DOPING: QUÍMICO E GENÉTICO

DOPING: QUÍMICO E GENÉTICO

MEDICINA E MEDICAMENTOS

  Tupam Editores

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Pode definir-se desporto como um fenómeno sociocultural, que envolve a prática voluntária de atividade predominantemente física competitiva com finalidade recreativa ou profissional, ou predominantemente física não competitiva com finalidade de lazer, contribuindo para a formação, desenvolvimento e/ou aprimoramento físico, intelectual e psíquico dos seus praticantes e espetadores.

Diversas descobertas arqueológicas demonstram que no ano 4000 a.C., já se praticavam desportos na China. No antigo Egipto realizavam-se competições de natação, pesca, lançamento do dardo, salto em altura e luta. Na antiga Pérsia (Irão), também se praticavam desportos, como certas artes marciais.

À medida que os desportos se foram popularizando e com o crescente número de adeptos interessados em assistir à prática desportiva dos atletas, nas várias modalidades, aliado ao desenvolvimento dos meios de comunicação e aumento do tempo de lazer, os desportos passaram a profissionalizar-se. Assim, os desportistas passaram a receber dinheiro por, e para se dedicarem aos treinos e competições, muitas vezes em exclusividade.

O desporto que hoje se pratica reveste-se de propósitos e objetivos diferentes dos de outrora, seguindo as mudanças estruturais, nos hábitos, costumes e estilo de vida. A pressa do dia-a-dia, incutida na filosofia de modernidade do século XXI, associada a uma cobrança de excelência por parte da sociedade, provoca uma pressão, não apenas nos atletas e em todo o staff que os rodeia, mas também nos indivíduos anónimos.

A excessiva importância dada à vitória, principalmente a partir da profissionalização do desporto e os interesses económicos dos patrocinadores de atletas e eventos desportivos provocou profundas mudanças nas atividades desportivas em geral, originando a violação da ética que as deveria reger.

O ideia de ética desportiva tem a sua origem nos conceitos históricos de honra e cavalheirismo. Mais especificamente, por ética desportiva, entende-se o conjunto de valores morais existentes na sua prática, condenando a violência, a corrupção, o doping, e qualquer forma de discriminação social. Existem, no entanto, outras interpretações acerca do conceito, que deram origem a termos como espírito desportivo, designado por fair play.

Fairs eram os mercados da Idade Média onde se cultivava a honestidade, lealdade, cavalheirismo, justiça e seriedade. Este conceito, que está associado ao espírito desportivo, foi agregado ao desporto no final do século XIX, através de Pierre Coubertin: "O esforço é a alegria suprema: o sucesso não é um objetivo, mas apenas um meio de visar mais alto".

Distorcendo este princípio basilar, hoje está vulgarizada a ideia de que a vitória é a única coisa que interessa, o que origina violência, corrupção, fraude, batota, agressões entre praticantes, injúrias a árbitros, e que conduz ao doping.

Doping: o químico e o genético

"Quando ganhar é tudo, fazemos tudo para ganhar".

(Nicholas, 1989)

O problema do doping associado ao desporto não é recente, havendo até quem considere que este flagelo é tão antigo como o ser humano.

Desde sempre que o homem se tenta superar a si próprio, muitas vezes através de métodos mais ou menos artificiais. Já na Grécia Antiga Phylostrate, num tratado de educação física publicado 200 anos a.C., sugeria o cozimento de ervas para evitar o congestionamento do baço (que ficava duro e doloroso), pois o mal era considerado o maior obstáculo à velocidade e força numa corrida. Curiosamente, no berço das Olimpíadas, o uso de plantas, ervas e cogumelos que potencializavam o desempenho dos atletas era permitido.

Embora subsistam divergências quanto à etimologia da palavra doping o termo tem a sua origem na palavra dopo, atribuída a um sumo viscoso obtido do ópio, utilizado na Grécia Antiga, a definição adoptada foi resultante da Conferência Internacional sobre doping, em Tóquio, em 1964, organizada pela Federação Internacional de Medicina Desportiva (FIMS) e pelo Comité Olímpico Internacional (COI).

A partir daí passou a considerar-se doping a administração ou uso por um atleta em competição, de qualquer substância estranha ao organismo ou de qualquer substância fisiológica em quantidade anormal ou por via de entrada anormal, com o único objetivo de aumentar, de modo artificial e desleal, o seu desempenho em competição.

O primeiro registo de abuso de drogas verificou-se em 1896, durante uma prova de ciclismo, onde o inglês Arthur Linton que tomava estimulantes durante o percurso para aumentar a resistência à fadiga, após ter percorrido alguns quilómetros alucinado, tombou com o coração desfeito devido a uma dose excessiva de nitroglicerina.

Atualmente o doping representa um dos problemas de maior destaque e também dos mais preocupantes da realidade desportiva, não só pelo facto de falsear a "verdade", mas também porque, apesar de potenciar o rendimento, existe o reverso da moeda que tem a ver com as questões da saúde, já que esta prática revela-se um perigo grave para a saúde física e mental dos atletas, que se tornam as suas vítimas a curto, médio ou longo prazo.

A nível químico, o COI classifica em cinco grupos as substâncias proibidas:

Os estimulantes, como o próprio nome indica, são substâncias que estimulam, excitam o organismo, alterando o metabolismo. Entre os estimulantes destacam-se as anfetaminas, a cafeína, a cocaína e seus derivados como o crack, a efedrina e a terbutalina. Aumentam o estado de alerta e a competitividade, reduzem a fadiga e, em doses elevadas, produzem estimulação mental aumentando o fluxo sanguíneo.

Entre os efeitos adversos deste tipo de composto incluem-se a elevação da pressão sanguínea, o aumento e irregularidade do batimento cardíaco e ansiedade e tremor. O uso de estimulantes é muito frequente entre os atletas, sendo o mais utilizado a seguir aos esteroides anabolizantes.

Os esteroides anabolizantes como, testosterona, nandrolona e estanozol, são usados pelos atletas com o objetivo de aumentar a massa e a força musculares, podendo ser ingeridos por via oral ou injetável.

Os efeitos secundários verificam-se a vários níveis. Observa-se um crescimento e maturação precoce do esqueleto, hipertrofia muscular, problemas cardíacos, elevada toxicidade hepática podendo originar o aparecimento de carcinomas hepáticos. Na mulher pode causar virilização e irregularidades menstruais e no homem aumenta o volume prostático, podendo provocar infertilidade total ou parcial redução de espermatozoides e impotência temporária ou mesmo irreversível.

Os narcóticos atuam especificamente como analgésicos para tratamento de dores moderadas a fortes. Substâncias como codeína, propoxifeno, petidina, metadona, morfina, e heroína, entre outras, são drogas calmantes frequentemente usadas em quase todos os desportos fisicamente exigentes. Além do risco de dependência física e psíquica, o uso de analgésicos apresenta outros riscos para a saúde como, por exemplo, por reduzir a sensação de dor, pode fazer com que o atleta agrave a lesão, pode levar a perda de equilíbrio e coordenação, náuseas, vómitos, insónias e depressão, diminuição da frequência cardíaca e ritmo respiratório e da capacidade de concentração.

Os beta-bloqueadores são utilizados no desporto de uma forma semelhante à dos analgésicos. Combatem o nervosismo, stress e ansiedade baixam a pressão sanguínea e atuam no sistema cardiovascular, diminuindo o número de batimentos cardíacos. Estas substâncias são normalmente usadas em categorias que exigem alta precisão, como o arco e a flecha, o tiro, bilhar, xadrez e natação sincronizada.

Por fim os diuréticos, utilizados principalmente para reduzir rapidamente o peso e baixar a concentração de substâncias proibidas na urina, de forma a dificultar a sua deteção. Os atletas correm o risco de sofrer desidratação, caibras, doenças renais, perda de sais minerais, alterações no volume do sangue e ritmo cardíaco.

A divulgação de repetidos casos de atletas que abusam de drogas para melhorar o desempenho tem vindo a tornar-se comum na comunidade desportiva. O doping no desporto cada vez mais evolui com o objetivo de contornar as leis e os controles existentes atualmente, dando origem a novas estratégias e tendências.

Uma possibilidade de evolução dessa prática dá-se por meio do estudo dos genes juntamente com os avanços da terapia genética nas quais preparações laboratoriais de células humanas permitem reações endógenas que ajudam na amplificação da performance física que vai além do limite fisiológico. Isto fez surgir um novo termo designado por doping genético.

A possibilidade de haver doping genético nos atletas começou a preocupar a Comissão Médica do COI em 2001 em virtude das perspetivas em genética humana e médica, mais especificamente em terapias genéticas. O doping genético caracteriza-se pela utilização não terapêutica de genes, elementos genéticos ou células que potenciem o desempenho atlético, fazendo uso de substâncias ou métodos capazes de incrementar artificialmente o desempenho desportivo.

É uma consequência da terapia genética mas, em vez de se injetar ADN na pessoa com o propósito de restaurar alguma função relacionada com um gene defeituoso ou em falta; como terapia genética, o doping envolve uma inserção de ADN com o objetivo de melhorar o desempenho atlético. O atleta que pratica este tipo de doping incorpora um gene extra na sua informação genética (ADN ou RNA).

Os principais genes alvo do doping são os que proporcionam aumento na captação de oxigénio com consequente perda de peso, otimização do metabolismo energético e rápidos ganhos de massa muscular.

Entre os principais genes alvo estão a eritropoietina (EPO), fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1), fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), bloqueadores da miostatina (GDF-8), hormona de crescimento (GH), recetor ativado por proliferador de peroxissomo delta, fosfoenolpiruvato carboxiquinase (PEPCK-C), fator induzido por hipóxia 1α (HIF-1α), o LEP (leptina) e o gene codificador da endorfina, também foram mencionados como fortes candidatos com potencial para reduzir a dor e processos inflamatórios causados por lesões e traumas repetidos.

Os efeitos secundários biomédicos do doping genético derivam dos efeitos adversos da terapia genética e dos produtos do gene modificado. Deduz-se, então, a partir de estudos clínicos, que alguma deficiência imunológica, contaminação com químicos e outras impurezas provenientes do processo de fabrico e purificação, incluindo os pirogenos e vírus virulentos podem colocar em grande risco os atletas que utilizam este tipo de doping.

Os resultados de experiências clínicas revelam o desenvolvimento de cancro e a falha de órgãos, aumento de problemas tromboembólicos cardiovasculares. Desconhece-se a existência de outros riscos, devido à escassez de estudos e publicações o que torna incontroláveis os efeitos secundários biomédicos da terapia genética.

Identificar para prevenir o doping

No final da década de 60, o recurso a esta prática originou a morte de vários atletas de competição, pelo que os organismos desportivos internacionais, face à gravidade do problema, decidiram programar rigorosos controles de doping. Apesar disso nem todos os organismos desportivos internacionais atribuíram o mesmo nível de gravidade à situação.

Exemplo disto é o relatório de um estudo encomendado pelo Instituto Federal de Ciência Desportiva (BISP) indicando que estado Alemão promoveu o doping desportivo, principalmente a partir dos anos 70.

O estudo, intitulado "Doping na Alemanha de 1950 até hoje" foi concluído em abril de 2013, não havendo ainda previsão para a sua publicação, devido a controvérsias sobre o sigilo de dados privados. A presidente da Comissão de Desportos do Bundestag, Dagmar Freitag, criticou a atitude da Federação Alemã de Desportos Olímpicos (DOSB) e exige a publicação dos nomes de todos os envolvidos no doping, incluindo treinadores e funcionários públicos.

Para avaliar a existência de doping é necessário determinar a presença da droga ou dos seus metabolitos em material obtido do atleta. A urina, que acumula os resíduos eliminados pelo organismo, é o material preferencial para essa análise, mas, para certos tipos de substância, a capacidade de deteção é maior quando a investigação é feita através do sangue ou plasma sanguíneo.

Para cobrir todas as possibilidades de doping, a química analítica teve de se desenvolver, procurando antecipar-se às novas práticas idealizadas pelos atletas e (maus) colaboradores. Técnicas sofisticadas de análise, como a cromatografia e a espectrometria de massas, são as grandes responsáveis pelo sucesso no controle de doping, reduzindo-se assim a impunidade à fraude.

O maior desafio do combate ao doping é o genético.

É extremamente difícil de identificar nos exames antidoping pelo facto de ser uma terapia direcionada a um tecido específico e apenas a uma ou algumas proteínas. Portanto, para ser identificado é necessário realizar um procedimento invasivo de biopsia intramuscular precisamente no tecido manipulado geneticamente e as proteínas investigadas serem exatamente as alteradas.

Pode até ser impossível detetar os agentes utilizados, mas os seus efeitos são mensuráveis. Uma possível solução é o uso de marcadores proteicos como indicadores para o rompimento de fisiologia normal. Isso exige a amostragem e análise de conjuntos de proteínas ao nível fisiológico dos atletas individuais ao longo do tempo.

Com o progresso da técnica proteómica, que permite a exibição simultânea de centenas de proteínas, esta técnica pode ser valiosa para o teste antidoping genético. Acima de tudo, a prevenção do comportamento exige o desenvolvimento de um projeto educativo de divulgação científica sobre o doping em geral e doping genético, mencionando os riscos da prática para a saúde dos atletas.

Os objetivos do programa mundial antidoping e do código consistem em proteger o direito fundamental dos praticantes desportivos participarem em competições desportivas sem doping e assim promover a saúde, justiça e igualdade entre os desportistas de todo o mundo, bem como apoiar a existência de programas harmonizados, coordenados e eficazes a nível nacional e internacional no âmbito da deteção, punição e prevenção do doping.

O programa visa ainda preservar os valores intrínsecos característicos do desporto. Este valor intrínseco é muitas vezes descrito como o espírito desportivo, constitui a essência do Olimpismo, e traduz-se no "jogo limpo".

Melhorar o desempenho através de atividades ilegais é doping. Não importa se é no desporto, no trabalho ou na vida quotidiana, é um abuso, é desonesto e por isso é sempre um tipo de doping. Respeitar as regras e os adversários, é respeitar-se a si mesmo!

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
24 de Setembro de 2024

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