Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) são a primeira causa de morte em Portugal. Esta afirmação é tão real quanto assustadora. Calcula-se que seis pessoas em cada hora sofram um AVC e que duas a três morram em consequência disso, estimando-se assim que sejam responsáveis pela morte de 200 em cada 100 mil portugueses por ano.
A situação, de há muito conhecida e suportada por dados oficiais, não tem sido, no entanto, suficientemente divulgada junto da população. Apenas no decurso de efemérides, como o "Dia Nacional do Doente com AVC", comemorado no pretérito mês de Março, ou no "Dia Mundial do AVC", que se assinala a 20 de Outubro, os órgãos de comunicação social dedicam algum tempo ao tema.
Estabelecido pela Sociedade Portuguesa dos AVC e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em parceria com a Federação Mundial de Neurologia, o objectivo nestas datas é alertar para a necessidade de uma mudança de hábitos que permita a prevenção desta doença, que provoca vítimas cada vez mais cedo. Já não é considerada uma doença de velhos, como antes, já que atinge pessoas de todas as idades.
Os dados disponíveis do Ministério da Saúde sobre taxas de mortalidade por AVC em Portugal apenas incluem indivíduos com menos de 65 anos. Apesar desta ter vindo a diminuir neste grupo etário de 2001 (17,2 por 100 mil habitantes) a 2008 (9,9 por 100 mil habitantes), o índice no nosso país é superior ao de outros países da Europa cujas taxas se situam entre 5 e 6 óbitos por 100 mil indivíduos dos 0 aos 64 anos.
A doença é ainda responsável pelo internamento de mais de 27 mil pacientes por ano, dos quais cerca de 15 por cento morrem durante esse período.
A nível mundial, a dimensão dos AVC é igualmente significativa. Com base em dados da OMS, morrem por ano mais de 5 milhões de pessoas devido à doença. Destes, 85 por cento ocorrem em países de baixos e médios rendimentos e um terço em pessoas com menos de 70 anos.
A mortalidade é maior nos países do leste da Europa, do norte da Ásia, da África Central e no Sul do Pacífico. A taxa mais elevada regista-se na Rússia (251/100 mil habitantes) e a mais baixa nas Seychelles (24/100 mil habitantes). Pode assim dizer-se que a taxa média de mortalidade por AVC a nível mundial varia entre 20 a 250 por 100 mil habitantes/ano. Como vimos, Portugal situa-se próximo do limite superior.
A patologia é uma ameaça para a saúde e bem-estar das pessoas, não só pela elevada incidência, mas também pela mortalidade e morbilidade que provoca, assim como pelas alterações a nível da funcionalidade, que implicam uma perda substancial de autonomia e de qualidade de vida.
Os números realçam a importância da prevenção, até porque o AVC é uma doença neurológica susceptível de ser evitada.
Definição e tipos
Acidente vascular cerebral é um derrame resultante da falta ou restrição de irrigação sanguínea ao cérebro, que pode provocar lesão celular e alterações nas funções neurológicas. As manifestações clínicas subjacentes a esta condição incluem alterações das funções motora, sensitiva, mental, perceptiva e da linguagem, embora o quadro neurológico apresentado possa variar muito em função do local e extensão exacta da lesão.
Existem dois tipos principais de AVC, o isquémico e o hemorrágico. A determinação do tipo depende do mecanismo que o originou.
O AVC isquémico é provocado pelo bloqueio de um vaso sanguíneo ou artéria, impedindo a corrente sanguínea de atingir algumas regiões do cérebro. Este tipo de AVC é provocado por isquemias – perda de oxigénio e nutrientes das células cerebrais que resulta na obstrução de um vaso sanguíneo –, sob forma definitiva ou permanente.
A isquemia conduz ao enfarte (morte das células cerebrais, substituídas por líquido plasmático).
Os coágulos sanguíneos provocam a isquemia e o enfarte de duas formas:
– a embolia, um coágulo que se forma em qualquer parte do corpo e se desprende ou fracciona indo percorrer os vasos sanguíneos até ficar preso num ponto mais estreito de uma artéria cerebral;
– a trombose, formação de um coágulo de sangue (também conhecido como trombo) no interior de um vaso sanguíneo do cérebro, geralmente sobre uma placa de gordura (acumulação de colesterol nas paredes das artérias, conhecido como arteriosclerose).
O AVC hemorrágico é provocado pela ruptura de um vaso sanguíneo, que leva ao derrame de sangue para o interior do cérebro ou áreas circundantes.
Neste tipo, a hemorragia pode ocorrer de várias formas, sendo o aneurisma uma delas. Trata-se de um ponto fraco ou fino na parede da artéria, cuja fragilidade vai aumentando com o tempo e que, sujeita a elevada pressão arterial, acaba por rebentar.
Outra forma é a ruptura numa parede arterial. As paredes arteriais encrostadas de placas, provocadas pela arteriosclerose, perdem a sua elasticidade tornando-se rígidas, finas e mais susceptíveis de quebrar.
Pela sua dimensão e repercussão é imprescindível a caracterização dos factores de risco para o AVC já que toda a prevenção da doença depende da sua minimização ou eliminação.
Factores de risco e sinais de alerta
Os factores de risco aumentam a probabilidade de ocorrência de um acidente vascular cerebral, mas muitos deles podem ser minimizados. Podem classificar-se em três categorias principais: factores de risco não modificáveis, modificáveis com tratamento médico e modificáveis através de alterações do estilo de vida.
Entre os não modificáveis está:
a idade – quanto mais idosa a pessoa, maior a probabilidade de sofrer AVC, muito embora as pessoas jovens possam também ser atingidas;
o sexo – até os 51 anos de idade, os homens têm maior probabilidade de sofrer um AVC mas depois dessa idade, o risco é praticamente igual em ambos os géneros;
o grupo étnico e racial – certos grupos étnicos têm maior risco que outros e as pessoas da África ocidental e Caraíbas têm o dobro do risco dos caucasianos;
a história familiar – em Portugal, cerca de 30 por cento dos pacientes de AVC têm história familiar, isto é, esses pacientes têm pelo menos mais um familiar afectado pela doença;
os factores genéticos de risco – os genes têm um papel na expressão de factores de risco de acidente vascular cerebral como a hipertensão, doenças cardíacas, diabetes e as malformações vasculares.
Entre os factores de risco modificáveis com tratamento médico está:
a diabetes – pessoas diabéticas têm um risco 3 vezes superior às que não têm a doença; este risco é mais elevado entre os 50 e os 70 anos de idade, baixando a partir daí;
o colesterol – quando há excesso de colesterolLDL em circulação no sangue, este começa a depositar-se ao longo da parede interna das artérias levando ao seu endurecimento e transformando-se em placas arteriais que bloqueiam os vasos sanguíneos, provocando arteriosclerose e o consequente AVC;
as doenças cardíacas – quaisquer doenças cardíacas, em especial as que provocam arritmia, constituem factores de risco, nomeadamente a fibrilhação auricular, malformações das válvulas do coração e do músculo cardíaco, aneurisma septal auricular, aumento da aurícula esquerda, hipertrofia do ventrículo esquerdo e também a cirurgia cardíaca.
A cirurgia para corrigir malformações do músculo cardíaco ou reverter o efeito de doenças cardíacas pode levar ao deslocamento de placas da aorta, as quais, por sua vez, podem viajar até ao pescoço e cabeça e provocar AVC.
No entanto, os factores mais facilmente modificáveis, que podem ajudar a prevenir o AVC, são os relacionados com o estilo de vida.
Evitar o sedentarismo que, por inactividade, leva à obesidade, aumentando por sua vez o risco de diabetes, hipertensão arterial e arteriosclerose; não fumar é outra opção correcta a tomar na medida em que o tabaco duplica o risco de AVC isquémico e agrava os danos provocados pela doença pois enfraquece a parede endotelial do sistema vascular do cérebro; o uso de drogas ilícitas (cocaína, marijuana) e o consumo excessivo de álcool são igualmente um factor de risco; é de enorme importância conhecer os factores que contribuem para a doença mas é igualmente essencial reconhecer os principais sintomas da sua instalação.
O AVC manifesta-se de forma diferenciada em cada paciente por depender de múltiplos factores – área atingida, tipo e causa geral, factores de risco presentes e estado geral de saúde, entre outros.
De entre os mais comuns destaca-se: a diminuição da força muscular ou parestesias de um membro ou metade corporal, com dificuldade de equilíbrio no movimento (pode ocorrer paralisia da face com desvio da boca); dificuldade de movimentação, tonturas ou perda de coordenação e de equilíbrio; alteração da linguagem (dificuldades na fala) e incapacidade de compreensão (não conseguir entender o que é dito); alteração da visão num olho ou em ambos e/ou parte do campo visual (mesmo que temporariamente); dor de cabeça súbita, seguida de vómitos, sonolência ou coma; perda de memória, confusão mental e dificuldade em executar as tarefas habituais.
Por se tratar de uma doença de início súbito, que pode evoluir rapidamente para um quadro de sequelas graves ou até mesmo para a morte, é importante não desvalorizar os sinais de alarme.
O AVC constituiu hoje uma emergência médica que deve ser tratada como tal e cuja mortalidade e morbilidade dependem em grande parte da organização e qualidade dos cuidados de saúde.
São múltiplos os défices resultantes do AVC a nível físico, cognitivo-comportamental e emocional, havendo necessidade de intervenção de uma equipa interdisciplinar e interactiva de profissionais especializados em diferentes áreas (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas da fala e ocupacionais, psicólogos e assistentes sociais), para maximizar a recuperação e facilitar a reintegração do doente.
O processo de reabilitação
Cerca de um terço das pessoas que sofreram um AVC fica com vários níveis de incapacidade, pelo que a reabilitação assume um papel determinante. Esta deve ter como objectivo prevenir complicações, sobretudo as deformidades, a instalação da espasticidade, a perda da mobilidade das articulações, o ombro doloroso, as doenças pulmonares, a trombose venosa profunda e as úlceras de pressão, entre outras.
Pretende igualmente recuperar-se as funções cerebrais que ficaram comprometidas pelo acidente, quer sejam apenas temporárias ou permanentes, e ajudar na integração sociofamiliar e no trabalho, reintegrando a pessoa com a melhor qualidade de vida e independência possíveis.
Durante a fase de recuperação, a família representa um papel importantíssimo. A motivação do doente e a capacidade de a família se ajustar às suas incapacidades são determinantes para a sua qualidade de vida. Além da família, também os vários profissionais de saúde envolvidos na reabilitação do doente desempenham um papel da máxima importância.
O fisioterapeuta é um elemento fundamental neste processo, pois vai ter de reensinar ao doente as actividades motoras simples – andar, sentar, estar de pé, deitar e também o processo de alterar várias vezes o tipo de movimento. Ao terapeuta ocupacional cabe ajudar o doente a ficar semi ou completamente independente.
A reabilitação destes doentes é possível graças à enorme capacidade do cérebro em aprender a mudar. Hoje sabe-se que as células de outras regiões do cérebro, não afectadas pelo AVC, têm capacidade para assumir determinadas funções até aí realizadas pelas células da área afectada. A este fenómeno – essencial para a reabilitação do doente – dá-se o nome de neuroplasticidade.
Essencial também é a criação de condições de acesso a cuidados de reabilitação com qualidade, para quem deles precisa, quando precisa.
Prevenir e tratar os aspectos multifacetados do AVC é uma responsabilidade a partilhar. Quer isto dizer que a responsabilidade sobre o impacto da doença vascular cerebral no nosso país não é específica dos doentes, dos médicos, dos enfermeiros, dos políticos ou do INEM, mas sim de todos.
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