AS FRAGILIDADES DO SISTEMA IMUNITÁRIO

AS FRAGILIDADES DO SISTEMA IMUNITÁRIO

MEDICINA E MEDICAMENTOS

  Tupam Editores

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Quando escreveu a Guerra dos Mundos, em 1898, apesar de visionário científico, George Wells desconhecia que o Homem ia chegar à Lua, desconhecia que se iriam poder erradicar alguns dos flagelos patológicos da época e desconhecia, sobretudo, que um dia alguém iria comparar o funcionamento do sistema imunitário, em geral, com o romance que acabara de publicar: um ataque marciano (os agentes patogénicos) ao planeta Terra (ao sistema imunitário).

"Assim como a mente humana permite que uma pessoa desenvolva a sua própria forma de ser, o sistema imunitário condiciona um conceito próprio de biologia." A sua função é defender o organismo de agentes agressores, independentemente da sua natureza. Vírus, bactérias, células cancerosas, órgãos transplantados e, inclusivamente, fetos – que libertam uma hormona para camuflar o sistema imunitário da mãe, conseguindo assim permanecer no útero durante os nove meses de gestação – são considerados como elementos invasores.

Apesar de ser um sistema muito complexo, a sua táctica é simples: identificar o inimigo, mobilizar as tropas e atacar. A sua capacidade de memorizar agentes agressores reincidentes é invejável. Detectada a entrada no organismo, são activadas, de imediato as células-memória, que celeremente se reproduzem para lutar contra o intruso.

Os constituintes do sistema imunitário

O sistema imunitário, cuja base é o complexo major de histocompatibilidade, um dos grandes responsáveis pelo reconhecimento do inimigo, é composto pelo sistema linfático – que se espraia por todo o organismo à excepção do cérebro, – órgãos linfóides, células e moléculas, que comunicam entre si apenas com um objectivo: defender o organismo.

As células mais importantes do sistema imunitário são os glóbulos brancos. Existem alguns tipos de glóbulos brancos, entre eles os macrófagos, neutrófilos e linfócitos.

Os macrófagos são responsáveis pela ingestão de microorganismos, antigénios – moléculas de superfície dos vários agentes patogénicos ou moléculas solúveis, como toxinas – e outras substâncias. Esta digestão é possível devido à anatomia destas células. O seu citoplasma contém grânulos, envolvidos por uma membrana, repletos de substâncias químicas e enzimas que destroem os elementos invasores.

A função dos neutrófilos é semelhante à dos mastócitos – digerir os agentes patogénicos e outros antigénios –, mas, ao contrário dos primeiros, estes circulam apenas no sangue e necessitam de ser estimulados para entrar nos tecidos. Estes dois tipos de glóbulos trabalham, normalmente, em conjunto: os mastócitos são os primeiros a chegar ao local da infecção e, posteriormente, enviam sinais para chamar os neutrófilos.

Os linfócitos, as células mais importantes do sistema linfático, existem em menor quantidade, mas vivem durante mais tempo comparativamente com os outros glóbulos. Existem três tipos de linfócitos: os B – responsáveis pela produção de anticorpos, – os T – que conseguem distinguir o inimigo e, por isso, policiam o sistema linfático – e as células Natural Killer (NK), responsáveis pela destruição de determinados elementos patogénicos e células cancerosas. Estas últimas produzem igualmente citocinas, que regulam algumas das funções dos linfócitos B, T e dos mastócitos.

As substâncias solúveis são moléculas que se dissolvem em líquidos como o plasma, mas que não fazem parte das células. As mais importantes do sistema imunitário são os anticorpos, as proteínas que integram o sistema de complemento e as citocinas.

Os anticorpos, ou imunoglobulinas, são proteínas que interagem com o antigénio que estimula, inicialmente, os linfócitos B. São estas proteínas que vão iniciar um complexo sistema de defesa contra infecções, ataques de microorganismos patogénicos e alérgenos. Estas percorrem a corrente sanguínea e, ao encontrar-se com o elemento invasor para o qual foram especificamente produzidas, ligam-se a ele e estimulam a libertação de histamina, uma amina hidrofílica e vasoactiva, responsável pelos sintomas alérgicos.

As moléculas de imunoglobulina são formadas por uma estrutura básica em forma de Y. Todas possuem uma parte idêntica que se irá ligar a um antigénio específico e uma outra parte cuja estrutura define a classe do anticorpo. Existem cinco classes de imonuglobulinas: a IgM, a IgG, a IgA, a IgE e a IgD.

O anticorpo IgE é o responsável pelas reacções alérgicas agudas, sendo o único anticorpo que, à primeira vista, produz mais malefícios do que benefícios. É no entanto essencial para combater as infecções parasitárias.

As várias frentes de defesa do sistema imunitário

Existem dois tipos de imunidade: a inata e a adquirida. A estas duas formas de imunidade estão associados dois tipos de mecanismo – os de natureza não específica e os de natureza específica, respectivamente – que lutam em diferentes frentes para combater os agressores.

Os primeiros mecanismos de defesa a entrar em acção são os de natureza não específica. A sua função é impedir que os agentes invasores entrem no organismo ou os destruam imediatamente após a sua invasão. Exprimem-se sempre do mesmo modo e desempenham uma acção geral contra qualquer tipo de elemento estranho. A pele, as mucosas, os pêlos das narinas, as segregações e algumas enzimas funcionam como barreira de protecção. Os elementos que conseguem escapar a estes primeiros obstáculos enfrentam a reacção inflamatória, a fagocitose, o interferão e o sistema de complemento (uma forma de defesa comum aos dois tipos de mecanismos).

Os mecanismos de defesa específicos actuam apenas alguns dias após o início da infecção, mas a sua acção é mais eficaz, específica e dirigida, fazendo parte da terceira linha de defesa do sistema imunitário. Neste âmbito, a acção dos linfócitos é mais eficaz, pois possuem a capacidade de memória.

As fragilidades: reações auto-imunes e reacções alérgicas
Reacções auto-imunes

Existem várias razões para o desencadeamento de uma reacção auto-imune. Se uma substância específica, normalmente confinada a uma determinada zona do organismo, for libertada na corrente sanguínea, o sistema imunitário pode interpretá-la como uma substância estranha. Também uma substância corporal, que tenha sido alterada por um vírus, luz solar ou radiação, modificando-a até a tornar estranha, pode sofrer um ataque imunitário. Durante o ataque a substâncias estranhas, as nossas defesas podem involuntariamente destruir uma substância específica que se assemelhe às estranhas. O deficiente funcionamento dos linfócitos B pode estar igualmente na origem de uma reacção auto-imune. Por exemplo, os linfócitos B cancerosos produzem anticorpos que atacam os glóbulos vermelhos.

Reacções alérgicas

O sistema imunitário reage a um antígeno criando anticorpos. Os anticorpos ligam-se a esse antígeno, tornando-o inofensivo. Porém, quando se produz uma interacção entre anticorpo e antigénio, ocorre inflamação com a consequente lesão dos tecidos, ou seja, uma reacção alérgica.

Existem quatro tipos de reacção alérgica: a hipersensibilidade mediada pela IgE (imediata), ou do tipo I, a hipersensibilidade mediada por anticorpo (citotóxica), ou tipo II, a hipersensibilidade mediada por imunocomplexo, ou tipo III, e a hipersensibilidade mediada por células T (celular), ou Tipo IV.

A reacção de tipo I é uma reacção alérgica muito intensa, ocorrendo imediatamente após a exposição a um alérgeno – cerca de quinze minutos depois. Esta ocorre quando um antigénio se une aos anticorpos IgE, causando a segregação de histamina, que leva à dilatação dos vasos e contracção das vias aéreas.

Existem dois subtipos de reacção alérgica mediada pela IgE: a atópica e a anafiláctica.

As reacções atópicas pertencem ao grupo de doenças – rinite alérgica, asma, dermatite, gastroenteropatia alérgica – que ocorrem em indivíduos com uma tendência hereditária para o desenvolvimento de anticorpos IgE contra os vários órgãos que estão em contacto com antigénios ambientais. Já uma reacção anafiláctica pode ser induzida por picadas de insectos, látex, alimentos e substâncias estupefacientes. É uma perturbação potencialmente fatal, que também pode afectar pessoas com alergia atópica.

As reacções alérgicas do tipo II envolvem uma reacção entre um anticorpo IgM ou o IgG e um antígeno ligado a uma célula (de um determinado órgão). Esta combinação antígeno-anticorpo vai activar substâncias tóxicas que irão levar à morte dessa célula. Um exemplo deste tipo de reacção é a anemia hemolítica ou a doença hemolítica do recém-nascido e a síndrome de Goodpasture.

As reacções do tipo III estão associadas à acumulação de uma grande quantidade de complexos antigénio-anticorpo, ou imunocomplexos. Esta acumulação vai gerar uma inflamação extensa, lesando os tecidos, nomeadamente as paredes dos vasos sanguíneos. O doente poderá sentir febre, artralgias e dermatite.

O lúpus eritematoso sistémico é um exemplo deste tipo de reacção.

As reacções alérgicas mediadas pelas células T, ou do tipo IV, ocorrem devido à interacção entre um antígeno e os linfócitos antígeno-específicos, que libertam substâncias inflamatórias e tóxicas. Estas vão atrair outros glóbulos brancos e danificar o tecido normal. Exemplo desta reacção é a pneumonite hipersensível, alveolite alérgica e a prova de tuberculina.

Doenças auto-imunes e doenças alérgicas respiratórias

Apesar de as estratégias de defesa do sistema imunitário parecerem impenetráveis, por vezes falham, deixando de funcionar correctamente.

Se, por um lado, o sistema imunitário pode ter reacções exageradas a um estímulo externo específico, como os alérgenos – ácaros, pólen, pó, fungos, determinados alimentos, pêlos de animal, entre outros –, denominando-se esta hipersensibilidade imunológica doença alérgica, pode, por outro lado, interpretar incorrectamente os seus próprios elementos, tornando-se hipersensível a antígenos específicos das suas próprias células ou tecidos, considerando-os como elementos estranhos, denominando-se esta espécie de alergia a si próprio, doença auto-imune.

Doenças auto-imunes

Nenhum órgão, tecido ou célula está a salvo de um ataque do sistema imunitário.

Apesar das doenças auto-imunes serem patologias muito menos frequentes que as doenças alérgicas, são muito graves, pois a inflamação e os danos causados nos tecidos podem provocar insuficiência renal, problemas respiratórios e cardíacos e, consequentemente, a morte. A artrite reumatóide, a esclerodermia, a síndroma de Sjögren e a anemia perniciosa, entre outras, são alguns exemplos de doenças auto-imunes.

Doenças alérgicas respiratórias

Existem vários tipos de doenças alérgicas aos alimentos e às picadas de insectos, mas as mais comuns são as respiratórias. O indivíduo que sofre de doença alérgica respiratória pode ter alergia às partículas transportadas pelo ar, normalmente pólen ou ervas, mas também pode ser alérgico aos bolores, a determinados odores, ao pó e pêlos dos animais.

De há uns anos a esta parte, o número de doenças alérgicas respiratórias tem vindo a aumentar. Actualmente, morrem cerca de quatro milhões de pessoas por ano, em todo o mundo, vítimas destas patologias. Estima-se que em 2020 as doenças crónicas respiratórias sejam a quinta causa de morte na população mundial.

Alterações no estilo de vida e a deteriorização da qualidade do ar, nomeadamente nos países industrializados, onde os índices de respirabilidade do ar se têm vindo a degradar, estão entre as principais causas do aumento das doenças alérgicas respiratórias que já atingem 40 por cento da população europeia. Segundo Rosado Pinto, coordenador português do Estudo Internacional da Asma e Alergias em Crianças (ISAAC), há factores de risco dentro e fora de casa e tem havido uma mudança de comportamento da população europeia, nomeadamente dos jovens. Estes vivem cada vez mais no interior das habitações e sem actividade física.

Entre 1992 e 2000, a incidência de asma nos adolescentes passou de 9,2% para 11,8%, o que significa que há uma média de dois asmáticos em cada turma. A nível mundial, 20 por cento da população sofre de rinite, asma ou conjuntivite.

Entre as doenças alérgicas respiratórias mais frequentes contam-se o edema de Quincke, a asma tópica e a rinite alérgica, a mais comum. No nosso país, três milhões de pessoas sofrem de rinite alérgica. Destas, 2,3 milhões podem vir a desenvolver asma. Tal como em Portugal, 30 por cento da população europeia sofre desta patologia.

A rinite alérgica é a doença respiratória mais comum, sendo desencadeda por uma reacção alérgica do tipo I. Existem dois tipos de rinite alérgica: a rinite alérgica estacional, ou febre dos fenos – que se restringe à época dos pólens –, e a perenial, cujos sintomas variam de intensidade de acordo com a época do ano. A terapêutica adoptada é semelhante em ambas as rinites – anti-histamínicos, descongestionantes, aerossóis, corticosteróides orais, imunoterapia alérgica. Porém, em alguns casos de rinite perenial é necessário recorrer à cirugia para retirar os pólipos nasais ou para tratar infecções dos seios perinasais.

Para além da sintomatolgia habitual nestas doenças – espirros, obstrução nasal, coriza, tosse, prurido nos olhos, nariz, garganta ou noutra parte do corpo, lacrimejar, conjuntivite, erupções cutâneas, urticária, edema nos lábios ou angioedema, faringite, sinusite, otite alérgica ou dispneia – existe todo um conjunto de problemas, nomeadamente do foro respiratório, ligados à actividade profissional, que afectam os pacientes. Na maioria das vezes, as doenças alérgicas interferem no desempemho escolar e profissional e na qualidade de vida dos indivíduos.

A dificuldade de diagnosticar estas patologias é o principal problema para as combater. Por isso, devido ao aumento de ocorrências, a União Europeia e a Organização Mundial de Saúde colocaram esta área da saúde na primeira linha de investigação.

Existe uma luta permanente entre o exterior e o interior. Uma Guerra entre dois Mundos que lutam pela sua sobrevivência. O sistema imunitário assegura, na maioria dos casos, a nossa sobrevivência. Todos os seus constituintes, órgãos, tecidos e células, garantem uma disponibilidade imediata e uma articulação rápida da resposta imunitária.

Foi a ausência de uma forte resposta imunitária e de fortes mecanismos de defesa, adequados à atmosfera terrestre, que causou a morte dos marcianos de Wells. O Homem ganhou a Guerra dos Mundos porque desde o início dos tempos luta contra bactérias, vírus e outros agentes patogénicos. Esta luta diária e as sucessivas vitórias, quer do próprio organismo quer desenvolvidas pelo Homem, como a vacinação, permitem à Humanidade viver sempre mais um dia no Planeta azul.

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
09 de Abril de 2024

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