METAMORFOSES INVERTIDAS

METAMORFOSES INVERTIDAS

DOENÇAS E TRATAMENTOS

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A glândula da tiróide foi identificada pela primeira vez, enquanto órgão, em 1656, pelo anatomista Thomas Wharton. Localizada na parte ântero-inferior da laringe, esta pequena glândula de estrutura vesicular forma-se a partir do primórdio tiróideo, que surge ao 24.º dia de desenvolvimento do embrião, e vai exercer um papel fundamental durante toda a sua vida, nomeadamente no seu desenvolvimento. Em circuntâncias normais irá medir cerca de 5 cm e pesar à volta de 25 gramas.

A glândula da tiróide, que tem a forma de uma borboleta, é responsável pela produção das hormonas tiroideias (HT). Segrega cerca de vinte por cento de tri-iodotironina (T3) – cuja acção se estende a todo o organismo – e cerca de 80 por cento de tiroxina (T4). O organismo obtém os níveis necessários de T3, metabolicamente mais activa, essencialmente a partir da conversão da T4 em T3, realizada no fígado e outros órgãos. Tem duplo efeito no organismo: estimula a produção de proteínas em quase todos os tecidos e aumenta a quantidade de oxigénio utilizado pelas células.

Para que não ocorram desequilíbrios na velocidade metabólica, o organismo, consoante as suas necessidades, ajusta a concentração destas hormonas no sangue através de um mecanismo complexo e rigoroso. Deficiências nas hormonas tiroideias têm consequências graves, nomeadamente a nível do desempenho cognitivo do indivíduo, cuja intensidade depende do grau da insuficiência. Por exemplo, níveis baixos a moderados afectam gravemente o coeficiente de inteligência.

O hipotálamo é o grande responsável pelo controlo do mecanismo, assegurando a produção da hormona libertadora de tirotropinathyroid releasing hormone (TRH). A TRH tem como função induzir a hipófise a segregar a hormona estimulante da tiróide – thyroid stimulating hormone (TSH) –, que consequentemente vai estimular a tiróide a produzir as hormonas tiroideias. Quando a quantidade de hormonas tiroideias a circular atinge uma determinada concentração, a hipófise reduz a produção da TSH. Quando a concentração de hormonas diminui, a hipófise volta a aumentar a produção de TSH.

A matéria-prima essencial utilizada para fabricar as HT é o iodo. Este é captado do sangue pela tiróide e combinado com um aminoácido denominado tirosina.

A Importância do Iodo

O iodo é um micronutriente presente na água, no peixe, nas frutas e nos legumes, e é fundamental para a síntese das hormonas tiroideias.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 13 por cento da população mundial sofrem de doenças derivadas da falta de iodo e 30 por cento estão em risco. A mesma instituição reconhece esta carência como a "causa evitável mais frequente de doenças mentais e do desenvolvimento".

Durante a gravidez, a necessidade de ingestão de iodo aumenta, por ser necessário prover a produção de HT da mãe e do feto. Nesta área as estatísticas são igualmente negras. A UNICEF refere que existem cerca de 41 milhões de recém-nascidos sem protecção.

Diagnóstico

As hormonas da tiróide são medidas através de exames sanguíneos. Por este meio podem avaliar-se os níveis da TSH, das hormonas tiroideias e das suas fracções livres, mas a pedido do especialista outros doseamentos podem ser requeridos, como, por exemplo, o dos anticorpos antitiroideus.

Actualmente os métodos disponíveis são suficientes para observar as alterações das HT. Existem vários factores, para além das perturbações da tiróide, como a toma de alguns medicamentos, doenças não tiroideias, gravidez e o uso de contraceptivos orais, que podem interferir no doseamento das HT. Em casos mais graves existem vários métodos de diagnóstico, como a ecografia tiroideia, a citologia aspirativa, a cintigrafia, entre outros, que detectam eficazmente os vários tipos de patologias.

Doenças da Tiróide

As doenças da tiróide são patologias muito comuns, atingindo maioritariamente o sexo feminino. O hiper e o hipotiroidismo são os principais distúrbios, mas os especialistas estão apreensivos, por existirem cada vez mais casos de nódulos e de cancro da tiróide.

Hipertiroidismo

Esta condição é provocada pela produção excessiva de hormonas da tiróide. São diversas as causas, entre elas a doença de Graves ou bócio tóxico, uma patologia auto-imune, mas os doentes com tiroidite podem também sofrer de hipertiroidismo. Os nódulos tóxicos podem igualmente ser outra das causas, uma vez que ludibriam os mecanismos responsáveis pela produção de HT, levando ao desenvolvimento desta patologia.

Os doentes sentem as funções do seu organismo mais céleres: o coração acelera, a pressão arterial pode aumentar, a pele torna-se húmida, as mãos podem tremer e ocorrem alterações oculares. É possível que muitos deles se sintam nervosos, cansados e fracos. Porém, apesar de se verificar perda de peso, o seu apetite aumenta e os níveis de actividade elevam-se. Se o hipertiroidismo for oculto ou apático, o indivíduo pode sentir fraqueza, sonolência, confusão e depressão, entre outros.

Há várias formas de tratar esta condição. O especialista escolherá a melhor opção terapêutica tendo em conta a história clínica do doente. Podem ser utilizados medicamentos antitiroideus, que reduzem a circulação de HT, beta-bloqueadores ou iodo radioactivo. No caso da doença de Graves é necessário remover completamente a tiróide. Em consequência, o doente irá sofrer de hipotiroidismo e terá de tomar os fármacos necessários para tratar essa patologia.

Hipotiroidismo

Esta condição é provocada pela diminuição da quantidade de produção das hormonas da tiróide. No seu estado mais grave denomina-se mixedema.

A tiróide de Hashimoto é a causa mais frequente desta patologia. Nestes casos, a glândula aumenta de volume e o hipotiroidismo desenvolve-se devido à destruição progressiva das suas zonas funcionais. Outra das causas mais comuns é o tratamento do hipertiroidismo. A carência de iodo na dieta alimentar é outra das grandes responsáveis por este transtorno, causando um aumento da tiróide e dimuindo o seu rendimento.

Os doentes sentem um progressivo declínio das funções do seu organismo em geral e os sintomas são, por vezes, confundidos com depressão e até com demência, pois alguns indivíduos, nomeadamente os adultos, tornam-se esquecidos e confundem facilmente a realidade. Muitos deles aumentam de peso, o seu cabelo torna-se fino e áspero, a sua pele torna-se seca e escamosa, os pulsos começam a ficar lentos. A obstipação e a incapacidade de tolerar frio também podem denunciar hipotiroidismo.

Para tratar este transtorno recorre-se a adminstração oral de T3 ou T4, sendo a última a forma eleita, uma vez que pode ser tomada apenas uma vez por dia. Se o hipotiroidismo se tornar persistente, é necessário tomar HT para o resto da vida.

Nódulos na Tiróide

Os nódulos são um conjunto de células localizadas no interior da tiróide, que proliferam de uma forma anómala. Como o seu desenvolvimento é assintomático, são habitualmente detectados de forma casual pelos doentes, pelo médico ou através de uma ecografia realizada por outros motivos.

O tratamento é feito à medida de cada doente. Na sua maioria, os nódulos são de natureza benigna, sendo utilizados fármacos para reduzir a sua dimensão. Porém, se a sua natureza se revelar incerta ou tóxica ou forem muito volumosos, os médicos poderão recorrer ao iodo radioactivo ou até mesmo à cirurgia.

Em Abril de 2006 foram divulgados os resultados de um estudo, que revelou os benefícios da cirurgia laser para tratar os nódulos benignos. Durante a American Association of Clinical Endocrinologists, o Dr. Valcavi reportou que, comparativamente à cirurgia tradicional, na qual é necessário submeter as pacientes a uma anestesia geral e que demora pelo menos uma hora, este procedimento é mais rápido, levando cerca de 30 minutos, e as pacientes recebem uma sedação ligeira. O especialista salientou também que, apesar de ambos os métodos poderem provocar potenciais lesões nervosas, essas são menos comuns na cirurgia a laser.

Tiroidite

Denomina-se tiroidite qualquer processo inflamatório que envolva a glândula da tiróide. As mais frequentes são a tiroidite aguda infecciosa, a subaguda de De Quervain (tenosinovite) e a crónica auto-imune.

A tiroidite aguda infecciosa é causada por bactérias, fungos, parasitas ou vírus. A diferença entre esta forma de tiroidite, nomeadamente a forma bacteriana, e as demais pode ser difícil de detectar. Para tratar as tiroidites bacterianas, os especialistas recorrem a antibióticos, cuja escolha deverá ser baseada nos resultados dos exames bacteriológicos.

A tiroidite subaguda de De Quervain pode ser originada ou precipitada por uma infecção viral ou precedida de uma infecção respiratória. Para tratar esta condição são usados AINE ou corticosteróides.

Por fim, a tiroidite crónica auto-imune resulta da agressão do sistema imunitário à tiróide. Pode evoluir para o hipotiroidismo ou para hipertiroidismo e até mesmo para tirotoxicose transitória ou tiroidite silenciosa, embora menos frequentemente. Uma variante desta última forma é a tiroidite pós-parto.

Cancro da Tiróide

Anualmente o cancro da tiróide afecta cerca de 25 mil pessoas na União Europeia, vitimando, em média, seis mil. Em Portugal surgem cerca de 500 novos casos com esta patologia por ano.

Apesar de os doentes considerarem o seu diagnóstico aterrador, o cancro da tiróide tem prognóstico muito bom, sendo um dos tipos de cancro com maior taxa de cura, desde que diagnosticado precocemente e administrado tratamento adequado.

São conhecidos quatro tipos de cancro da tiróide: o papilar – responsável por 70 a 80 por cento –, o folicular – responsável por 15 por cento dos cancros, sendo mais frequente na população idosa –, o anaplásico – que representa menos de 10 por cento – e o medular – mais frequente nos doentes que receberam tratamento por irradiação na cabeça, no pescoço ou peito.

Na grande maioria dos casos, este cancro apresenta-se sob a forma de nódulo, mas também pode apresentar-se sob a forma de um gânglio linfático cervical aumentado, rouquidão por compressão do nervo da voz (nervo laríngeo recorrente), ou dificuldade na deglutição ou respiração devido à obstrução do esófago ou laringe.

O prognóstico do cancro da tiróide é muito favorável para cerca de 85 por cento dos doentes cujo tumor primário é intratiroideu. Nestes casos, a taxa de mortalidade aos 25 anos é de 1 por cento. Se o doente tiver mais de 50 anos ou se a dimensão do tumor for superior a 4 cm, o prognóstico pode, porém, não ser tão favorável. Se ocorrerem metástases, o prognóstico passa a muito reservado.

O tratamento primário para os cancros da tiróide é a cirurgia, que pode ser mais ou menos extensa, de acordo com a agressividade do cancro. O iodo radioactivo pode também ser utilizado para tratar um cancro agressivo que tenha invadido os tecidos circundantes da tiróide ou como terapia complementar da tiroidectomia nos tipos menos agressivos.

No caso de uma tiroidectomia total, o doente terá de tomar HT durante toda a sua vida para que o organismo permaneça estável. Estudos realizados neste âmbito demonstraram que o cancro reincidiu mais frequentemente nos doentes que não tomavam as doses adequadas de HT.

Em Fevereiro de 2008, o galardão Edward Limbert, patrocinado pela Genzyme e pela SPEDM, foi atribuído a uma proposta apresentada por uma equipa de investigadores do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto. Essa resposta foi baseada na existência de proteínas, como a TGF-beta, que inibem o crescimento das células epiteliais tumorais. Os investigadores, coordenados pela investigadora Catarina Eloy e supervisionados pelo Prof. Sobrinho Simões, começaram a trabalhar nesta matéria em 2008, tendo como meta determinar quais os níveis de concentração em que aquela e outras proteínas conseguem inibir ou estimular o crescimento das células tumorais. Se forem bem-sucedidos, a investigação poderá permitir o "estabelecimento das terapias mais adequadas a cada situação, garantindo assim que pacientes de cancro da tiróide com pouca malignidade possam evitam terapias mais agressivas, caso delas não precisem".

Em Portugal

De acordo com a Sociedade Europeia da Tiróide, um em cada dez portugueses sofre de doenças da tiróide. Por ano surgem 400 novos casos, dos quais 20 são fatais. A elevada incidência destas patologias está a preocupar os especialistas, que apontam a falta de informação e fraca divulgação como grandes responsáveis pela dificuldade na detecção precoce.

Tendo em conta os dados estatísticos, o Grupo de Estudos para a Tiróide da SPEDM iniciou em 2005 uma investigação epidemiológica sobre o "Aporte de Iodo em Portugal", que conta, entre outros, com o patrocínio institucional da Merck e com o apoio do Colégio da Especialidade de Endocrinologia da Ordem dos Médicos, da Direcção-Geral de Saúde.

Coordenado pelo Professor Edward Limbert, endocrinologista do Instituto Português de Oncologia de Lisboa, este é o primeiro estudo populacional realizado nesta área. Tem como objectivo conhecer a ingestão de iodo dos portugueses, nomeadamente das grávidas e das crianças. Dividido em algumas fases, no final, o estudo irá avaliar se será necessário a introdução de suplementos alimentares de iodo.

Os resultados preliminares da primeira fase do estudo já foram divulgados. Os investigadores concluíram que 20 por cento das grávidas portuguesas observadas têm iodúrias bastante baixas – inferiores a 50mcg/L –, 50 por cento apresentam carências ligeiras e apenas 30 por cento níveis satisfatórios. Perante estes resultados, os estudiosos estão a considerar os benefícios da reintrodução do consumo obrigatório de sal iodado.

A Direcção-Geral de Saúde já se pronunciou, defendendo "a necessidade de investigadores e universidades se interessarem ainda mais por este assunto e, com o apoio das autoridades, confirmarem ou não a carência de iodo", reforçando a importância da realização de um inquérito alimentar a nível nacional e uma avaliação da composição dos alimentos.

Outra das iniciativas levadas a cabo no âmbito das doenças da tiróide é a realização, pela primeira vez, da Reunião Anual da Associação Europeia da Tiróide, em Lisboa, onde serão debatidos vários temas, entre eles o cancro da tiróide, a autoimunidade, a biologia molecular e a genética da doença.

As borboletas estão associadas à fragilidade e sobretudo à beleza. A borboleta tiroideana é fragil como as suas irmãs da ordem Lepidoptera, mas a sua beleza está na sua saúde. O consumo de iodo é essencial para a manutenção dessa beleza. A metamorfose apenas é bela quando a lagarta se torna borboleta e não o inverso!

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
16 de Outubro de 2024

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