Há cerca de 10 mil anos os povos descobriram que era possível, semeando a terra, colher cereais como o trigo, cevada e outros alimentos. A partir de então a sua capacidade de sustentação alimentar cresceu de tal forma que lhes permitiu abandonar progressivamente a sua actividade de recolectores, passando a viver no mesmo sítio sem necessidade de deslocaçães constantes para procura de alimentos. Uma das consequências desse evento foi a civilização; outra, o risco de contrair a doença celíaca (DC) – provavelmente tão antiga como o consumo de cereais.
A primeira descrição desta doença ocorreu entre os sécs. I e II Depois de Cristo, segundo o testemunho de Aretaeus ou Aretaios da Capadócia, contemporâneo dos antigos físicos gregos. Nos seus escritos descreveu os pacientes com um determinado tipo de diarreia usando o vocábulo grego "koiliakos" (aqueles que sofrem do intestino).
Tudo leva a crer que já nessa altura se referia àquilo que em 1888 Samuel Gee, um médico inglês, observou em crianças e adultos e que designou por "afecção celíaca", utilizando igualmente o termo grego. Gee previa que "controlar a alimentação é o factor determinante do tratamento... a ingestão de farináceos deve ser reduzida..., e se o doente pode ser curado, há-de sê-lo através da dieta".
Nos anos que se seguiram vários médicos, principalmente pediatras, dedicaram-se a observar e a tentar compreender as causas desta doença, embora poucos avanços se tenham conseguido.
A causa da doença só foi identificada no decurso da 2ª Guerra Mundial. O racionamento de alimentos imposto pela ocupação alemã reduziu drasticamente o fornecimento de pão à população holandesa. O Professor William Dicke, um pediatra holandês de Utrecht, constatou que as crianças com "afecção celíaca" melhoravam da doença apesar da grave carência de alimentos. Associou este facto ao baixo conteúdo de cereais na dieta, associação que mais tarde viria a ser confirmada, em Birmingham, por Charlotte M. Anderson.
As experiências realizadas em laboratório permitiram extrair o amido e outros componentes da farinha de trigo, tendo-se identificado o glúten como a substância que provocava a doença.
Em 1954, J. W. Paulley, um médico de Ipswich, ao realizar uma cirurgia a um doente verificou a existência de uma mucosa intestinal chata. Este facto, confirmado por outros investigadores, foi extremamente importante pois essas alterações passariam a permitir um diagnóstico da doença, com bases seguras.
A importância desta descoberta aumentou quando, em 1956, um oficial americano, Crosby, e um engenheiro, Kugler, desenvolveram um pequeno aparelho com o qual se podiam efectuar biópsias do intestino sem necessidade de cirurgia. Este aparelho – a cápsula de Crosby – ainda hoje é usado, com pequenas modificações, para efectuar o diagnóstico da DC. Em 1969, a Sociedade Europeia de Gastroenterologia e Nutrição Pediátrica (ESPGAN) propôs um número de critérios que permitissem um diagnóstico e tratamento correctos desta patologia.
Doença celíaca, Sprue celíaco, Sprue não tropical e enteropatia por glúten são alguns dos nomes por que é conhecida a doença, que consiste na intolerância permanente ao glúten, caracterizada pela inflamação crónica da mucosa do intestino delgado com atrofia das vilosidades e hiperplasia das criptas e por melhoria clínica e histológica após retirada do glúten da dieta, causando perda da capacidade de absorção intestinal.
É uma doença auto-imune que, por vezes, se torna activa pela primeira vez após cirurgia, gravidez, parto, infecção viral ou por stress emocional grave. As suas causas ainda não estão completamente esclarecidas, mas acredita-se que seja uma combinação de factores genéticos, imunológicos e ambientais (ingestão de glúten).
Segundo o Codex Alimentarius, o glúten é uma fracção proteica insolúvel em água presente no endosperma do grão de cereais como o trigo, cevada, centeio e aveia. Esta fracção proteica, consoante a sua proveniência, apresenta-se com designações diferentes: gliadina para o trigo, hordeína na cevada, secalina no centeio e avenina na aveia. Quando entram em contacto com a mucosa do intestino delgado, estas fracções desencadeiam um processo inflamatório que prejudica a absorção dos nutrientes, levando a deficiências nutricionais.
O facto de a DC poder ter apresentações muito variáveis, dificulta a estimativa da sua prevalência. Durante muitos anos foi considerada uma doença rara mas actualmente pensa-se que é a doença crónica, mais frequente na civilização ocidental, com uma incidência de 0,5 a 1,0 por cento na maioria das sociedades norte-americanas e europeias.
Em Portugal, segundo a Associação Portuguesa de Celíacos (APC), a DC é uma doença largamente subdiagnosticada. O único estudo efectuado, na região de Braga, obteve uma prevalência de 1:134 pelo que se estima que 1 a 3 por cento da população portuguesa seja celíaca. No entanto, existem apenas cerca de 8 mil celíacos diagnosticados. Crê-se que existam entre 70 mil a 100 mil celíacos por diagnosticar no nosso país, o que é preocupante. Segundo a APC este subdiagnóstico deve-se, em parte, ao preço das análises específicas para a detecção da doença e ao facto de não serem comparticipadas pelo SNS.
A doença manifesta-se particularmente nas crianças entre o 1º e o 5º ano de vida, com diminuição ou desaparecimento dos sintomas na adolescência, sendo mais precoce quanto mais cedo forem introduzidos os cereais com glúten na alimentação.
A relação criança/adulto encontrada é de 10/1, embora em certas áreas geográficas, como por exemplo na Irlanda, essa relação seja de 2/1. No adulto, o pico de incidência verifica-se entre a 3ª e a 4ª décadas de vida, podendo haver uma distribuição bimodal, ou seja, na 4ª-5ª décadas no sexo feminino e na 5ª-6ª décadas no sexo masculino.
A incidência da DC é ligeiramente maior no sexo feminino. A relação de 1/1 na infância passa a ser de 1/2 na idade adulta. Uma das explicações para esta diferença deve-se ao facto de a DC ser mais frequente e facilmente diagnosticada na mulher, e também porque os défices de ferro ou cálcio são mais chamativos nesta.
As manifestações clínicas da DC são muito diversas. Além de dependerem de factores como a idade, também a quantidade de cereais ingerida na dieta, grau de sensibilidade ao glúten e outros propiciam o seu aparecimento.
Sintomatologia e Diagnóstico
A sintomatologia varia também de pessoa para pessoa e pode ocorrer a nível do sistema digestivo ou de outros órgãos. Normalmente as crianças são as mais afectadas por sintomas do sistema digestivo, principalmente nos primeiros dois anos de vida, aquando da introdução de novos alimentos na dieta.
Os sintomas mais comuns são a distensão abdominal e dor; diarreia crónica ou intermitente; fezes ricas em gordura, brilhantes, fétidas, volumosas e pouco consistentes; perda de peso; vómitos; palidez e irritabilidade.
A má absorção de nutrientes durante os anos em que a nutrição é essencial para o crescimento normal da criança pode originar outros problemas, nomeadamente atraso no crescimento e baixa estatura, puberdade tardia e defeitos no esmalte dos dentes permanentes.
Os adultos com DC apresentam com mais frequência outro tipo de sintomas, entre os quais anemia ferropénica inexplicada; perda de massa óssea ou osteoporose; dores ósseas ou articulares e cãibras; fadiga; artrite; depressão ou ansiedade; dormência nas mãos e pés; alterações do ciclo menstrual; infertilidade ou abortos recorrentes; aftas recorrentes; prisão de ventre/diarreia e anemia.
Existem ainda outras patologias às quais a DC parece estar associada uma vez que a sua incidência nestes doentes é significativamente superior à da população em geral, de que são exemplo a diabetesmellitus tipo 1, síndroma de Down, pacientes com doenças autoimunes como a da tiróide ou a doença hepática autoimune, cirrose biliar primária, lúpus eritematoso sistémico, síndroma de Sjogren, alterações genéticas como síndroma de Turner e de Williams, síndroma do intestino irritável, psoríase, alopecia areata, doença de Addison, artrite reumatóide e vitiligo.
Também a incidência de algumas doenças malignas se encontra aumentada nos doentes com DC como o linfoma intestinal, adenocarcinoma do intestino delgado, carcinoma esofágico e orofaríngeo, cancro hepático primário, linfomas Hodgkin e não-Hodgkin e carcinoma do intestino grosso. Existem evidências de que uma dieta pobre em glúten pode reduzir o risco de malignidade nestes doentes.
Perante a suspeita clínica da doença, é necessário proceder a exames de diagnóstico. Deverão ser feitas análises ao sangue e às fezes para confirmar a existência de má absorção dos alimentos e a existência de anticorpos da DC, designadamente anti-gliadina (AAG), anti-endomisio (AAE) e anti-transglutaminase tecidular (AATt), actualmente o mais exacto. Se os exames se revelarem positivos a probabilidade de ter a doença é elevada. É no entanto necessário a realização de biópsia jejunal para confirmação. A observação do fragmento do intestino permite fazer uma avaliação directa das lesões existentes.
O diagnóstico atempado é importante para melhorar a qualidade de vida do paciente e diminuir os riscos a longo prazo da doença não tratada.
Tratamento
Não existem medicamentos para a DC. O único tratamento efectivo é uma rigorosa dieta sem glúten, cumprida por toda a vida. Na fase inicial do tratamento, para além da dieta sem glúten, poderão ser necessários suplementos para corrigir os défices minerais e vitamínicos (ferro, cálcio, fósforo, zinco, magnésio, vitaminas B1 e B6, vitamina D e ácido fólico, vitamina K).
A supressão do glúten da alimentação não implica que esta seja desequilibrada. Pelo contrário, o doente celíaco poderá consumir todo o tipo de alimentos desde que não contenham glúten na sua composição.
A APC dividiu os alimentos em três categorias: os permitidos (sem glúten), os perigosos (que podem conter glúten) e os proibidos (que contêm glúten). Entre os permitidos - naturalmente os isentos de glúten -, estão o leite, carne, peixe, ovos, frutas, legumes, leguminosas, iogurte natural, chá, café puro, sal, açúcar, etc.
Os alimentos perigosos são os transformados ou processados industrialmente, por exemplo salsichas, refrigerantes, gelatinas, molhos e temperos industriais.
Os alimentos proibidos são todos os que provêm dos quatro cereais com glúten: o trigo, o centeio, a cevada e a aveia. Aqui, incluem-se os produtos de pastelaria e padaria, pizzas, hambúrgueres, panados e massas, alguns enchidos e cerveja, entre outros.
Os produtos alimentares que procuram satisfazer as necessidades nutricionais dos doentes celíacos podem ser classificados como produtos dietéticos ou de regime.
O Decreto-Lei nº 227/99, de 22 de Junho, define os géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial como sendo os produtos alimentares que, devido à sua composição ou a processos especiais de fabrico, se distinguem claramente dos géneros alimentícios de consumo corrente. Estes deverão ser adequados ao objectivo nutricional pretendido e comercializados com a indicação de que correspondem a esse fim.
Actualmente, o mercado nacional dispõe de mais de 150 variedades de produtos (pão, tostas, bolos, bolachas, massas, bases para pizzas) destinados a estes doentes.
Embora, à primeira vista, uma dieta sem glúten possa parecer simples, não o é, podendo surgir inúmeras circunstâncias que levam o paciente a transgredi-la, como, por exemplo, a falta de orientação por parte dos familiares e profissionais de saúde, sobre a doença e eventuais complicações; dificuldades financeiras para adquirir os alimentos sem glúten; a excessiva publicidade aos alimentos industrializados extremamente apetitosos e o facto de, muitas vezes, a lista de ingredientes de certos géneros alimentícios não ser explícita quanto à presença ou ausência de glúten.
Para estes doentes comer fora de casa é um desafio constante. Qualquer quantidade de glúten, por mínima que seja, é prejudicial. Assim, é muito importante que o doente celíaco tenha conhecimentos suficientes acerca da composição dos alimentos nocivos à sua saúde e, em caso de dúvida, não deve ingeri-los.
O aconselhamento de um nutricionista familiarizado com a doença desempenha aqui um papel fundamental, assim como as associações de doentes.
Para a Associação Portuguesa dos Doentes com Intolerância ao Glúten, é necessário dar a conhecer melhor a doença, quer ao público em geral, quer à classe médica. E realçam que a falta de informação é um dos problemas mais comuns entre os celíacos.
Por falta de informação os diagnósticos são erradamente interpretados e os doentes acabam por passar muitos anos em tratamentos inócuos.
É-se doente celíaco toda a vida. Conhecer a doença e seguir religiosamente uma dieta sem glúten é o caminho para a "cura". O percurso do actual campeão do mundo de ténis, Novak Djokovic, um doente celíaco, não teria sido possível sem um correcto diagnóstico e uma rigorosa disciplina no seguimento de dieta.
A vacinação continua a ser o melhor meio de proteção contra o vírus, com uma proteção mais eficaz contra doenças mais graves, embora o seu efeito protetor diminua com o passar do tempo.
Segundo a OMS, a obesidade consiste numa acumulação excessiva de gordura que surge quando há um desequilíbrio entre o volume de calorias consumidas e as calorias gastas.
De acordo com a OMS, os cuidados de saúde primários, representam um abordagem de toda a sociedade à saúde e bem-estar, centrada nas necessidades e preferências das pessoas, famílias e comunidades.
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