efeitos indesejáveis, embora discretos e pouco significativos, tais como: distúrbios gastrointestinais (dispepsia, diarreia), cefaleias, alteração da função hepática, náuseas, insónias, pesadelos, depressão, perda de memória, visão turva, alteração do paladar, neuropatia periférica, dores musculares, exantema, disfunção sexual e ginecomastia. Na sua maioria estes efeitos são reversíveis, e a sua incidência depende da dose e da administração concomitante de outros fármacos que apresentem os mesmos riscos. Além disso, nem todos os pacientes reagem da mesma forma à medicação.
Ainda assim, alguns podem desenvolver casos raros de toxicidade hepática e/ou muscular, em graus variados, miopatias, rabdomiólise, insuficiência renal aguda e hepatoxicidade.
Foram também notificados casos raros de doença pulmonar intersticial com algumas estatinas, especialmente com tratamentos de longa duração. Os sintomas observados incluem dispneia, tosse não produtiva e deterioração do estado de saúde em geral (fadiga, perda de peso e febre).
Algumas evidências sugerem ainda que as estatinas como classe farmacológica podem elevar a glicemia e, em alguns doentes com elevado risco de ocorrência futura de diabetes, podem induzir um nível de hiperglicemia em que o tratamento formal de diabetes é adequado. Este risco é, no entanto, suplantado pela redução do risco vascular das estatinas e, portanto, não deve ser uma condição para interromper a terapêutica.
Mas os doentes em risco (glicemia em jejum entre 5,6 a 6,9 mmol/L, IMC>30Kg/m2, triglicéridos aumentados, hipertensão) devem ser monitorizados tanto clínica, como bioquimicamente.
A possibilidade de novas aplicações terapêuticas das estatinas tem vindo, também, a ser objeto de estudo. Segundo a revisão mais atualizada publicada na Cochrane Library, poderá ser plausível que as estatinas possam vir a ser utilizadas no tratamento da Doença de Alzheimer (DA) e na demência vascular, visto ambas estarem relacionadas com a hipercolesterolemia.
A Doença de Parkinson (DP) é uma das desordens neurológicas neurodegenerativas mais comuns, afetando cerca de 4 milhões de pessoas em todo o mundo. Até ao momento ainda não existem dados suficientes que permitam concluir que estas sejam eficazes na prevenção da progressão da DP, mas alguns estudos já demonstrararm uma redução do risco de DP em pessoas medicadas com estatinas, sendo uma importante evolução neste sentido.
As estatinas têm vindo igualmente a ser alvo de estudo no tratamento de várias doenças autoimunes. Entre elas, a Esclerose Múltipla (EM) é a que tem apresentado um maior destaque pois os inibidores da HMG-CoA redutase têm demonstrado propriedades imunomodeladoras, afetando a expressão, secreção e função de uma grande variedade de mediadores imunológicos.
A osteoporose e as fraturas ósseas também podem beneficiar com a utilização das estatinas. Embora nem todos os estudos convirjam, alguns comprovam que as estatinas podem contribuir para uma redução da probabilidade de fratura óssea e uma melhoria na sua densidade, o que suscitou interesse na comunidade científica.
A área da oncologia não foi esquecida. Aqui, as estatinas têm vindo a ser estudadas devido às suas eventuais propriedades de inibição da proliferação e de indução da apoptose em diversas células tumorais. Os seus efeitos anti-tumorais foram estudados em vários modelos animais (ex: melanomas, carcinomas mamários, linfomas, cancro do pâncreas).
As estatinas são os medicamentos farmacêuticos mais vendidos da atualidade, representando 6,5 por cento de quota de mercado e 11,5 biliões de euros de receitas para a indústria.
Em Portugal as doenças cardiovasculares constituem a principal causa de morte. Por este motivo é essencial a adoção de medidas preventivas nos indivíduos em risco de desenvolverem doenças cardiovasculares (prevenção primária) e medidas que previnam a recorrência de eventos em indivíduos já portadores da doença cardiovascular (prevenção secundária). As causas destas doenças são multifatoriais, sendo a hipercolesterolémia um dos principais fatores de risco. No entanto, este fator é passível de ser modificado, quer através de alterações comportamentais, quer através de terapêutica farmacológica, pela prescrição de antidislipidémicos.
Um estudo desenvolvido pelo Infarmed entre 2000 e 2013, permitiu concluir que os encargos dos utentes com estes medicamentos – particularmente com as estatinas, que correspondiam a 90 por cento do consumo – começaram a diminuir em 2008, apesar do incremento da sua utilização. Enquanto em 2008 os utentes gastaram, no total, 131 milhões de euros, em 2013 os seus encargos diminuíram para 92 milhões. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) também apresentou uma redução nos encargos, mais acentuada a partir de 2010 (126 milhões de euros em 2010 vs 59 milhões em 2013).
Das sete estatinas comercializadas no nosso país, a mais utilizada é a sinvastatina. Verificou-se, no entanto, uma descida acentuada na despesa com esta substância decorrente da redução administrativa do preço dos medicamentos genéricos em 35 por cento, que a afetou (Portaria n.º 312A/2010, de 11 de junho).
As estatinas com maior capacidade para reduzir a concentração do colesterol LDL são a atorvastatina e a rosuvastatina. (a segunda mais utilizada em Portugal). Contudo, com a introdução dos medicamentos genéricos em abril de 2011, a atorvastatina registou um aumento significativo na sua utilização.
O custo do tratamento com estatinas diminuiu consideravelmente nos últimos anos, decorrente da introdução de medidas de controlo de preços (redução do preço do genérico da sinvastatina, por exemplo) e da introdução de novos medicamentos genéricos (caso do genérico da atorvastatina).
Em suma, continua a verificar-se um aumento da utilização de antidislipidémicos, particularmente das estatinas, pela população portuguesa, embora desde 2010 o aumento da utilização não tenha acarretado custos adicionais, nem para o Estado nem para o utente – resultados importantes na estratégia de prevenção das doenças cardiovasculares em curso no sistema de saúde português.
O ideal, contudo, não é medicamentalizar a sociedade e prevenir à base de fármacos, mas sim tentar mudar o estilo de vida da população, levando-a a adotar hábitos mais saudáveis como não fumar, manter uma alimentação equilibrada, praticar atividade física e ter uma atitude mais positiva perante a vida.
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ARTIGO
Autor:
Tupam Editores
Última revisão:
09 de Abril de 2024
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