A leishmaniose é uma doença crónica, comum ao cão e ao homem, causada por microorganismos unicelulares denominados protozoários flagelados e está incluída na tabela da Classificação e Doenças CID-10 (B55), da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O seu agente transmissor são os flebótomos – insetos de pequeno tamanho semelhantes ao mosquito, difíceis de observar e ouvir pois não produzem o zumbido típico do mosquito comum –, através de picada.
Somente as fêmeas infetadas picam pois precisam de sangue para desenvolvimento dos seus ovos. O flebótomo, espécie de mosca comummente confundida com o mosquito, habita normalmente as zonas húmidas tropicais e subtropicais estando muito disseminado pelo sul da europa. Na bacia mediterrânica, países e regiões como Portugal, Itália, Grécia, sul de França e Espanha são consideradas zonas de risco elevado para a saúde pública, devido à presença da leishmaniose.
Ainda segundo a OMS, a doença, que afeta as populações mais pobres do mundo, está associada à desnutrição, deslocamento das populações, precárias condições de habitação, sistema imunológico enfraquecido e falta de recursos, bem como a alterações ambientais, irrigação e urbanização, estimando-se que em cada ano surjam entre 900 000 a 1,3 milhões de novos casos e ocorram 20 000 a 30 000 mortes.
Em Portugal a doença é endémica em todo o território embora com níveis de prevalência diferentes nas várias regiões, situação que facilmente se poderá alterar dada a dimensão do país, a maior mobilidade das pessoas e o cada vez maior número de proprietários de animais domésticos.
As áreas geográficas de maior prevalência situam-se nos distritos de Bragança e Vila Real, e algumas zonas dos distritos de Viseu e Guarda. A área Metropolitana de Lisboa e Vale do Tejo, onde se estima que um em cada seis cães sofra de leishmaniose, e os concelhos de Évora e Algarve encontram-se também entre as áreas mais afetadas.
Trata-se de uma zoonose, doença de animais transmissível ao homem, ou deste para os animais, através de hospedeiro infetado, manifestando-se sobretudo em crianças e pessoas debilitadas ou imunossuprimidas. É uma doença parasitária que usa o cão como principal reservatório do protozoário. Por poder dar origem a graves problemas sanitários, económicos e sociais é de declaração obrigatória, apesar de esta exigência nem sempre ser cumprida.
O período de incubação do parasita varia entre 10 a 25 dias mas pode chegar até um ano. Uma vez o animal infetado, a doença começa a revelar-se através de pápulas pruriginosas na pele e inflamação dos gânglios na proximidade da picada. Na sua forma visceral verifica-se um aumento do volume do baço, febre e dores abdominais para além de aumento do volume do fígado, devido às lesões internas que provoca.
O diagnóstico é feito através de punção ou análise laboratorial e os tratamentos são efetuados com o recurso a medicação, que terá de ser mantida durante toda a vida do animal uma vez que a doença não tem cura definitiva. Existe no entanto a possibilidade de controlo do estado clínico do animal, sem que isso afete a sua longevidade e vida normal.
Os exames laboratoriais parasitológicos destinam-se à pesquisa do parasita ou de anticorpos devendo simultaneamente ser efetuadas análises de sangue e de urina para avaliar o estado geral do animal, sendo que, a interpretação dos resultados deve ser sempre feita em conjunto com o quadro clínico.
Esta doença é muito dolorosa para o animal nos seus estádios mais avançados causando problemas dermatológicos e renais, podendo mesmo ser necessário, em fases de desenvolvimento mais avançadas, proceder à eutanásia.
Tipos e sintomas
A leishmaniose atinge principalmente os animais e a partir destes o ser humano, podendo o protozoário instalar-se a nível cutâneo ou visceral.
A leishmaniose visceral (LV), também conhecida por Kala-Azar é a forma mais severa da doença. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o problema emergente da co-infeção HIV/LV é o segundo maior responsável por mortes em todo o mundo depois da malária.
Na leishmaniose visceral humana, os primeiros sintomas surgem através da descamação da pele em torno da boca, queixo, nariz, orelhas e no couro cabeludo, podendo ser confundida com caspa. Com o agravamento da doença, em particular nos hospedeiros imunocomprometidos, verifica-se inchaço do baço e fígado que poderá ser detetado através de ultrassonografia.
A leishmaniose visceral canina é potencialmente fatal. Tem um curso lento, é extremamente grave, de difícil diagnóstico e fácil transmissão, quer em cães, quer em seres humanos.
Nos cães, o aparecimento de lesões na pele, acompanhadas de descamação, úlceras, perda de peso, atrofia muscular e lesões oculares são os sintomas mais frequentes.
A leishmaniose cutânea, é a forma mais comum da LV, sendo conhecidas cerca de 20 espécies de leishmania que podem causá-la. Muito embora rara, a forma mucocutânea é uma das mais temidas em virtude de poder provocar lesões destrutivas que desfiguram a face.
Apesar de ocorrência rara, referir ainda a leishmaniose felina (LF), cujo relato de novos casos nos útimos anos tem vindo a aumentar em todo o mundo. Novas técnicas de diagnóstico bem como uma maior preocupação com os cuidados de saúde dos animais de companhia, em particular nos países mais desenvolvidos, têm provavelmente favorecido esse incremento. No entanto a LF é ainda pouco estudada e há pouca informação acerca da sua prevalência, manifestações clínicas, transmissão do parasita e espécie de protozoário envolvida, bem como da suscetibilidade dos gatos na transmissão de Leishmania.
Infeções oportunistas
Sendo considerada uma infeção endémica em Portugal e outros países da bacia mediterrânica, a leishmaniose tem vindo a manifestar-se como uma complicação frequente da infeção por vírus da imunodeficiência humana (VIH). Há vários estudos publicados sobre a co-infeção Leishmania/VIH. Contudo alguns aspetos da sua epidemiologia, patogenia, e especialmente da sua abordagem terapêutica e profilática ainda não estão esclarecidos e definidos.
Manifestamente, a leishmaniose visceral assume um padrão de infeção oportunista em doentes infetados por VIH e por isso alguns especialistas defendem que deveria ser considerada a sua inclusão nos critérios diagnósticos da síndroma de imunodeficiência humana adquirida.
Considerando a importância atualmente atribuída pela OMS à Leishmaniose que a classifica como a segunda mais grave doença causada por protozoários e uma das mais negligenciadas, a avaliação e definição de tratamentos de primeira linha e de quimioprofilaxia secundária são defendidas por alguns especialistas como urgentes e extremamente necessárias.
A Kala-Azar afeta principalmente as crianças até aos 4 anos de idade, causando febre intermitente, perda de peso, anemia e aumento do volume do baço e fígado. Caso não seja tratada, é fatal. No entanto, o tratamento é eficaz e frequentemente permite a cura definitiva, exceto em doentes com imunodeficiência grave.
Em Portugal, a leishmaniose humana não é tão frequente como a leishmaniose canina. O número de casos reportados anualmente à Direção-Geral da Saúde tem-se mantido nos últimos anos, em cerca de 15 casos por ano.
Na mulher, durante a gestação e gravidez, poderá ocorrer infeção congénita quando esta fica exposta pela primeira vez ao parasita. Embora a maioria das infeções congénitas sejam assintomáticas, até 10 por cento podem resultar em aborto nadomortos ou lesões graves no SNC do feto, sendo maior a frequência da doença quando instalada no primeiro trimestre de gestação.
Isto não significa que os animais de estimação sejam afastados quando a mulher engravida, como alguns clínicos preconizam, dada a baixa probabilidade de transmissão.
Considera-se que o cão, como reservatório natural da doença, tem um papel relevante na disseminação e manutenção da infeção humana. Por isso, o animal infetado só tem a hipótese de ser tratado ou submetido a eutanásia. Nunca, por incúria ou má fé, um animal com esta patologia deve ser abandonado.
Prevenção e tratamento
Só na Europa há hoje cerca de 2,5 milhões de cães infetados. Uma vez que a transmissão da doença é feita através da picada de flebótomos infetados, a proteção mais eficaz seria evitar qualquer contato entre os cães e estes insetos, solução inviável dado os cães habitarem zonas endémicas. Minimizar o contacto físico, mantendo os cães recolhidos ao início e fim do dia, períodos de maior atividade dos insetos e utilizar inseticidas, eram as medidas preventivas disponíveis até há pouco tempo.
Pela primeira vez, no final do mês de maio de 2011, foi disponibilizado um novo nível de proteção para os cães, proporcionado por uma nova vacina preventiva desenvolvida para combater a leishmaniose canina. O acontecimento que Laurentina Pedro, bastonária da Ordem dos Veterinários na altura, considerou como um passo "muito importante" para a saúde pública, dado se tratar de uma imunoterapia que evita tratamentos dispendiosos, o sofrimento do animal, dos seus donos e o risco que estes correm de serem infetados.
O médico veterinário, conhecedor da história clínica de cada animal e a quem é confiada a sua saúde, é o profissional de saúde indicado para recomendar a solução adequada a cada caso. Por ser um dos países com a mais alta taxa de leishmaniose canina, Portugal foi o primeiro país da Europa a ter a vacina disponível. Esta pode ser administrada a partir dos seis meses de idade, em 3 doses iniciais com 3 semanas de intervalo e reforço anual com uma dose, a fim de manter a imunidade.
A vacina CaniLeish desenvolvida pela empresa francesa Bio Veto Test (BVT), em parceria com o Instituto de Pesquisa e o Desenvolvimento (IRD) e as equipas de ID do grupo francês Virbac é comercializada em Portugal por esta última empresa.
A autorização de comercialização foi obtida depois do parecer positivo do Comité para os Medicamentos Veterinários (CVMP) da Agência Europeia do Medicamento (EMA) emitido a 13 de janeiro, confirmado em março pela Comissão Europeia, ao atribuir ao laboratório Virbac a Autorização de Introdução no Mercado (AIM) para a vacina.
Em finais de junho de 2016, a Agência Europeia do Medicamento (EMA), autorizou a comercialização de uma nova vacina contra a Leishmaniose canina, constituída a partir de uma proteína recombinante a que foi atribuído o nome comercial de Letifend® e que resultou de uma investigação colaborativa durante cerca de 25 anos, dos Laboratórios Leti com vários centros de pesquisa nacionais e internacionais.
A vacina foi desenvolvida a partir da união de "cinco fragmentos de quatro proteínas do parasitaLeishmania infantum, com capacidade antigénica, o mais importante agente da Leishmaniose canina, a nível global". Ferramenta amplamente segura e eficaz para a imunização dos cães infetados a partir dos seis meses de idade, vem proporcionar aos médicos veterinários a possibilidade de reduzir o risco da exposição ao parasita, responsável pela infeção ativa da Leishmaniose.
O protocolo vacínico já se encontra no mercado e prevê uma primovacinação com três doses (separadas entre si por três semanas) e uma revacinação anual com a particularidade da vacina não ter adjuvante. Segundo o Resumo das Caraterísticas do Medicamento (RCM), disponível no site da EMA, a imunidade inicia-se 28 dias após a vacinação e mantém-se pelo período de 1 ano.
Observatório Nacional das Leishmanioses
Criado em abril de 2008 pelo Observatório Nacional das Leishmanioses o LEISHNET, uma rede epidemiológica da Leishmaniose canina está disponível em www.onleish.org, permitindo o acompanhamento real de todos os casos diagnosticados em Portugal.
Segundo estudos realizados por aquela entidade, Portugal regista uma prevalência de cerca de seis por cento de leishmaniose, considerada elevada, estimando-se em cerca de 110 mil os cães infetados.
No nosso país existe principalmente a Leishmaniose visceral (ou Kala-Azar) e alguns casos bastante raros de Leishmaniose cutânea. Esta raridade deve ser contudo relativizada, pois fica a dever-se principalmente à falta de notificação, devido ao facto da maioria dos casos de Leishmaniose cutânea humana serem autolimitados, não obstante poderem demorar até vários meses para se resolverem.
Segundo o último relatório de Doenças de Declaração Obrigatória da DGS referente ao período de 2011-2014, foram notificados 39 casos nesse período, com particular incidência na Região de Lisboa e Vale do Tejo onde se registaram 16 ocorrências.
Recomendações aos proprietários de animais de estimação
A OMS recomenda a utilização de coleiras impregnadas com deltametrina – o princípio ativo que atua como repelente do flebótomo, que é o responsável pela transmissão desta doença.
Por isso, os proprietários de animais que se desloquem em viagem para zonas de risco, em sua companhia, deverão informar-se previamente da existência da doença, junto da Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) e tomar as necessárias medidas de proteção.
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