ANESTESIA

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DOENÇAS E TRATAMENTOS

  Tupam Editores

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De todas as especialidades médicas a que envolve mais mistério é a anestesia. Envolta numa bruma de falsos conceitos e antigos dogmas, o desconhecimento do que se passa quando se é anestesiado é o grande responsável pelo medo sentido pelos pacientes.

Nos primórdios da prática da anestesia, há mais de um século, a dor era considerada consequência inevitável do acto cirúrgico. Para atenuar a dor durante a cirurgia eram utilizados extractos de plantas dotadas de acção sedativa e analgésica, a hipnose e bebidas alcoólicas, o que não dispensava, obviamente, a contenção do doente.

Na idade média empregava-se um método originário da Escola de Alexandria – a esponja soporífera. Na sua preparação eram utilizados ópio, sumos de eufórbia, amoras amargas, meimendro, mandrágora e hera, bem como sementes de bardana, alface e cicuta. Antes de usar, a esponja era mergulhada em água quente durante uma hora e a seguir colocada sob as narinas do paciente até este adormecer. Para o despertar era utilizada uma outra esponja, embebida em vinagre.

A descoberta da anestesia foi uma das inovações clínicas que revolucionaram a cirurgia. O aparecimento de um gás denominado hilariante – o protóxido de azoto – inicialmente utilizado em feiras para provocar a diversão pelo riso, suscitou o interesse da comunidade científica.

Em 1844 o Dr. Horace Wells fez uma demonstração da utilização do protóxido de azoto numa extracção dentária, mas o momento marcante dá-se em 1846, quando William Thomas Green Morton, perante uma reputada comunidade médica, realiza uma anestesia no Massachusetts General Hospital, utilizando o éter.

O grande avanço da anestesia na era moderna ocorre após a II Grande Guerra Mundial, sendo especialmente marcantes nas duas últimas décadas.

Ao protóxido de azoto e ao éter seguiram-se o clorofórmio, utilizado pela primeira vez em 1847, num parto, pelo médico inglês James Simpson, o ciclopropano introduzido em 1930 e o halotano em 1956.

A anestesia, tal como hoje é entendida e praticada, é uma aquisição recente e há somente 50 anos se formaram os primeiros anestesistas. A especialidade de anestesia ou agora denominada anestesiologia, só foi reconhecida pela Ordem dos Médicos em 1951. Em 1955 foi fundada a Sociedade Portuguesa de Anestesiologia (SPA), em 1979 foi criado o Colégio de Anestesiologia da Ordem dos Médicos e só em 2010 se comemorou, pela primeira vez em Portugal, o Dia Mundial da Anestesiologia a 16 de Outubro – data escolhida em homenagem ao Dr. William Morton, considerado o pai da anestesia.

A palavra anestesia deriva do grego antigo an-, "ausência"; e aisthēsis, "sensação". Trata-se de um estado induzido por medicamentos, que proporciona a ausência ou alívio da dor em procedimentos cirúrgicos e exames de diagnóstico, durante os quais se identifica e trata eventuais alterações das funções vitais, e cuida dos diversos sistemas do organismo. Actua ainda no âmbito da dor aguda e crónica aliviando o sofrimento.

O médico anestesista é o responsável por manter o doente num estado que permita sujeitá-lo a um procedimento cujo desconforto ou dor seria impossível de suportar sem anestesia.

No hospital os anestesistas podem estar presentes no bloco operatório, cuidados intensivos, unidades de dor crónica, enfermarias, consulta de anestesia, equipas de trauma e emergência médica intra e extra-hospitalar.

No nosso país existem cerca de 1300 anestesistas, um número que equivale a metade dos especialistas necessários para cobrir todas as áreas típicas de potencial intervenção. Uma das áreas em que a falta destes profissionais mais se faz sentir é na preparação dos doentes para a cirurgia, havendo inclusive hospitais que não conseguem dar resposta à vertente da consulta de anestesia.

Nesta consulta pretende-se avaliar o doente proposto para cirurgia. Com base na sua história médica, o exame clínico, os resultados dos exames complementares de diagnóstico, o tipo de cirurgia e a sua duração, são-lhe dadas orientações a respeito do jejum para o dia da cirurgia, é-lhe explicado o tipo de anestesia a que vai ser submetido assim como alguns detalhes a respeito dos procedimentos anestésicos, com vista a reduzir ansiedade do paciente.

Tipos de Anestesia

Existem vários tipos de anestesia mas, seja qual for a técnica escolhida o anestesista permanece ao lado do doente durante toda a intervenção monitorizando os sinais vitais (electrocardiograma, tensão arterial, saturação de oxigénio, etc), controlando a dose de anestésico usada na manutenção e reposição de fluidos (soro e sangue).

Algumas das maiores evoluções na anestesiologia nos últimos anos foram precisamente na área da monitorização. Actualmente existem vários sistemas automáticos de recolha de informações da grande maioria dos sinais do paciente anestesiado.

O anestesista é o guarda-costas do doente no período imediatamente antes, durante e logo após o fim da intervenção – o chamado período peri-operatório –, mesmo que o doente não se aperceba ou lembre de nada. Durante a intervenção cirúrgica a anestesia pode ser efectuada de forma geral, regional e local.

A anestesia geral é uma técnica que consiste em hipnose, amnésia, analgesia e eventualmente relaxamento muscular. Ou seja, o doente está num "sono" induzido e mantido por medicamentos. A amnésia durante a anestesia é obtida através da administração de fármacos de modo a que o doente não se recorde da cirurgia, mas a memória regressa às suas capacidades normais logo que os medicamentos sejam inactivados pelo organismo.

Para além da perda da consciência o anestesista administra analgésicos suficientemente potentes de modo a que o corpo não reaja ou "sinta" estímulos dolorosos. São estes medicamentos que provocam as náuseas e vómitos pós-operatórios, que podem ser controlados com fármacos antieméticos.

O relaxamento muscular tem como objectivo impedir que um movimento, mesmo involuntário, de um músculo interfira com a cirurgia.

A anestesia geral pode ser aplicada por via venosa, inalatória ou ambas e está indicada para cirurgias do abdómen, tórax, cabeça, pescoço e cirurgias neurológicas e cardíacas. É possível bloquear a dor praticamente a qualquer nível do seu trajecto desde a origem até ao cérebro.

A anestesia regional consiste na administração de um anestésico local num ramo nervoso, insensibilizando a região do corpo que esse nervo é responsável por inervar (essa área fica entorpecida por bloqueio do impulso nervoso), com o doente acordado ou ligeiramente adormecido, mas facilmente despertável ao chamamento.

Exemplos deste tipo de anestesia são as designadas raquianestesia e epidural para cirurgia abdominal ou dos membros inferiores (cesariana, varizes), bem como o bloqueio do plexo braquial para cirurgia do membro superior e o bloqueio peribulbar para cirurgia oftalmológica.

A anestesia local efectua-se com o doente acordado. É injectado um anestésico local na pele e tecidos moles circundantes à zona que se pretende operar, sendo restrita a área que permanece entorpecida.

A forma mais habitual é por infiltração subcutânea: utiliza-se uma agulha fina para injectar no tecido imediatamente por dentro da pele pequenas doses de medicamento (p.ex. Lidocaína). Esta via de administração actua rapidamente e pode ser utilizada como técnica analgésica pós-operatória utilizando medicamentos com duração mais longa.

Outro exemplo de anestesia local é a utilizada em crianças antes de picar uma veia, utilizando uma pomada ou "penso" que se deixa actuar cerca de 1 hora. Apesar de esta forma ser algo lenta a absorver a quantidade suficiente, também é eficaz a anestesiar a pele. O anestesista também pode associar alguma sedação. É mais confortável e permite ao doente descansar (ou dormir) durante cirurgias mais longas ou com posições desconfortáveis.

A existência, ou não, de efeitos secundários depende muito da cirurgia, do tipo de anestesia e das condições físicas do doente. Graças às modernas técnicas de anestesia, apenas um número muito reduzido de doentes chega a sentir-se mal.

Os problemas mais comuns incluem náuseas e vómitos pós-operatórios que podem resultar da anestesia ou da operação, dores de garganta – relacionadas com o tubo usado na anestesia geral, dores de costas (pela técnica anestésica ou posição durante o procedimento) e cefaleias, que se devem a anestesia regional, stress ou jejum prolongado.

Não existe um tipo de anestesia mais perigosa que outra, mas sim a mais adequada a cada pessoa e situação.

Mitos e riscos da anestesia

Todas as pessoas têm medo do desconhecido. É como viajar de avião! Quem nunca o fez sente muito medo, outros, mesmo viajando frequentemente, não deixam de se preocupar. O mesmo acontece com a anestesia. Permanece o medo do desconhecido e, para ajudar, existem muitas fantasias e desinformação sobre o tema. O importante aqui é não aceitar informações de pessoas não especializadas.

Questões como: Fica-se mais esquecido após ser anestesiado?, A anestesia epidural causa dor crónica nas costas?, É possível estar "acordado" e "sentir tudo" a meio da cirurgia?, Vou sentir dor depois de acabar a anestesia?, Reforçaram a anestesia a meio, isso é mau sinal?, Ser submetido a várias anestesias é perigoso? e Sou operado amanhã e ainda não sei quem me vai anestesiar... será que se esqueceram? fazem parte das dúvidas dos doentes e contribuem para aumentar o receio do acto.

No entanto, o maior número de mitos em relação ao procedimento prende-se com as complicações que daí podem resultar. O acto anestésico, como qualquer procedimento médico, tem riscos associados. Mesmo procedimentos de pequeno porte e sob anestesia local, estão sujeitos à ocorrência de reacções inesperadas ou acidentes. Não existe cirurgia com risco zero.

Estes riscos dependem, no entanto, de factores como a cirurgia, doenças que o indivíduo já possua (hipertensão, diabetes, arritmias, angina, etc.), tabagismo, obesidade, uma cirurgia urgente (apendicite, perfuração da úlcera do intestino, etc.) ou emergente, como é o caso de um doente politraumatizado, ou vítima de atropelamento grave.

Situações de relatos de lembranças, dor durante a cirurgia, alterações de comportamento, náuseas e vómitos fazem hoje parte das primeiras linhas de investigação em anestesia, ainda que as duas primeiras sejam muito raras.

O risco não pode ser completamente eliminado mas os avanços da medicina com a introdução de novos fármacos, novos equipamentos, novas técnicas anestésicas e melhor formação médica tem vindo a tornar a anestesia cada vez mais segura.

Apesar de não existirem cirurgias com risco zero, há medidas ou precauções que diminuem a margem de risco para muito próximo daquele valor, tornando a cirurgia segura e rotineira.

Os doentes também têm um papel activo na prevenção de complicações respeitando o jejum pré-operatório de sólidos (6 horas) e líquidos claros/sem polpa (2-4 horas), válido também para água, referindo qualquer alergia passada, fármacos que habitualmente tomam (incluindo de ervanárias), antecedentes anestésicos, retirando todas as próteses dentárias amovíveis e fazendo pausas no consumo tabágico.

Como guarda-costas do doente, o anestesista deve estabelecer uma relação de empatia com ele desde o primeiro momento, logo na consulta pré-anestésica. Depositando nele a sua total confiança, este promove o sucesso do procedimento, sem incidentes até ao final, para que, tal como um piloto de aviação, efectue uma aterragem perfeita.

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
09 de Abril de 2024

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