ZIKA
DOENÇAS E TRATAMENTOS
Tupam Editores
Chega sem emitir qualquer zumbido audível pelos humanos, raramente é notado quando pica, foge ao pressentir o menor movimento, e consegue ingerir duas vezes o seu peso em sangue.
O oportunista e adaptável Aedes aegypti – facilmente identificado pela população por apresentar listas em preto e branco nas patas, visíveis a olho nú – é um mosquito com cerca de meio centímetro, que vive apenas durante 30 dias.
Durante esse tempo as fêmeas podem dar origem a cerca de mil ovos, que distribuem por vários "criadouros", uma estratégia fundamental para garantir a dispersão e a preservação da espécie. Mas o verdadeiro perigo da sua picada não é o que leva mas sim o que deixa para trás.
Apesar de possuir hábitos diurnos, o Aedes chega a modificá-los em função das mudanças na rotina dos hospedeiros e tem vindo a adaptar-se a temperaturas mais baixas. Este conjunto de caraterísticas faz do mosquito o principal transmissor de doenças em ambiente urbano.
Além de ser o vetor de contágio da dengue, das febres chikungunya e amarela, a espécie está no centro da atual epidemia de Zika.
O vírus Zika, da família Flaviviridae e do género Flavivirus causa, em humanos, a doença conhecida como Febre Zika.
Tal como outros vírus da família, o vírus Zika é envelopado e icosaedral com um genoma RNA não segmentado, de cadeia simples e senso positivo.
Foi isolado pela primeira vez num macaco Rhesus em 1947 na floresta Zika, no Uganda (razão da sua denominação), quando uma equipa de cientistas investigavam a febre amarela.
A febre desenvolveu-se no macaco e os investigadores isolaram do seu soro um agente transmissível que foi descrito como vírus Zika pela primeira vez em 1952, tendo sido subsequentemente isolado num humano na Nigéria em 1954.
Da sua descoberta até 2007, casos confirmados de infeção com o vírus Zika na África e Sudeste da Ásia eram raros. Em 2007 porém, uma forte epidemia ocorreu na ilha Yap, na Micronésia.
O vírus foi caraterizado por produzir erupções cutâneas, conjuntivite e artralgia, tendo-se inicialmente pensado que era dengue.
Os vírus Chikungunya e do rio Ross também foram considerados suspeitos, porém, amostras de soro dos pacientes na fase aguda da doença continham RNA do vírus Zika.
O processo infecioso da febre Zika foi relativamente ligeiro, tendo havido 49 casos confirmados, 59 não confirmados, sem óbitos ou sequer hospitalização.
Um surto recente do vírus Zika fora de África e da Ásia foi confirmado em abril de 2015, no Brasil. Na cidade de Salvador, capital do estado da Bahia, as autoridades de saúde confirmaram que uma doença até então desconhecida afetou cerca de 500 pacientes com sintomas semelhantes aos da gripe, seguido de exantema e artralgia, tendo sido identificado como um surto em curso da febre Zika.
Até ao momento, foi uma doença relativamente benévola com alcance limitado, mas o seu verdadeiro potencial como vírus e agente infecioso permanece desconhecido.
O vírus é transmitido principalmente pelo Aedes, que atua como vetor e é inoculado no inseto. O mosquito fêmea carrega o vírus sem ser afetado, transmitindo-o através de picada.
O problema é que além deste vetor existem estudos a indicar que a doença pode ser transmitida por outras 4 formas. Ainda não se sabe exatamente quais as hipóteses de esses tipos de contaminações acontecerem, pois os estudos sobre o Zika ainda são escassos e pouco abrangentes.
Contudo, é importante conhecermos desde já esses riscos e mantermo-nos alerta, particularmente desde que a OMS declarou a situação de emergência mundial no início de fevereiro de 2016 e veio confirmar a possibilidade de transmissão da doença pela saliva, urina e relações sexuais.
A transmissão por via sexual é uma das formas que está confirmada. O primeiro caso de transmissão do vírus Zika através de sémen foi relatada em 2011. A contaminação ocorreu no Senegal, mas o paciente só teve sintomatologia no seu regresso a casa, nos EUA. Quatro dias depois notou a presença de sangue no sémen e, no mesmo dia, a sua esposa teve sintomas da febre Zika. A mulher não deixou o país e teve relações sexuais com o marido sem proteção um dia após o seu retorno. A doença foi confirmada por exames, mas a presença do vírus no sémen não foi investigada.
Cientistas da Polinésia Francesa – país que enfrentou um surto de Zika em 2013 – realizaram um estudo com duas mães diagnosticadas com o vírus e respetivos bebés, que também tiveram a doença. Embora tenha sido encontrado RNA de Zika no leite materno, a transmissão através da amamentação não foi confirmada. Ainda assim, os responsáveis pelo estudo sugerem que a amamentação deva ser considerada um meio de infeção até que essa possibilidade seja totalmente descartada.
Os cientistas polinésios detetaram igualmente o vírus em reservas de sangue destinadas a transfusões. O principal desafio aqui é o facto de os sintomas demorarem alguns dias a manifestar-se, gerando um intervalo de tempo em que a pessoa acredita estar saudável e opte por doar sangue. Felizmente, apesar de o vírus estar presente nas transfusões, nenhuma pessoa que recebeu o sangue com Zika desenvolveu a doença.
Mas o que transformou o vírus Zika – microrganismo que até então era considerado responsável apenas por uma doença simples e de fácil tratamento – numa grande preocupação para toda a população, e principalmente para as mulheres grávidas, foi a possibilidade de transmissão pelo líquido amniótico.
Um estudo realizado em grávidas de fetos com microcefalia revelou a presença do microrganismo no líquido amniótico, que circunda o bebé no interior da barriga. É, portanto, provável que o vírus atravesse a barreira placentária, responsável pela proteção do bebé de infeções, contaminando-o. No entanto, o meio de transmissão do Zika da mãe para o filho ainda no útero (o que causa a microcefalia) ainda não está totalmente esclarecido, mantendo-se sob investigação.
Que o vírus Zika consegue atravessar a placenta durante a gestação já se sabe, o que se desconhece ainda é o período de maior vulnerabilidade para a grávida. Crê-se, no entanto, que o risco esteja associado principalmente ao primeiro trimestre de gestação.
Ao infetar as grávidas especialmente neste período, o vírus favorece o desenvolvimento de microcefalia entre os bebés.
A malformação corresponde a um diâmetro do crânio do recém-nascido menor que a média, o que dificulta o desenvolvimento cognitivo da criança.
As crianças com microcefalia apresentam um perímetro do crânio menor do que o normal (32 centímetros) para a idade, sexo ou em relação ao tamanho do corpo. Como o tamanho do crânio é condicionado pelo crescimento do cérebro, qualquer problema durante a formação do cérebro do feto pode levar à microcefalia. O problema pode ser detetado durante a gravidez, através de ultrasonografia, mas deve ser confirmado após o nascimento. A microcefalia pode ainda ser causada por outras infeções como sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus ou herpes, mas também por defeitos genéticos ou ainda no caso de a mãe ter estado mal alimentada ou ter abusado de substâncias tóxicas.
Um estudo publicado pelo Centro Nacional de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos analisou 35 recém-nascidos microcéfalos, que nasceram entre agosto e outubro de 2015 em oito estados brasileiros. Constatou-se que as mães de todas essas crianças viviam ou visitaram áreas afetadas pelo Zika ao longo da gravidez.
O estudo permitiu concluir que 71 por cento dos casos de microcefalia causada pelo vírus Zika são graves, isto porque o perímetro cefálico desses bebés era muito reduzido. Um dos pontos mais intrigantes da investigação foi o facto de 31 por cento dos recém-nascidos apresentarem um excesso de pele no crânio, o que quer dizer que o cérebro dos bebés sofreu algum dano dentro do útero, que impediu o normal crescimento da massa cinzenta. Todos os pacientes foram testados para as outras possíveis causas de microcefalia, tendo os resultados sido negativos. De referir que 74 por cento das gestantes apresentaram manchas no corpo durante o primeiro ou segundo trimestres gestacionais, como única sintomatologia.
Uma das caraterísticas deste vírus é, exatamente, o facto de apresentar uma sintomatologia muito menos intensa do que, por exemplo, a Dengue e a Febre Chikungunya, embora as suas consequências possam ser igualmente graves.
Depois de ser picado pelo mosquito Aedes contaminado, o paciente demora 3 a 12 dias (período de incubação) até apresentar as primeiras manifestações clínicas. Estima-se que apenas 1 em cada 5 pessoas contaminadas (20 por cento) irá desenvolver sintomas da febre Zika.
De entre os que desenvolvem sintomas, o quadro costuma ser de febre baixa (cerca de 38-38,5ºC), dor de cabeça, dor muscular, dor nas articulações, principalmente nas pequenas, como dedos das mãos e dos pés, conjuntivite, dor nos olhos, fotofobia, comichão na pele e rash (erupções avermelhadas na pele).
As manchas vermelhas que surgem na pele são chamadas de rash maculopapular, o que significa que são pequenas e múltiplas manchas avermelhadas com discreto relevo, mas que podem confluir, formando grandes manchas avermelhadas.
O rash costuma ser bem difuso, tendo início na face e disseminando-se pelo pescoço, tronco e membros em seguida. Algumas pessoas queixam-se de prurido intenso, mas em 2 a 3 dias, o rash começa a melhorar e desaparece ao fim de 1 semana.
A febre Zika é uma infeção benigna, que costuma durar de 2 a 7 dias e não provoca complicações hemorrágicas como a Dengue. Já o quadro de dor nas articulações pode demorar até 1 mês a desaparecer.
Para além dos sintomas referidos, são também possíveis, embora menos comuns, a dor abdominal, diarreia, prisão de ventre, aftas, tonturas ou perda de apetite. Podem ainda ocorrer complicações neurológicas que exijam vigilância de modo a evitar uma epidemia.
Em algumas pessoas a infeção pelo vírus Zika pode provocar complicações como o desenvolvimento da Síndrome Guillain-Barré, uma doença grave que não tratada pode deixar o paciente sem respirar e andar, sendo potencialmente fatal.
É muito difícil fazer a distinção entre a febre Zika, a febre Chikungunya e casos mais brandos de Dengue apenas pelos sinais e sintomas, sendo para isso necessários exames laboratoriais.
Atualmente, o diagnóstico do vírus Zika é realizado por técnicas moleculares, com recurso à técnica de RT-PCR em Tempo Real, que identifica a presença do material genético do vírus na amostra. São usados reagentes importados e, para descartar a presença dos vírus Dengue e Chikungunya, é necessário realizar cada exame separadamente.
O diagnóstico por serologia pode ser difícil porque o vírus pode ter uma reação cruzada com outros flavivírus, como a Dengue, febre do Nilo Ocidental e a Febre amarela.
O novo teste, chamado de Kit NAT Discriminatório para Dengue, Zika e Chikungunya, permite realizar a identificação simultânea do material genético dos três vírus, evitando a necessidade de três testes separados.
O procedimento oferece uma mistura pronta de reagentes, acelerando a análise das amostras e a libertação dos resultados.
A febre Zika é uma doença autolimitada, que se cura espontaneamente em poucos dias, não se podendo afirmar que exista um tratamento específico para a virose.
Perante sintomatologia que se assemelhe à da febre Zika a primeira recomendação é consultar um clínico geral que procederá ao diagnóstico e orientará o tratamento.
Não existem antivirais ou vacinas contra o vírus, assistindo-se atualmente a uma corrida contra o tempo, a nível mundial para encontrar uma solução, que impeça o alastramento da epidemia.
O tratamento baseia-se unicamente no controle sintomático. Assim, para tratar a dor e a febre, o mais indicado é o paracetamol (acetaminofeno) e, no caso de erupções pruriginosas, podem ser considerados anti-histamínicos. Como é difícil a distinção da febre Zika com formas mais brandas ou iniciais de Dengue, desencoraja-se o uso de ácido acetilsalicílico (aspirina) ou de anti-inflamatórios, por existir risco de desenvolvimento de hemorragias que podem agravar o estado geral do paciente. Recomenda-se ainda repouso e a ingestão abundante de líquidos.
Apesar de estarem a decorrer dois projetos para o desenvolvimento de uma vacina contra o vírus Zika, esta não estará disponível num futuro imediato. Um dos projetos é uma vacina baseada no ADN que usa uma estratégia semelhante à empregada contra outro flavivírus, o vírus do Nilo Ocidental, e a segunda segue a estratégia de procura de uma vacina viva atenuada baseada no vírus da Dengue.
Entretanto, o controle da doença entre a população passa por controlar os focos de Aedes aegypti, Os mosquitos e os seus locais de proliferação representam um significativo fator de risco para a infeção pelo vírus Zika.
A prevenção e o controlo dependem da redução dos mosquitos através da restrição das fontes (eliminação e modificação dos locais de proliferação) e da diminuição do contacto entre os mosquitos e as pessoas.
Isso pode ser feito usando repelentes de insetos, usando vestuário (preferencialmente de cor clara) que cubra o corpo tanto quanto possível, usando barreiras físicas, como redes, portas e janelas fechadas e dormir sob a proteção de redes mosquiteiras.
É igualmente importante esvaziar, limpar e cobrir recipientes que possam conter água, tais como baldes, vasos ou pneus com flores, para eliminar os locais de reprodução dos mosquitos.
Durante os surtos, as autoridades sanitárias aconselham a pulverização com inseticidas. Os inseticidas recomendados pelo Esquema de Avaliação de Pesticidas da OMS também podem ser usados como larvicidas, para tratar recipientes de água relativamente grandes.
Deve dar-se especial atenção e ajuda às pessoas que, por qualquer razão, não se podem proteger devidamente, tais como as crianças, doentes e idosos. Os viajantes devem também tomar as precauções básicas, para se protegerem contra as picadas dos mosquitos.
E isto torna-se cada vez mais importante pois, de acordo com as últimas descobertas, foi comprovada a presença do vírus Zika, com potencial para provocar infeção, em amostras de saliva e de urina. A descoberta foi feita a partir da análise de amostras de dois pacientes com sintomas compatíveis com o vírus Zika.
Os cientistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Brasil, salientam, no entanto, que o facto de existir um vírus ativo com capacidade de infeção na urina e na saliva não significa que exista possibilidade de infeção de outras pessoas de maneira sistémica através desses fluidos. A Fiocruz salienta ainda que o facto de haver a possibilidade de contaminação por urina e saliva, não diminui a necessidade de se combater o mosquito Aedes.
Nos últimos dias, vários países adotaram medidas para tentar evitar o risco de propagação do vírus. No Brasil, Colombia, El Salvador e Jamaica as autoridades nacionais já aconselharam as mulheres que pretendam ter um filho em breve a adiar a gravidez. A Colombia é, a seguir ao Brasil, o país mais afetado. Números do instituto de Saúde colombiano de 15 de janeiro revelam que o país teve 10 837 casos confirmados de infeções. As autoridades sanitárias colombianas estimam que o vírus possa infetar até 700 mil pessoas este ano no país.
Guatemala, Haiti, Honduras, Martinica, México, Panamá, Paraguai, Venezuela, Porto Rico, Hawai e Suriname são os outros países que constam da lista do Centro para o Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos.
Para que o número de países afetados não continue a aumentar é importante que se mantenha uma vigilância cerrada àquele que continua a ser o principal transmissor da doença.
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Autor:
Tupam Editores
Última revisão:
09 de Abril de 2024
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