As evacuações frequentes de fezes de consistência pastosa, semi-líquidas e mesmo líquidas, são designadas por diarreias. Embora seja uma experiência desagradável, a patologia é bastante comum, afetando os adultos em média 4 vezes por ano. A Organização Mundial de Gastroenterologia (WGO) define como diarreia aguda quando esta se mantém por um período inferior a 14 dias, em adultos, tornando-se a partir daí em diarreia crónica com uma média de 3 a 4 defecações diárias.
As diarreias não escolhem género, idade ou estatuto social mas atingem com mais frequência as pessoas com o sistema imunitário mais debilitado ou a viver em ambientes com precárias condições sanitárias, onde os parasitas são mais comuns.
Podem ter várias origens, sendo mais frequentes as de origem infecciosa, causadas por vários tipos de batérias, vírus ou parasitas que se instalam no organismo quando se viaja através de países em desenvolvimento onde as condições de clima, condições sociais ou as práticas sanitárias são diferentes das do local em que se vive, através de alimentos contaminados, práticas sexuais de risco e uso recente de medicamentos em instituições sociais ou de saúde.
A maioria dos germes causadores da diarreia atingem habitualmente as pessoas, atavés da boca. Nos lactentes e crianças de baixa idade, cujo organismo ainda está em formação, elas podem ocorrer devido às gastroenterocolites, as mais comuns, cuja etiologia predominante são os vírus e bactérias e necessitam de adequada manutenção do estado de hidratação, autolimitando-se ao fim de poucos dias de evolução.
Patogenia
Quanto às causas, as diarreias agudas são habitualmente classificadas como bacterianas, parasitárias, virais e não infecciosas. São interpretadas como um aumento da quantidade de água e eletrólitos nas fezes, levando à produção frequente de fezes malformadas.
É a quebra deste equilíbrio entre a reabsorção e a secreção pela mucosa intestinal que leva à liquidificação das fezes. Frequentemente, essa reação envolve microorganismos não invasivos que são especialmente ativos no intestino, causando diarreia aquosa com febre baixa ou mesmo sem sintomas febris. Através de variadas interações com a mucosa intestinal esses microorganismos levam à diarreia.
A vibrio cholerae e a e. coli enterotóxica não se disseminam para além da mucosa intestinal e causam diarreia sem no entanto provocarem invasão do epitélio intestinal, através da produção de enterotoxinas que induzem a secreção de fluídos. Alguns microorganismos, porém, danificam a superfície absortível da membrana plasmática, podendo conduzir à deficiência de dissacaridades, como acontece quando há infecção pela giardia lamblia, por exemplo.
Outros microorganismos são invasivos e penetram o epitélio intestinal, resultando em distúrbio inflamatório como no caso da conhecida infecção pela shigella, ou ainda da campylobacter e salmonella que podem igualmente invadir a mucosa intestinal.
Quanto às características, intensidade e duração, as diarreias podem ainda classificar-se como agudas e crónicas, diarreia dos viajantes e paradoxal.
Diarreia aguda
Segundo a WGO, considera-se aguda a diarreia que não ultrapasse as 3-4 semanas e crónica quando esse tempo é ultrapassado.
Cerca de 90 por cento das diarreias agudas são de origem inflamatória, causadas por bactérias ou vírus, por toxinas de bactérias ingeridas através dos alimentos, ou medicamentosa quando originada pela toma de medicamentos. É muitas vezes acompanhada de dor e distensão abdominal e ainda por náuseas e vómitos, mais raramente. Afeta o intestino delgado, desenvolvendo-se uma enterite, que por vezes pode atingir também o estômago originando gastroenterite.
Entre os países mais avançados a diarreia aguda é uma doença muito frequente mas auto-limitada, evoluindo para a cura ao fim de 4 a 5 dias. Porém, o mesmo não se passa em países menos desenvolvidos onde a diarreia aguda ainda hoje é uma importante causa de morte, sobretudo nas crianças, devido principalmente à falta de recursos sanitários e alimentares.
Causada por bactérias, a diarreia inflamatória é geralmente acompanhada de febre e fezes emulsionadas com sangue (disenteria). As bactérias responsáveis por este tipo de disenteria são a sigela, salmonela e campilobacter que dão origem às colites infecciosas do cólon.
Provavelmente não haverá nenhum ser humano que não tenha experimentado várias vezes ao longo da vida, a desagradável sensação de alguns dias de sofrimento provocado pela diarreia.
Tratar a diarreia aguda
Na sua quase totalidade, as diarreias agudas que por vezes atingem dezenas ou mesmo centenas de pessoas, na sequência de eventos como casamentos, batizados, reuniões de trabalho e convívio, por contaminação de alimentos, constituem matéria frequente de noticiários. Estas ocorrências são geralmente auto-limitadas, curando-se em 2 a 5 dias, sem necessidade de recurso a medicação.
As salmonelas são as principais bactérias causadoras de muitas destas diarreias, geralmente associadas à ingestão de ovos, maionese, mariscos ou frango. Também a e. coli está associada a alimentos como os hambúrgueres e similares.
Nestes casos, recomenda-se a ingestão abundante de líquidos para evitar a desidratação, pois o recurso aos serviços médicos e exames de diagnóstico, em tempo útil, em nada irá ajudar. A noção, ainda existente, de que a ingestão de líquidos aumenta a diarreia é completamente falsa.
Líquidos como a água, chá e coca-cola sem gás, evitam a desidratação e constituem a base do tratamento da diarreia aguda, devendo por isso evitar-se a toma de medicamentos desnecessários para tratamento das patologias com estas caraterísticas.
Dependendo da sua intensidade e frequência, quando a dirreia aguda está associada a vómitos, beber pequenas quantidades de líquido de cada vez, podendo também ser útil a toma de um antiemético, sob prescrição médica.
Porém, se o número de defecações for incomodativo, deve consultar-se o médico de família que poderá recomendar a prescrição de um opiáceo como a loperamina, para diminuir a frequência das contrações propulsoras do intestino e favorecer a absorção de água e electrólitos. Ter no entanto em atenção que nas diarreias infecciosas o aumento do número de dejeções é um meio de defesa de que o organismo se serve para expulsar as toxinas, bactérias e os vírus do intestino. Sob recomendação médica, deverá ser seguida uma dieta sem resíduos enquanto a diarreia não parar e não beber leite por causa da deficiência de lactase.
A prescrição de antibióticos não é recomendável, exceto em casos muito raros devidamente diagnosticados, quando se torne absolutamente necessário. Nos casos extremos de diarreia profusa e toxémia, provocando mau estado geral, poderá ser necessário o internamento hospitalar, para corrigir os desequilíbrios iónicos e para administração intravenosa de líquidos.
Embora rara nos países desenvolvidos, uma infecção intestinal aguda muito temida, endémica em várias regiões do globo, é a cólera. Provocada pela bactéria vibrio cholerae, tem capacidade para produzir apenas 2 dos 190 subgrupos conhecidos, uma toxina que provoca diarreia. A bactéria, transmitida pela água e alimentos, é assintomática ou provoca uma diarreia ligeira em mais de 90 por cento das pessoas, mas por vezes torna-se profusa, levando à morte ao fim de algumas horas.
O tratamento consiste na reposição das quantidades de água e eletrólitos perdidos o que, em alguns casos, não é conseguido. Nesta situação, os antidiarreicos estão contra-indicados e na maior parte dos casos a prescrição de antibióticos não se justifica.
Na maioria das diarreias agudas, o importante é a ingestão abundante de líquidos, para evitar a desidratação. Muito raramente haverá necessidade de recurso aos fármacos, sempre sob supervisão médica. As leveduras são neste caso um dos medicamentos mais utilizadas em Portugal. Porém, segundo o prontuário terapêutico do Infarmed "as leveduras não têm provas convincentes da sua eficácia terapêutica" e, muitas vezes, fazem esquecer a ingestão de líquidos.
Diarreia persistente
Bactérias como a yersiniaenterocolitica, o campylobacter jejuni e parasitas como a entamoeba histolytica são responsáveis por diarreias que se arrastam durante várias semanas de forma contínua ou intermitente, confundindo o conceito de diarreia aguda com diarreia crónica. Por outro lado, quando se prolonga para além de uma semana, ou é acompanhada de sangue, são necessários exames médicos às fezes para tentar isolar a bactéria em causa.
Em alguns casos será necessário exame endoscópico ou uma fibrossigmóidoscopia, para despistar doenças como as colites ulcerosa, isquémica e pseudomembranosa ou outra afeção grave, não descartando a possibilidade de tumor do recto ou do cólon, se o paciente tiver mais de 45 anos. Em zonas onde as parasitoses frequentes são conhecidas e causa potencial de diarreias, o tratamento pode ser levado a cabo sem necessidade de pesquisa.
Nas crianças, a diarreia aguda coloca problemas específicos obrigando a cuidados especiais, que só o regular acompanhamento médico e cuidados maternos poderão superar.
Os sintomas principais de desidratação infantil, são reconhecidos por olheiras profundas, ausência de lágrimas quando chora, língua e boca secas, sede excessiva e sofreguidão ao beber; redução do volume de urina e afundamento da fontanela (moleirinha). Ainda é a principal causa de morte infantil nos países menos desenvolvidos, com mais de 3 milhões de mortes por ano e, paradoxalmente, 500 nos EUA.
Diarreia crónica
Quando a diarreia se prolonga para além de 4 semanas é designada por diarreia crónica. Tem múltiplas causas sendo as mais frequentes, a síndrome do intestino irrritável e a diarreia funcional, duas doenças não orgânicas. Esta última não é acompanhada pelos sintomas que caracterizam a síndrome do intestino irrritável.
Bactérias, parasitas, a doença celíaca, colite ulcerosa, doença de Crohn, as colites isquémica, rádica e pseudomembranosa, a deficiência de lactase, os tumores benignos e malignos do intestino, são outras das causas da diarreia crónica. Também podem ser de origem medicamentosa, através de laxantes, hormonas da tiroide, digitálicos, procinéticos, antiácidos e similares.
Doenças endócrinas como a diabetes, hipertiroidismo e outras mais raras, podem igualmente estar na origem da diarreia crónica. Alguns exames endoscópicos, imagiológicos, ao sangue e, eventualmente às fezes serão necessários, para que o clínico complete o seu diagnóstico, sobretudo quando se trata de pacientes com mais de 45 a 50 anos, nos quais a despistagem de cancro se torna imprescindível.
Tratar a diarreia crónica
O tratamento da diarreia crónica deve centrar-se nas causas. Um maior número de dejeções ou modificação na consistência habitual das fezes, que surja nos pacientes com mais de 45 anos, obriga a uma consulta médica urgente. Para aliviar o incómodo provocado pela doença, o médico de família poderá prescrever um opiáceo enquanto se esclarece o diagnóstico entretanto pedido. Caso se trate diarreia ligeira, provocada pela síndrome de intestino irritável e da diarreia funcional uma dieta rica em fibra que torna as fezes mais consistentes, pode trazer o alívio desejado.
Diarreia paradoxal
Nos doentes idosos, acamados, que usam frequentemente fármacos obstipantes, podem formar-se, na ampola rectal, massas compactas de fezes denominadas fecalomas, que estimulam a secreção de muco no seu interior, arrastando pedaços da matéria fecal para o exterior. A repetição deste fenómeno várias vezes ao longo do dia pode induzir à confusão com a diarreia, levando à utilização de obstipantes que só irão agravar ainda mais a situação. O diagnóstico destas situações é feito facilmente pelo clínico através de toque rectal, que estabelece a melhor estratégia para ajudar a esvaziar o fecaloma.
Diarreia do viajante
A diarreia do viajante está associada à alimentação e águas contaminadas e constitui habitualmente o maior problema de saúde para quem se desloca entre diferentes regiões do mundo, sobretudo se a mudança implica grandes diferenças climáticas, sociais ou sanitárias.
Entre os viajantes de curta duração, para zonas consideradas de alto risco como o norte de África, Ásia oriental, América do sul, México e subcontinente indiano, é frequente aparecer diarreia nos 2-10 dias iniciais, muitas vezes acompanhada de náuseas, vómitos e febre, afetando até 80 por cento deles. Bactérias, vírus e protozoários são as causas principais, mas parece que a bactéria eschericia coli está implicada em mais de dois terços dos casos.
Prevenção
A principal arma para prevenir a diarreia do viajante é a prevenção. Para isso, o viajante deverá consumir bebidas engarrafadas ou enlatadas industrialmente; não beber líquidos diretamente de latas ou garrafas, sem as lavar adequadamente; comer alimentos cozidos ou fervidos, preparados na hora do consumo; utilizar água mineral gasosa engarrafada industrialmente, que tem menor risco de transmissão de doenças; beber água clorada ou fervida quando não for possível adquiri-la engarrafada; evitar o consumo de leite não pasteurizado e de bebidas não embaladas adequadamente; evitar o consumo de alimentos caseiros como, legumes mal cozidos e preparados à base de ovos, molhos, mousses, sumos, sorvetes e gelo; evitar qualquer tipo de alimento adquirido aos vendedores ambulantes; usar água tratada ou mineral para escovar os dentes.
Nas farmácias, casas de desporto e aeroportos podem normalmente ser adquiridos comprimidos contendo adequadas concentrações de cloro para diferentes volumes e finalidades de utilização da água, com as instruções a seguir.
A prevenção com antibióticos é eficaz, mas deve ser evitada, não só pelas resistências bacterianas que desenvolvem, mas sobretudo pela falsa segurança que proporcionam. Como último recurso, um comprimido por dia de norfloxacina 400mg, de ciprofloxacina 500mg ou de trimetroprim-sulfametoxazol 160/800mg são regimes eficazes.
Tratamento
A diarreia do viajante é em geral de curta duração. Em mais de 90 por cento dos casos evolui para a cura em 2 a 5 dias, devendo seguir-se os procedimentos recomendados para o tratamento da dirreia aguda. Os antibióticos são desconselhados, e só esporadicamente devem ser usados. Se uma diarreia incomodativa irromper do decurso da viagem, tomar 2 comprimidos de loperamida inicialmente e um após cada dejeção de fezes moles, até 6 comprimidos por dia.
Caso se tenha de optar por um antibiótico, uma dose única de ciprofloxacina 750mg cura a maior parte das diarreias do viajante. Porém, se for mais grave e contiver sangue, deve procurar-se assistência médica com a maior brevidade possível.
A vacinação continua a ser o melhor meio de proteção contra o vírus, com uma proteção mais eficaz contra doenças mais graves, embora o seu efeito protetor diminua com o passar do tempo.
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