Desde os primórdios da civilização que os seres humanos, em consequência dos seus impulsos hedonistas, recorrem a substâncias externas ao organismo para alcançar estados alterados de consciência, maior prazer, analgesia, euforia, relaxamento, entre outros. Por essa razão, o consumo de drogas pode considerar-se consubstancial à nossa espécie.
Diariamente utilizamos estímulos externos para ativar o organismo. Por exemplo, bebemos café de manhã para “despertar”, álcool para nos sentirmos mais desinibidos ou relaxar, hipnóticos para dormir e, ocasionalmente, tomamos benzodiazepinas para evitar os incomodativos efeitos do jet-lag.
Mas já lhe tinha passado pela cabeça que, com apenas a toma de um comprimido, as nossas capacidades cognitivas poderiam ser potenciadas, ou seja, que com o recurso a substâncias químicas podiamos modificar o nosso software cerebral?
Há poucos recursos tão importantes quanto a cognição humana, e o interesse dos cientistas por substâncias que pudessem melhorar as habilidades mentais não é recente, aliás, estas substâncias – denominadas nootrópicos –, já são utilizadas pelo homem há milhares de anos. Mas, afinal, o que são nootrópicos?
O nome é estranho, mas nootrópico é apenas um termo usado para descrever uma classe de compostos que aumentam o desempenho cognitivo no ser humano.
A palavra surgiu pela primeira vez em 1972 pelas mãos do Dr. Corneliu Giurgea, que a usou para descrever a farmacologia do piracetam. Segundo o romeno, para uma substância ser considerada nootrópica deveria obedecer a características, como: aumentar a aprendizagem e a memória, proteger o cérebro dos danos químicos e físicos, possuir poucos efeitos secundários e apresentar toxicidade reduzida.
Em 1979, o Dr. V. Skondia referiu novos critérios para considerar uma substância como nootrópica: o composto não devia provocar contração ou dilatação dos vasos sanguíneos, não devia alterar a atividade eletroencefálica, devia atravessar a barreira hematoencefálica e devia exibir atividade metabólica no cérebro.
A verdade é que, até hoje, ainda não existe um conjunto de critérios, totalmente aceites pela comunidade científica, para classificar uma substância como tendo um efeito nootrópico.
Os nootrópicos, também conhecidos como intensificadores de memória, drogas inteligentes (smart drugs) e estimulantes cognitivos, têm como principal finalidade o aumento do desempenho cognitivo no ser humano. Define-se como desempenho cognitivo a capacidade de aprendizagem, memória, concentração, desempenho cognitivo, velocidade de raciocínio, humor, energia, atenção, linguagem e compreensão. Estas capacidades podem ser reduzidas com o processo natural de envelhecimento, por alguma lesão a nível cerebral, e ainda por doença.
Várias patologias são responsáveis pela redução da cognição, como a doença de Alzheimer, por exemplo, que é uma doença degenerativa com a capacidade de provocar dificuldades na linguagem e perda de memória. As substâncias nootrópicas ajudam a reduzir a progressão deste tipo de patologias neurodegenerativas e proporcionam aos doentes uma maior qualidade de vida.
Estas alteram a disponibilidade dos suprimentos neuroquímicos (hormonas, enzimas e neurotransmissores), melhorando potencialmente o metabolismo cerebral. Por outras palavras, os nootrópicos são vasodilatadores periféricos, agentes vasoativos, neuroprotetores, ativadores cerebrais e neuroregeneradores.
São várias as substâncias sintéticas com efeito nootrópico. O piracetam foi descoberto há mais de 40 anos, e foi conhecido como o “fármaco sem mecanismo” até ser inserido na categoria dos nootrópicos.
Existem 6 compostos do tipo-piracetam relevantes no mercado mundial, no entanto, em Portugal apenas são comercializados o piracetam e o levetiracetam.
O piracetam tem sido utilizado para melhorar o défice cognitivo relativo à idade e a epilepsia mioclónica progressiva. Atualmente, vários estudos referem que também pode ser utilizado em situações como afasia, anemia falciforme, vertigem, discinesia tardia, dislexia, alcoolismo, entre outros. Já o levetiracetam é indicado em monoterapia para as crises epiléticas parciais em doentes com mais de 16 anos e como terapêutica adjuvante nas crises tónico-clónicas.
Os alcaloides da vinca são compostos utilizados no tratamento sintomático das alterações das funções cognitivas. Os principais compostos deste grupo são a vinpocetina, vincamina e vinburnina. A sua utilização está aprovada nas alterações resultantes da oclusão cerebrovascular e no défice cognitivo mas também são usados como anticonvulsivantes.
A memantina faz parte do grupo de medicamentos utilizados no tratamento sintomático das alterações das funções cognitivas, estando aprovada para o tratamento de doentes com Alzheimer moderada a grave. Para além desta doença, também pode ser utilizada na demência vascular leve a moderada, na prevenção da enxaqueca, no glaucoma, no TDAH em doentes pediátricos, na doença bipolar e no Transtorno obcessivo-compulsivo.
A abordagem terapêutica para melhorar a performance cognitiva em doentes com Alzheimer é baseada, principalmente, na tentativa de potenciar a atividade colinérgica central. Esta é atingida, clinicamente, através da utilização dos inibidores da acetilcolinesterase, como o donepezilo, a galantamina e a rivastigmina.
A sua utilização está aprovada na doença de Alzheimer ligeira a moderadamente grave mas também são utilizados na doença de Parkinson, demência vascular, síndrome de Down, e síndrome de Korsakoff.
O metilfenidato é um fármaco estimulante leve do SNC, estruturalmente relacionado com a anfetamina, que apresenta efeitos mais notórios na função mental do que na função motora. A sua utilização está aprovada na TDAH, mas também é utilizado na narcolepsia.
A atomoxetina foi aprovada em 2002 para o tratamento de adultos e crianças com TDAH e foi o primeiro fármaco não-estimulante aprovado para esta patologia. Para além do transtorno, também é utilizada na fadiga associada ao uso de antidepressivos.
O modafinil é um fármaco com ação específica nas perturbações do ciclo sono-vigília. Este evita a diminuição dos rendimentos cognitivos (particularmente a memória), psicomotores e neuro-sensoriais induzidos pela privação do sono. Está aprovado na narcolepsia com ou sem cataplexia mas também é utilizado na síndrome da apneia obstrutiva do sono, no transtorno do sono por turnos de trabalho, na TDAH, e na fadiga na esclerose múltipla.
A idebenona faz parte do grupo de fármacos utilizados para tratamento sintomático das alterações da função cognitiva. A sua utilização está aprovada na hipobulia, alterações afetivas e da fala após AVC mas também é utilizada na doença de Alzheimer leve a moderada e na ataxia de Freidrich.
Por fim, a nicergolina, um derivado ergolítico, está indicado no tratamento sintomático da demência ligeira em idosos.
Apesar do principal alvo das substâncias nootrópicas serem indivíduos com problemas cognitivos, nos últimos tempos tem-se registado um aumento da sua utilização também por pessoas saudáveis de várias faixas etárias, desde o estudante que procura uma ajuda extra para os exames, ao idoso que sente que a memória lhe anda a falhar.
São muitos os suplementos alimentares disponíveis nas farmácias orientados para a promoção e manutenção do bem-estar físico, cognitivo, mental e mesmo emocional. Um inquérito realizado aos portugueses em 2006 sobre este tipo de suplementos permitiu concluir que a grande maioria dos entrevistados já os havia consumido e que o principal motivo para o consumo havia sido o cansaço e/ou falta de concentração.
A importância do farmacêutico na venda deste tipo de produtos é elevada, uma vez que existe a crença generalizada de que os produtos “naturais” não possuem efeitos adversos, o que não é verdade, aliás, vários suplementos podem originar riscos para a saúde pública.
Estes produtos possuem uma composição diversificada, logo, é importante perceber o papel dos principais constituintes que dizem possuir efeito nootrópico:
Panax Ginseng (Ginseng Asiático)
O Panax Ginseng é uma planta usada há milhares de anos na medicina chinesa cuja substância ativa mais importante é o ginsenósido. É-lhe atribuído papel protetor contra os radicais livres capazes de danificar o endotélio vascular, uma capacidade de promover a vasodilatação e propriedades anti-inflamatórias. A nível neuronal vários estudos associam o seu efeito positivo na função cognitiva a uma função direta sobre o hipocampo.
Ginkgo Biloba
O Ginkgo Biloba e os seus extratos são um dos produtos naturais mais estudados no âmbito da melhoria da capacidade cognitiva, fisiológica e psicológica.
Encontra-se presente em diversos suplementos naturais que afirmam possuir capacidades nootrópicas. Das substâncias ativas presentas nos extratos de Gingko Biloba, os flavonoides, os terpenoides e os ginkgólidos são as mais importantes.
Ácidos gordos polinsaturados (PUFAs)
O nosso cérebro é principalmente constituído por lípidos. O estado físico da membrana neuronal é um fator importante para o bom funcionamento do sistema nervoso. A suplementação com PUFAs permite aumentar a capacidade cognitiva em indivíduos idosos sem sinais de demência e também em adultos saudáveis.
Cafeína
A cafeína está presente em vários suplementos alimentares com a função de aumentar o estado de alerta e concentração em situações de maior exigência intelectual. Funciona como um antagonista do recetor de adenosina, e assim reduz a inibição da atividade no SNC causada por esta. Uma redução na atividade da adenosina leva a um aumento de outros neurotransmissores, o que provoca um efeito estimulante no SNC.
O efeito da cafeína faz-se sentir em menos de uma hora após a sua administração.
Para além dos suplementos que afirmam aumentar a função cognitiva, convém mencionar que as alterações no estilo de vida também contribuem para melhorar a nossa capacidade cognitiva.
Praticar exercício físico regularmente beneficia a função cerebral e ajuda a preservar a habilidade mental ao longo da vida. O treino aeróbico, por exemplo, melhora a atenção, a velocidade de processamento da informação, a função executiva e a memória.
A meditação, para além de promover o bem-estar geral, também melhora a função cognitiva. Até dormir é importante para melhorar a capacidade cognitiva, principalmente no que diz respeito à consolidação da memória.
É importante frisar que as substâncias nootrópicas ajudam mas não fazem milagres. Além disso, os seus benefícios só serão percebidos se forem consumidos de forma adequada e sob orientação médica.
Como utilizar os nootrópicos
Segundo os especialistas é preciso alguns cuidados ao consumir nootrópicos, até porque cada pessoa possui um tipo específico de neuroquímica.
Depois de consultar um profissional de saúde para o orientar na escolha do que mais se adapta às suas necessidades, deve iniciar a toma com doses baixas. Não espere que a sua ação seja imediata, o efeito começará a ser notado apenas após alguns dias ou semanas. Se sentir algum tipo de mal-estar, como cefaleias ou tonturas, deve interromper imediatamente a toma.
Para modular a química cerebral para funcionar ao melhor nível também é necessário dispor de uma série de nutrientes para ativar o mecanismo de ação destas drogas inteligentes. Assim, uma dieta equilibrada rica em frutas frescas, vegetais, ácidos gordos ómega-3 e ómega-6 é fundamental para que os nootrópicos possam atuar.
Da mesma forma, se se levar uma vida sedentária, o metabolismo será mais lento e menos eficiente, logo, a função hepatica também não processará da melhor forma os componentes dos nootrópicos.
Há quem ache que graças aos nootrópicos levaremos o nosso desenvolvimento cerebral a outro nível. Será? Só o futuro o dirá…
A doença celíaca é um distúrbio digestivo e imunológico crónico que danifica o intestino delgado, desencadeada pela ingestão de alimentos contendo glúten.
A vacinação continua a ser o melhor meio de proteção contra o vírus, com uma proteção mais eficaz contra doenças mais graves, embora o seu efeito protetor diminua com o passar do tempo.
A vertigem ou desequilíbrio é uma ilusão de movimento, normalmente rotatória, em que se tem a sensação de que nós ou o meio que nos rodeia está a girar.
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