INTOXICAÇÕES ALIMENTARES

INTOXICAÇÕES ALIMENTARES

DOENÇAS E TRATAMENTOS

  Tupam Editores

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A segurança alimentar assume nos dias de hoje uma enorme importância. Não sendo um tema recente, pois é parte integrante da evolução do ser humano no que diz respeito aos seus hábitos e costumes, é sem dúvida um assunto que sempre assumiu uma importância primordial.

Os alimentos constituem uma necessidade básica do Homem, tendo papel essencial na saúde humana, no entanto, não faz qualquer sentido falar-se de qualidade de vida se não for preservada a sua condição higiénica.

A maior parte das pessoas desconhece que quando não conservados, armazenados, e preparados obedecendo a normas de higiene, os alimentos se podem deteriorar tornando-se responsáveis pela transmissão de doenças.

O atual tipo de vida deu origem a radicais alterações nos hábitos alimentares das populações. A deslocação para os grandes centros populacionais, as distâncias entre os locais de habitação e os locais de trabalho conduziram à procura de produtos transformados, de pratos prontos a comer e ao recurso a restaurantes.

Estas situações obrigam a uma maior responsabilização de todo o pessoal da indústria alimentar, em particular dos manipuladores de alimentos.

De acordo com estudos da Organização Mundial da Saúde, mais de 60 por cento dos casos das doenças de origem alimentar decorrem de técnicas inadequadas de manipulação, processamento e contaminação dos alimentos. De entre as patologias estudadas, são de referir a intoxicação e a infeção alimentar, conhecidas geralmente por toxinfeções alimentares.

As toxinfeções alimentares são transmitidas pela ingestão de alimentos contaminados por bactérias, fungos, vírus, protozoários e seus respetivos elementos tóxicos. Qualquer alimento pode ser contaminado com microrganismos durante a sua produção, preparação, armazenamento, exposição e venda. Esses microrganismos podem provocar alterações superficiais ou profundas nos produtos, diminuindo a sua qualidade e o tempo de conservação.

Apesar de a maior parte das vezes os sintomas se manifestarem de forma pouco evidente e quase não se identificarem, as toxinfeções alimentares acontecem todos os dias.

Nos países mais desenvolvidos, cerca de 30 por cento da população é afetada por toxinfeções alimentares, anualmente. Pode mesmo dizer-se que são um grave problema em saúde pública, por constituírem uma importante causa de morbilidade e mortalidade, particularmente para os grupos populacionais de risco: idosos, crianças (principalmente até aos 4 anos), grávidas e imunocomprometidos.

Ao contrário do que geralmente se pensa, as toxinfeções alimentares podem ser causa de doenças crónicas e agudas, com manifestações diversas: neurológicas, cardíacas, renais, articulares, fetais, endócrinas e imunológicas, sendo as mais comuns as gastrointestinais. Os casos mais graves podem deixar sequelas, conduzir à falência de vários órgãos e mesmo à morte.

Os alimentos, infeções e intoxicações

Os alimentos destinados ao consumo humano são produzidos, manipulados e consumidos em meio ambiente contaminado com uma grande variedade e quantidade de microrganismos e parasitas. Consequentemente, ingere-se todos os dias uma enorme quantidade destes microrganismos.

É fácil observar quando os alimentos estão impróprios para consumo, mas, em algumas ocasiões o alimento está aparentemente bem, ou seja, com as suas propriedades sensoriais normais, e só depois de consumido desencadeia um quadro clínico que denuncia a contaminação.

Muitos destes microrganismos – como por exemplo os fungos, que servem para fermentar algumas bebidas –, são mesmo indispensáveis ao regular funcionamento do aparelho digestivo. Por exemplo, na flora intestinal coexistem bactérias que mantêm uma relação amistosa com o intestino, produzindo as vitaminas K e B12, riboflavina e tiamina, por troca de "alojamento e alimento". Algumas dessas bactérias ajudam na decomposição da matéria orgânica e evitam a multiplicação de determinados agentes patogénicos causadores de doenças.

Mas, por vezes, os alimentos, quer os de origem vegetal, quer os de origem animal, incluindo as bebidas, podem transportar, para além dos vários microrganismos essenciais, agentes patogénicos — bactérias, vírus ou fungos —, que poderão causar problemas de saúde.

Os alimentos podem ser contaminados diretamente, através do contacto com insetos, ratos ou baratas ou através dos seres humanos.

Nos seres humanos proliferam agentes patogénicos e, como tal, podem potenciar transmissões bacterianas se não existirem os necessários cuidados. Uma lavagem deficiente dos instrumentos de cozinha, da bancada e, principalmente, das mãos pode tornar-se numa fonte de contaminação e transmissão bacteriana.

A gravidade da toxinfeção depende de vários fatores, tais como, do grau de contaminação do alimento, da quantidade ingerida, do tipo de agente patogénico e da capacidade de resistência do sistema imunológico de cada indivíduo.

Devido à sua grande diversidade e patogenia, o grupo das bactérias é o grande responsável pela transmissão da maioria das doenças.

O quadro sintomatológico do paciente que sofre de uma toxinfeção alimentar caracteriza-se por uma série de transtornos gástricos, entre eles os vómitos, a diarreia, febre, dor de cabeça e dores abdominais, que podem ocorrer separadamente ou em simultâneo, de acordo com as características da bactéria responsável.

Existem espécies bacterianas que são destruídas pela cozedura correta dos alimentos ou pela sua pasteurização. Estas espécies caracterizam-se por não terem esporos e por serem responsáveis pela generalidade das infeções alimentares. Pertencem a este grupo a campylobacter, a salmonella, a shigella, a yersinia, a vibrio, a brucella, a clostridium e a listeria.

Já as espécies bacterianas com esporos altamente resistentes ao calor, podem produzir poderosas toxinas. Neste caso as doenças são causadas pela ingestão de alimentos contaminados com estas toxinas, designadas por exotoxinas. Deste modo, a bactéria passa a ser um agente patogénico secundário, sendo a toxina a responsável pela doença. Estas espécies bacterianas são as responsáveis pelas intoxicações alimentares.

Pertencem a este grupo a Staphylococcus aureus, a clostridium botulinum e a Bacillus cereus.

Existe uma diferença significativa entre a infeção e a intoxicação alimentar. A infeção alimentar é causada por bactérias que se desenvolvem no trato intestinal e a partir daí invadem os tecidos ou fluídos orgânicos produzindo toxinas, designadas por enterotoxinas.

Já a intoxicação alimentar é provocada pela ingestão de alimentos contaminados por substâncias tóxicas. Esta pode ser causada pela degradação do próprio alimento, provocada por microrganismos ou por químicos.

De todas as bactérias, a que detém o recorde de ter provocado mais infeções é a campylobacter, encontrada nas aves, no leite não pasteurizado, na carne vermelha e na água não potável.

Esta bactéria, da espécie C. Jejuni é responsável pelas enterites agudas. Este tipo de bactérias caracteriza-se por bastonetes espiralados, não esporulados, móveis por um único flagelo polar, Gram negativos e microaerofílicos. Esta bactéria manifesta-se, normalmente, 2 a 10 dias após a ingestão de alimentos mal cozidos, nomeadamente carne, e a sintomatologia associada é a diarreia, cólicas e febre.

O segundo lugar do pódio pertence à Salmonella. Da família das Enterobacteriaciae, caracteriza-se por bastonetes de 0,5 a 0,7 microns por 1 a 3 microns, móveis, por flagelos peritríquios, não esporulados, Gram negativos e anaeróbios facultativos.

Nas espécies mais importantes está incluído o agente da febre tifoide. O quadro sintomatológico inclui diarreia, dores abdominais, febre e vómitos. O indivíduo pode ficar contaminado ao ingerir leite não pasteurizado, ovos e derivados de alimentos crus, carne, aves e fezes de humanos e de animais.

Na Escherichia está incluída uma única espécie bacteriana, a E. coli. Esta apresenta-se com células em forma de bastonetes retos, móveis por flagelos peritríqueos ou imóveis, não esporulados, Gram negativos e anaeróbios facultativos. Esta habita normalmente no intestino humano e no dos animais, tendo uma ação nociva apenas em algumas situações particulares.

O aparecimento dos sintomas – diarreias, febre e náuseas – surge normalmente entre 6 a 36 horas após a ingestão de carne e hambúrgueres mal cozinhados.

As espécies da shigella, caracterizada por bastonetes de 0,4 a 0,6 microns por 1 a 3 microns, imóveis, não esporulados, Gram negativos e anaeróbios facultativos, causam disenteria bacilar 1 a 3 dias após a ingestão de alimentos contaminados, tais como charcutaria, cremes e molhos pré-cozinhados e marisco mal cozido, sendo os sintomas mais frequentes a diarreia e fezes com sangue e muco.

A yersinia caracteriza-se por bastonetes, Gram negativos e não esporulados, destacando-se a espécie Y. Os sintomas manisfestam-se 16 a 48 horas depois da refeição e a pessoa sofrerá de dores abdominais, náuseas, diarreia e vómitos.

A vibri é da família da Vibrionaceae. Esta família tem, entre outras, duas espécies prejudicais, a V. cholerae, responsável pela cólera e a V. parahaemoliticus, responsável pelas infeções alimentares provocadas pela ingestão de peixe, moluscos e crustáceos mal cozinhados. Tem bastonetes encurvados, móveis por um único flagelo polar, não esporulados, Gram negativos e anaeróbios facultativos. Os sintomas, que deverão surgir cerca de 12 a 18 horas depois, são a desidratação provocada por diarreias excessivas, dores abdominais, vómitos e febre.

A brucella é caracterizada por pequenos cocobacilos de 0,4 a 0,6 microns por 1,5 microns, imóveis, não esporulados, Gram negativos e aeróbios. As três espécies que são nocivas ao ser humano e animais são a B. abortus (bovinos), a B. melitensis (caprinos) e a B. suis (suínos). Este tipo de infeção pode ser provocada pela ingestão de laticínios de animais infetados. O tempo de incubação desta bactéria é de 5 a 30 dias e provoca cefaleias, calafrios e febre ondulante.

A espécie de Clostridium incluída neste grupo é a C. perfringens, ou C. welchii, que produz uma enterotoxina sensível ao calor. O tempo de incubação é de 8 a 20 horas e os sintomas são as diarreias, dores abdominais e náuseas. Este tipo de infeção advém do consumo de grandes peças de carne mal passada ou carne pré-cozinhada que não tenha sido submetida ao processo de congelação.

No género listeria, encontra-se a listeria monocytogene, fonte de grandes infeções, tais como as listerioses. Caracteriza-se por bastonetes curtos, regulares, não esporulados, móveis por flagelos peritríquios, Gram positivos e anaeróbios facultativos. Esta bactéria atinge particularmente recém-nascidos e idosos, sendo os sintomas semelhantes aos da meningite. Uma infeção deste tipo é provocada pela ingestão de carnes frescas, leite cru ou não pasteurizado.

Os grupos microbianos responsáveis pelas intoxicações alimentares são as que a seguir se descrevem:

– Todos os alimentos manipulados são suspeitos de contaminação por Staphylococcus aureus. A espécie caracteriza-se por células de forma esférica, que formam arranjos irregulares, imóveis, não esporulados, Gram positivos e anaeróbios facultativos. Os sintomas surgem cerca de 2 a 6 horas depois de o indivíduo ingerir carne pré-cozinhada, cremes e maioneses contaminadas.

As células do bacillus cereus têm a forma de bastonetes móveis, esporulados, Gram positivos e anaeróbios facultativos. Esta é uma bactéria polivalente, pois pode produzir dois tipos de toxinas de acordo com a especificidade da estirpe: termorresistente (exotoxina) e termolábel (enterotoxina).

Os sintomas que denunciam a intoxicação são os vómitos, diarreias e dores abdominais e manifestam-se 1 a 5 horas após a ingestão de produtos de origem vegetal e animal, como por exemplo arroz e outros cereais, sobremesas, sopas, e carne.

Por último a Clostridium botulinum, a bactéria que provoca o botulismo, a mais perigosa das intoxicações alimentares, vitimando cerca de 30 por cento das pessoas contaminadas pela toxina. É constituída por células com a forma de bastonetes, isolados, aos pares ou em cadeia, móveis por meio de flagelos peritríquios, esporulados, Gram positivos e anaeróbios estritos.

O quadro sintomatológico das pessoas contaminadas é a ptose, diplopia, paralisia, vómitos e diarreia, que advêm da ingestão de conservas caseiras, presuntos e enchidos de carne caseiros, pois a temperatura a que se mantêm não é suficiente para destruir os esporos da bactéria. É uma doença de evolução rápida, sendo que os primeiros sintomas se manifestam 18 a 36 horas depois da ingestão dos alimentos contaminados, podendo a pessoa vir a falecer um dia após essa mesma ingestão.

Relativamente às intoxicações de origem química, essas derivam do consumo de alimentos contaminados por substâncias tóxicas de origem química, como materiais pesados ou dioxinas e podem trazer consequências graves e provocar doenças neurológicas e oncológicas, entre outras.

Há também infeções provocadas por micotoxinas, metabolitos tóxicos produzidos por fungos. A produção destes metabolitos é assegurada pelas espécies Aspergillus, Penicillium e Fusarium.

Também os protozoários, nomeadamente o Entamoeba histolytica, Giardia lamblia, G. intestinalis e o Cryptosporidium parvum são capazes de contaminar alimentos e provocar infeções alimentares e, neste caso, têm um quadro sintomatológico semelhante ao da bactéria shigella.

Segundo a Direção-Geral de Saúde (DGS), em Portugal, os casos de intoxicações alimentares estão subavaliados.

Os números em Portugal e as medidas preventivas de contaminação

Os investigadores do Departamento de Alimentação e Nutrição do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) (que desde 1993 reporta dados referentes às toxinfeções alimentares à Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos), concluíram que 2014 foi o ano com mais pessoas afetadas por toxinfeções alimentares investigadas.

Dos 25 surtos avaliados, foram afetadas 836 pessoas no total e, destas, 111 tiveram mesmo que ser hospitalizadas. Os investigadores conseguiram identificar o agente que causou a intoxicação alimentar em pouco mais de metade dos surtos. Olhando para os dados dos últimos seis anos sobre os episódios avaliados laboratorialmente e com agente causal identificado, 2014 foi o ano com mais registos: em 13 surtos, houve 589 casos de intoxicação e 56 hospitalizações, quando em 2013 foram analisados 183 casos de intoxicação.

No total, nos últimos seis anos, o INSA registou 53 surtos com agente identificado, que provocaram mais de 1274 casos de toxinfeções alimentares e 145 hospitalizações.

Estes dados representam, de facto, apenas uma parcela da realidade das intoxicações alimentares em Portugal. Segundo os investigadores, os dados revelam que "a manutenção dos alimentos a uma temperatura inadequada, associada a um período de tempo favorável ao desenvolvimento microbiano" continuam a ser as causas mais evidentes dos surtos de toxinfeções alimentares.

Por isso, insistem que a disseminação e a aplicação de conhecimentos práticos na área da higiene e segurança alimentar nos programas de educação para a saúde é fundamental para a prevenção das doenças de origem alimentar.

No âmbito do Plano Saúde & Verão, a DGS acaba de lançar uma campanha de prevenção especialmente dedicada à informação necessária para evitar riscos de toxinfeções alimentares, que aumentam com o clima quente.

A DGS relembra que um alimento contaminado é muitas vezes difícil de identificar apenas pela sua cor, aspeto, cheiro ou sabor; por isso, o melhor é adotar medidas gerais de prevenção.

Entre os conselhos de prevenção está a verificação do prazo de validade dos alimentos antes de os comprar; a importância de lavar bem as frutas e hortícolas e, fundamentalmente, lavar sempre as mãos depois de ir à casa de banho e antes de começar a confeção de uma refeição.

As bactérias não "andam" sozinhas, são transportadas de local para local através das mãos, vestuário, equipamento e utensílios.

Assim, deve haver o cuidado de manipular o menos possível os alimentos; evitar o contacto direto das mãos com os alimentos; separar os alimentos crus dos alimentos cozinhados e os de origem vegetal dos de origem animal; não utilizar a mesma faca ou a mesma tábua de corte para a preparação de alimentos crus e cozinhados; cozinhar bem os alimentos e reaquecer bem as sobras; manter os alimentos fora da zona de perigo (entre 5° e 65°C); Evitar o contacto de alimentos com os equipamentos, utensílios ou superfícies de trabalho que se encontrem sujas; limpar e desinfetar o equipamento, utensílios e superfícies de trabalho após a sua utilização, entre muitos outros.

As esponjas da cozinha devem ser colocadas no micro-ondas durante 1 minuto ou serem lavadas com produtos antibacterianos, a fim de as desinfetar. O caixote do lixo é outra fonte de bactérias, devendo igualmente ser lavado e desinfetado frequentemente.

Manter um bom nível de higiene pessoal, vigiar o estado de saúde e respeitar as boas práticas de higiene alimentar. Com estas precauções, certamente, nos tornaremos um alvo difícil para os microrganismos patogénicos.

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
28 de Novembro de 2024

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