NANOMEDICINA
MEDICINA E MEDICAMENTOS
Tupam Editores
Em consequência da crescente miniaturização dos objetos, a nanomedicina surge no nosso quotidiano como extensão lógica e inevitável da nanotecnologia, que nas últimas duas décadas tem vindo a desenvolver-se de forma exponencial, desenvolvimento este que possivelmente não teria sido possível sem esta vertente da nova ciência que impulsionou a investigação espacial e catapultou o homem para um universo praticamente sem limites.
A nanotecnologia consiste no estudo e manipulação da matéria à escala atómica e molecular, envolvendo estruturas com tamanhos entre 1 a 100 nanómetros em pelo menos uma das medidas, e incluindo o desenvolvimento de materiais associados a praticamente toda a atividade humana bem como pesquisa e produção à escala nano.
Da junção da medicina com a nanotecnologia, resultou a investigação à escala atómica, usando as nanopartículas, nanorobôs e outros elementos e artefactos em escala nanométrica para efetuar o diagnóstico, obter a cura ou prevenir doenças.
A nanomedicina é hoje considerada um das áreas mais promissoras da medicina contemporânea mantendo-se como alvo de uma grande parte dos esforços científicos na procura de novos tratamentos para doenças como o cancro, a sida e outras doenças raras, uma vez que muitos dos avanços tecnológicos ainda estão numa fase de desenvolvimento insuficiente para aplicação da nanomedicina, particularmente na biologia molecular de que poderá vir na beneficiar.
Foi durante o congresso anual da Sociedade Americana de Física, no Instituto de Tecnologia da Califórnia, realizado a 29 de Dezembro de 1959, subordinado ao tema "Controle e Manipulação da Matéria", que Richard Feynman, 6 anos mais tarde Nobel da Física, declarou não existir "nenhum obstáculo teórico" à construção de pequenos dispositivos constituídos por elementos minúsculos, mesmo a nível do átomo.
Perante a plateia, aquele físico norte-americano prognosticou que, algum dia, seria até possível condensar na cabeça de um alfinete os 24 volumes da Enciclopédia Britânica.
Era a primeira vez que alguém se manifestava sobre a possibilidade de manipulação do átomo. Embora, na ocasião, as palavras de Feynman tivessem sido recebidas com ceticismo e até provocado algumas gargalhadas, foram essas as bases para o posterior desenvolvimento daquilo que se viria denominar, quarenta anos mais tarde, de nanotecnologia ou nanociência.
O termo foi utilizado pela primeira vez em 1974, pelo professor japonês Norio Taniguchi, da Universidade de Tóquio, referindo-se a um tipo de tecnologia que permitisse a construção de materiais à escala de um nanómetro, que corresponde a um bilionésimo do metro. Esta medida seria o equivalente a um grão de areia numa praia com um quilómetro de extensão.
Embora através da sua escala molecular ou atómica a nanotecnologia tenha potencial para se tornar cada vez mais na tecnologia do futuro em vastas áreas da atividade humana, ela esteve sempre presente na natureza e o Homem é um dos seus exemplares mais perfeitos.
O ADN de um ser humano é uma molécula com aproximadamente dois nanómetros de diâmetro e, mesmo as moléculas que compõem as proteínas, apresentam também um tamanho reduzido. Isto leva a acreditar que a biologia pode ser uma referência nanotecnológica a partir da qual se pode aprender novas estratégias de aplicação desta tecnologia.
Outros exemplos do nanomundo podem ser encontrados em alguns insetos, como a complexidade das asas da borboleta ou a elaborada e minuciosa teia de aranha. Há ainda processos do dia-a-dia que, sem o homem se aperceber, estão relacionados com o mundo em pequena escala, como é o caso das ínfimas partículas transportadas até ao nosso olfato através do ar, e que somos capazes de percecionar quando estão a um nanómetro de distância.
A visão, em particular o olho, é outro dos sentidos cuja perfeição se deve a minúsculas proteínas localizadas no seu interior, que funcionam como autênticas nanomáquinas especializadas em tarefas específicas, como a distinção das cores ou a visão à distância.
Também a variação de tonalidades em objetos antigos manufaturados com ouro, prata e outros metais é um processo no qual intervém a nanotecnologia. O mesmo ocorre na coloração dos vitrais das catedrais medievais em que o material utilizado era submetido a choques de temperatura controlada. A técnica artesanal do ferro forjado é outro exemplo que muito deve ao mundo pensado em pequena escala.
A diferença entre os processos antigos e a atual nanotecnologia reside no facto de os nossos antepassados utilizarem o método de tentativa e erro, enquanto nós recorremos a regras de previsão, dado possuirmos os meios para observar o que ocorre a escalas reduzidas e obter determinados resultados.
À nossa volta há um universo de tamanho reduzido no qual os materiais se comportam de determinada forma e cujas propriedades podem ser aproveitadas para melhor desenvolver esta tecnologia emergente, com um âmbito de aplicação bastante alargado, ainda há poucos anos considerada por alguns como a próxima revolução industrial e hoje em enorme expansão.
Desde a eletrónica à aeronáutica, das comunicações à multimédia, passando pela área militar, espacial, pela medicina e ciência, é todo um manancial de potencialidades que se abre perante esta promissora tecnologia em grande desenvolvimento, mas ainda nos seus primórdios.
Nanomedicina é o termo utilizado quando a nanotecnologia intervém na medicina. Consiste em utilizar nanopartículas ou outras estruturas similares na sua dimensão, de modo a tratar doenças, como o cancro ou a sida, diagnosticá-las e, mesmo, preveni-las.
É considerado nanopartícula, um pequeno objeto com dimensão inferior a 100 nanómetros, ou seja, cerca de um décimo de mícron. Pode avaliar-se o caráter microscópico deste pequeno mundo ao medir a estrutura de um fio de cabelo cuja dimensão pode variar entre 60 a 90 mícrones.
É com base nas nanopartículas que a manufatura de "medicamentos inteligentes" começa a dar os primeiros passos, alguns já em aplicação e outros com grande potencial de desenvolvimento no futuro.
Elas já começam a ser utilizadas, cada vez com mais frequência, como veículos para o transporte, sob a forma de nanocápsulas, de determinado princípio ativo ou molécula, até ao local onde se manifeste a doença. Acresce que estes nanomedicamentos podem circular pelo organismo com maior estabilidade, degradando-se mais lentamente até atingirem as células-alvo.
Segundo Mustafa Akbulut, professor de Engenharia Química e investigador na Texas A&M University, EUA, já existem no mercado cerca de 20 nanomedicamentos e 100 outros estão em estudos clínicos ou pré-clínicos.
A medicina convencional utiliza hoje essas moléculas a uma escala macroscópica, sendo evidente nas soluções previstas para combater o cancro ou algumas infeções.
No caso de um tumor, os especialistas sabem que a sua evolução pode ser avaliada a nível nanométrico, dado tratar-se do crescimento anormal das células. No entanto, a terapia recomendada é a extirpação dos tecidos lesionados, para além da utilização de quimio ou radioterapia, que vão afetar todo o organismo, incluindo as células saudáveis.
Situação semelhante ocorre no combate a infeções usando penicilina, de que resulta a eliminação, quer das batérias que provocaram o foco infecioso quer das benéficas para a flora intestinal, essenciais ao seu bom funcionamento.
A administração de vacinas através de gotas nasais, ao invés da forma injetável, é um outro exemplo da nanomedicina, cuja eficácia já foi comprovada com a antitetânica e a antidiftérica.
Espera-se que venha a obter-se o mesmo resultado com a vacina contra a hepatite B. Entre outros centros de investigação, há vários anos que uma equipa de cientistas do Centro de Neurociências da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, tenta desenvolver vacinas não injetáveis contra diversas doenças recorrendo às nanotecnologias e em particular, uma vacina oral contra a hepatite B que já deu resultados positivos em testes laboratoriais.
É no entanto na luta contra o flagelo da diabetes mellitus que os especialistas depositam grandes esperanças.
O objetivo é elaborar um dispositivo que possa ser injetado na corrente sanguínea, que funcione como um pâncreas artificial ou seja, que liberte a insulina sem que o organismo o rejeite como corpo estranho.
A mesma técnica, já em desenvolvimento, poderá vir a ser aplicada em outras doenças, como a Alzheimer ou Parkinson. Nesta última seria a dopamina a substância libertada pelo dispositivo no cérebro. Em todas as doenças o objetivo dos cientistas é combater a célula doente, de forma seletiva, evitando quaisquer efeitos colaterais.
A nanotecnologia não envolve apenas a utilização de nanopartículas, pois nem todas podem ter aplicação em medicina. Para além dos avanços em biologia molecular, a nanorobótica é outra área com grande potencial, que também pode beneficiar a medicina. Neste caso, acredita-se que a introdução de minúsculos robots podem ajudar a identificar e destruir células cancerígenas ou infetadas por vírus, conseguindo até regenerar tecidos danificados.
Para além de outros, em todo o mundo, investigadores do Centro Médico da Universidade Columbia, nos EUA, estão envolvidos na criação de uma frota de nanorobôs moleculares que se podem instalar em células humanas específicas marcando-as para destruição ou tratamento medicamentoso. Estes nanorobôs atuam a partir de uma conjunto de moléculas de ADN ligadas a alguns anticorpos especificamente desenvolvidos para procurarem células de sangue humano específicas e marcá-las com uma etiqueta fluorescente na sua superfície.
A possibilidade de efetuar o rastreio genético de determinadas doenças através da nanotecnologia é também um dos focos das investigações em curso.
Na área da cirurgia e dos exames clínicos a eficácia poderia ser aumentada com a utilização de nanotubos, sendo que o maior impato poderá surgir a nível da medicina preventiva. O cenário ideal para os cientistas seria a realização do diagnóstico precoce não invasivo, que permitisse detetar a doença na fase inicial de transformação da célula saudável em maligna.
A utilização de nanopartículas, como novos meios de contraste em ecografia ou ressonância magnética, é já uma realidade. Também já foram criados dispositivos específicos (nanosensores diagnósticos), que permitem efetuar análises em alguns segundos, utilizando apenas uma pequena gota de sangue.
Pesquisadores de diversos pontos do globo têm vindo a criar mecanismos de simplificação para tornar os exames médicos mais eficientes. Em experiências levadas a cabo na Noruega em finais de 2011 e em desenvolvimento nos últimos anos, um grupo de cientistas desenvolveu uma câmara em forma de pílula, capaz de captar imagens do corpo humano em alta definição.
Designado por Melody, trata-se de um projeto que envolve pesquisadores da Universidade de Oslo, da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, da Fundação Norueguesa de Pesquisa de Defesa e 22 outros parceiros.
A pílula inclui uma minúscula câmara de vídeo HD, fonte de luz, transmissor de rádio, bateria e até um microprocessador, para transmissão de dados em tempo real do interior do organismo. Os pesquisadores garantem que a qualidade da imagem é suficiente para análises médicas. A técnica já havia sido testada com sucesso há cerca de dez anos, utilizando uma câmara endoscópica do tamanho de uma aspirina, porém com baixa resolução, não permitindo por isso uma análise médica precisa.
Dispositivos semelhantes poderão ser implantados nos próximos anos, mesmo em pessoas saudáveis, para monitorizar o organismo, prevenindo a ocorrência de alguns tipos de doenças. A utilização de nanorobôs que possam reparar tecidos, tratar doenças genéticas e outras, como o cancro ou a sida, à medida que se vão manifestando, é um dos desafios que se colocam permanentemente aos cientistas. Essas micromáquinas teriam capacidade para circular pelo corpo humano e, simultaneamente, limpar as veias e artérias, corrigir os níveis de açúcar e colesterol ou apoiar o sistema imunitário na sua luta permanente contra as doenças.
No mundo da nanotecnologia o trabalho dos investigadores resume-se ao seguinte princípio: "Trabalhar em escalas extremamente pequenas para atingir grandes resultados".
Os grandes resultados podem também tornar-se grandes desastres para o ambiente e para a saúde, se a tecnologia não for utilizada com alguma parcimónia.
A insuficiência de estudos efetuados até ao momento em animais, sugere que esta inovadora tecnologia envolve alguns riscos para a saúde. Demonstrou-se, por exemplo, que as nanopartículas podem acumular-se no fígado. Nos peixes verificou-se que a membrana do cérebro pode ficar danificada quando em contacto com a água.
Da mesma forma, os materiais elaborados com esta tecnologia poderiam dar origem a nanopartículas tóxicas para o ambiente. A nanopoluição ameaça ser ainda mais perigosa que a poluição atual, por poder flutuar e deslocar-se facilmente através do ar a maiores distâncias. Para além disso, as partículas poluentes podem infiltrar-se no interior das células de animais e plantas, invadindo a cadeia alimentar e sem perspetivas destas lutarem contra os novos nanopoluentes sobre os quais ainda se possui insuficiente conhecimento.
A confirmarem-se estas suspeitas, implicaria um obstáculo para uma indústria que está em plena expansão e prevê mobilizar valores superiores a 81 milhões de euros anualmente em ID. Segundo um estudo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial estima-se que em 2015, os produtos de consumo com aplicações de nanotecnologia terão gerado um valor a nível global de 1 trilião de dólares (877,5 mil milhões de euros).
As estimativas também apontam para que, dentro de três anos, a produção de nanomateriais possa dar origem a cerca dois milhões de novos empregos.
Empresas como a Hewlett-Packard, L’Oreal, Toyota, Mitshubishi ou a IBM já produzem nanotubos de carbono e nanopartículas de dezenas de objetos utilizados em áreas como a construção, cosmética, eletrónica, alimentação, agricultura ou indústria farmacêutica.
Para além do investimento privado, há também uma parte importante proveniente de instituições públicas e dos próprios governos, nomeadamente em países como o Japão, Estados Unidos, alguns europeus e muitos outros, inclusive menos desenvolvidos, mas que pretendem manter-se num lugar de vanguarda nesta nova área.
A fronteira entre o mundo real e de ficção que Feynman idealizou há mais de quarenta anos é já muito ténue. A dúvida que agora se coloca não é se a nanotecnologia pode ser uma realidade, mas, sim, para quando estará implementada em pleno.
Ainda não foi possível colocar todos os volumes da Enciclopédia Britânica na cabeça de um alfinete, mas investigadores israelitas há já alguns anos que gravaram com sucesso os textos do Velho Testamento numa superfície de 0,5 milímetros quadrados de silício, coberta por uma camada de ouro de 20 nanómetros. Este pode ser um prenúncio de que é apenas uma questão de tempo até que o nanomundo, apesar de tão pequeno e ser considerado "aquilo que não se vê", se torne uma realidade bem visível aos nossos olhos, o que de resto já se vislumbra.
Na Conferência Europeia de Nanomedicina realizada pela Plataforma Tecnológica Europeia em finais de 2015 em Grenoble, foram destacados os seguintes tópicos de discussão: portadores nano para entrega de macromoléculas; nano e microdispositivos médicos; nanomedicina para regeneração de tecidos; problemas toxicológicos inespecíficos; nanomedicina e imagem; nanomedicina no cancro. Os temas, embora muito abrangentes, patenteiam contudo o que aí vem convidando à reflexão.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), haverá 15 milhões de novos casos de cancro em todo o mundo em 2020. Mais de 90% das mortes relacionadas com o cancro ocorre pela disseminação de células malignas em órgãos vitais, um processo designado por metástase. Universidades, Indústria Farmacêutica e empresas de Biotecnologia estão a fazer investimentos substanciais na investigação, a fim de desenvolver tratamentos específicos que podem destruir tumores primários e secundários, incluindo os que resultam de metástases para outros órgãos.
Aplicações de nanotecnologia em tratamentos de cancro são já uma realidade, fornecendo uma ampla gama de novas ferramentas e possibilidades, desde pré-diagnósticos e melhor imagem para melhores terapias, mais eficientes e mais direcionadas.
De entre as múltiplas aplicações atualmente em desenvolvimento destacam-se, pela urgência de solução, nanomedicina no cancro; focalização da nanomedicina na aterosclerose; nanomedicina no combate à diabetes; nanomedicina para oftalmologia; nanomedicina para combater as resistências antimicrobianas; nanomedicina e engenharia de tecidos; nanomedicina e doença de Alzheimer; nanomedicina para tratamento da artrite; nanomedicina para lutar contra as doenças infeciosas.
O próximo evento anual da Plataforma Tecnológica Europeia (ETPN), onde se integram algumas start-ups portuguesas nomeadamente a TecMinho (Universidade do Minho) e o Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (uma parceria ibérica), entre outras Universidades, e ao qual afluem a maioria das empresas europeias, vai realizar-se em Heraklion (Grécia), entre os dias 12 a 14 de outubro de 2016.
ARTIGO
Autor:
Tupam Editores
Última revisão:
09 de Abril de 2024
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