GATOS
FELINOS
Tupam Editores
"If man could be crossed with the cat
it would improve man,
but it would deteriorate the cat."
(Mark Twain)
Alheio ou carinhoso, sereno ou arisco, ou ainda, encantador ou irritante – são algumas das facetas da personalidade do gato doméstico, às quais já nos habituámos.
Apesar da natureza volúvel, o gato é o animal de estimação mais popular do mundo, estimando-se que vivam entre os humanos mais de 600 milhões de felinos. Ainda assim, e por mais familiares que estes animais nos sejam, é difícil comprovar totalmente as suas origens.
Segundo historiadores e biólogos, a história do gato doméstico remonta à antiguidade. Os gatos domésticos atuais são uma adaptação evolutiva dos gatos selvagens africanos (Felis Silvestris), o que faz com que estes possuam diversas características em comum com os grandes felinos selvagens.
O seu mais antigo ancestral conhecido é o Miacis, mamífero que viveu há cerca de 40 milhões de anos, no final do período paleoceno, cuja evolução deu origem ao Dinictis, animal que já possuía a maior parte das características presentes nos felinos de hoje.
A sub-família Felinae, que agrupa os gatos domésticos, expandiu-se a partir de África até alcançar as terras onde atualmente se situa o Egipto. E apesar de a civilização egípcia não ter sido a primeira a domesticar o gato, foram o primeiro povo a adotar os gatos como animais de trabalho e estimação.
A domesticação do gato pelos humanos começou há cerca de 10 a 12 mil anos atrás, quando as populações deixaram de ser nómadas e se começou a depender substancialmente da agricultura, mais precisamente quando os agricultores começaram a cultivar as primeiras variedades de cereais.
Foi nesse momento que os gatos começaram a fazer parte do quotidiano do ser humano. Por possuírem um forte instinto caçador, esses animais exerciam uma importante função na sociedade: acabar com os ratos que invadiam os silos de cereais e outros lugares onde eram armazenados os alimentos.
Pode, então, concluir-se que a adaptação dos gatos à caça dos roedores foi uma evolução nascida da necessidade humana.
Registos encontrados no Egipto, assim como gravuras e estátuas de gatos, entre outros elementos encontrados em escavações indicam que, nessa época, os gatos eram venerados e considerados animais sagrados.
Na verdade, o amor dos egípcios por esse animal era tão intenso, que havia leis a proibir que os gatos fossem "exportados". Qualquer viajante que fosse apanhado a traficar um gato era punido com a morte; quem matasse um gato era punido da mesma forma, e, em caso de morte natural do animal, os seus donos deveriam usar trajes de luto. Não tardou, contudo, que alguns animais fossem clandestinamente transportados para outros territórios, aumentando a sua área de abrangência.
Acredita-se que terá sido o povo Fenício a levar os gatos nas suas embarcações para a Europa, por volta de 900 a.C., mais precisamente para Itália.
Quando os romanos invadiram o Egipto, os gatos começaram a acompanhar os exércitos introduzindo-se, assim, por toda a Europa. Foi desta forma que chegaram a Inglaterra, onde o príncipe de Gales promulgou várias leis de proteção a este pequeno animal.
Durante muito tempo, os gatos foram considerados pelos humanos como um excelente animal doméstico, apreciados pela sua beleza e habilidade em caçar roedores. Aliás, essa sua habilidade foi muito usada no combate aos ratos, enquanto transmissores da Peste Bubónica.
Mas a convivência entre seres humanos e gatos nem sempre foi pacífica. A personalidade independente, a elegância, os hábitos mais noturnos e solitários dos gatos despoletaram sentimentos mistos nas diversas culturas e épocas pelas quais passaram.
É bem conhecida a reverência e fascínio do povo do antigo Egipto pelos felinos. Os registos da antiguidade mostram que no Egipto era bastante comum e apreciada a presença do gato nas residências e entre os faraós. Estes animais eram representados nas paredes das sepulturas simbolizando proteção, e eles mesmos também representavam divindades.
Os egípcios acreditavam que as garras dos gatos possuíam poderes mágicos, curando envenenamentos e evitando acidentes e doenças. Os gatos machos representavam o Deus sol Rá, a quem se atribuía poderes de proteção. A deusa da energia sexual, Hathor, também era uma gata, embora as deusas felinas egípcias mais famosas fossem Bastet e Sekhmet, símbolos da fertilidade e sexualidade. Os egípcios alimentavam e protegiam os felinos, reverenciando as divindades. Estes animais possuíam cemitérios próprios e muitos eram mumificados como os faraós.
A contrastar com estes relatos e com a adoração do gato, pode citar-se o período medieval. O Cristianismo extinguiu deuses pagãos, com consequências dramáticas para o gato na Europa. Neste período, os gatos eram vistos como demónios malévolos, agentes do Diabo e companhias traiçoeiras de bruxas e videntes, principalmente os gatos pretos, já que esta cor simbolizava a morte e o mal.
Acreditava-se que seitas hereges trabalhavam para o Diabo, representado por um gato preto, e é também desta época a crença de que a presença deste animal é sinal de má sorte. As seitas eram acusadas de realizar sacrifícios de crianças, canibalismo, orgias sexuais e adoração ao felino, que passou a ser odiado e perseguido.
Na Idade Média acreditava-se que as bruxas assumiam formas felinas quando praticavam atos de malevolência e ainda hoje os gatos estão entre os principais símbolos do dia das bruxas. É da época medieval também, a associação dos gatos com asma e alergias. Acreditava-se que durante o sono as bruxas se apoderavam do felino e sufocavam as pessoas, mantendo-se, desde então, a ideia de que gatos causam asma e são perigosos para a saúde dos pulmões.
No início da Idade Moderna os gatos continuam a apresentar conotações negativas oriundas de toda a representação criada na época medieval. Em dias festivos, como meio simbólico de expulsar o Demónio, gatos, especialmente os pretos, eram capturados e torturados até à morte e lançados do topo das mais altas construções numa atmosfera de extrema euforia.
Na Europa do século XVIII estes animais eram torturados e mortos em contextos como o carnaval e outras comemorações folclóricas. Mas não é apenas na Europa que a representação dos gatos possuiu conotações negativas. Existem lendas da cultura japonesa em que monstros felinos assumem a forma feminina para sugar a vitalidade dos homens. Ainda de acordo com a superstição deste país, a cauda dos gatos possui poderes sobrenaturais, sendo comum no Japão cortar a cauda dos filhotes, e criar raças sem cauda.
No século XIX, as pesquisas de Pasteur apontavam as bactérias como as principais transmissoras de doenças e as pessoas passaram a ver o gato como símbolo de higiene devido ao seu comportamento de autolimpeza.
Assim, o animal começou a ser aceite em nossas casas e armazéns, onde eventualmente atuava caçando roedores. A presença de gatos junto aos mercadores também era bem-vinda, e simbolizava status.
Atualmente o papel do gato para controlar pestes não é tão evidente, embora em alguns países, como a Etiópia, a presença do felino no controle dos roedores seja amplamente apreciada. Provavelmente nesta cultura estes animais possuem um status relativamente positivo devido ao seu papel instrumental.
Com o decorrer dos tempos, os mitos e crenças sobre o gato foram-se dissipando, adquirindo este cada vez mais um espaço privilegiado entre os seres humanos. Hoje, são presença assídua nas nossas casas e companheiros inseparáveis das nossas vidas.
Para os donos, cada animal é um indivíduo diferente. Brincalhões ou reservados, atrevidos ou recatados, audaciosos ou prudentes, melindrosos, modestos, egocêntricos, ou até temperamentais, cada gato parece ter a sua própria identidade, e até "personalidade".
Até há pouco tempo a ciência estava longe de aceitar que os gatos poderiam diferir uns dos outros, quer fosse no relacionamento com as pessoas ou nas interações com outros gatos. Porém a realidade mudou e atualmente diversas pesquisas têm comprovado que, de facto, o que os donos observam e relatam é verídico: cada gato tem a sua própria identidade.
Mas o que determinará as suas diferenças temperamentais? E de onde virá a sua "personalidade"? Estudiosos do assunto acreditam que o temperamento de um gato seja resultado de uma combinação de fatores, tais como a genética, experiências com a mãe e irmãos de ninhada enquanto filhote, o ambiente onde vive, e até a própria personalidade do dono.
Algumas características, porém, são comuns a todos os felinos. O gato possui 244 ossos e 512 músculos, o que o torna num animal extremamente bem desenvolvido. As suas capacidades físicas e os sentidos apurados conferem-lhes agilidade, velocidade e flexibilidade.
Consegue esticar totalmente o corpo, e virar-se e mexer-se de qualquer maneira desde a cabeça até às patas posteriores, além de rodar a cabeça 180 graus. As características das suas patas permitem-lhe andar sem fazer o mínimo ruído. As patas dianteiras estão providas de 5 dedos, enquanto que as traseiras têm 4. As unhas estão sempre afiadas para qualquer situação, e para as não gastar desnecessariamente, contrai as garras.
Tem um equilíbrio fora do comum. De uma posição totalmente imobilizada, tem a capacidade de saltar para todos os lados. Em altura, consegue saltar até 5 vezes o seu tamanho corporal, atingindo com facilidade um salto de 2 metros. Em queda, tem a capacidade de articular o seu corpo de forma a não sofrer com o impacto, bem como atingir rapidamente o equilíbrio, usando a cauda. Quase não existem obstáculos naturais para um gato. Tem uma grande capacidade para subir, trepar, saltar, para além de adorar as alturas, no entanto, tem uma terrível dificuldade em descer.
Uma visão apurada, audição e olfato fortíssimos, paladar e sensores tácteis altamente desenvolvidos fazem do gato um mestre nos sentidos.
Testes indicam que a visão noturna dos gatos é superior à dos humanos. Quando há muita luminosidade, a íris em formato de fenda fecha-se o máximo possível, para reduzir a quantidade de luz a atingir a retina, o que também resguarda a noção de profundidade. O tapetum e outros mecanismos dão aos gatos um limiar de deteção de luminosidade 7 vezes superior à dos humanos.
Os gatos têm, em média, um campo visual estimado em 200°, contra 180° dos humanos, com sobreposição binocular mais estreita que a dos humanos. Aparentemente conseguem diferenciar cores, especialmente a curta distância, mas sem subtileza apreciável, em termos humanos.
Quanto à audição, seres humanos e gatos têm limites similares em baixa frequência (com pequena vantagem para os humanos), mas os gatos têm muita vantagem na escala de alta frequência, onde superam até mesmo os cães.
Não são capazes de saborear o doce, por falta de recetores desse sabor. Alguns cientistas acreditam que isso se deva à dieta dos gatos incluir quase que exclusivamente alimentos ricos em proteínas, embora seja incerto se essa é a causa ou o resultado dessa falta de células adaptadas.
O olfato de um gato doméstico é 14 vezes mais forte que o dos humanos. Eles possuem duas vezes mais células recetoras do que os humanos, o que significa que podem sentir odores que um ser humano nem regista. Possuem, ainda, um órgão sensorial no teto da boca chamado vomeronasal, ou órgão de Jacobson. Quando um animal franze a face, baixando a mandíbula e expondo parte da língua, está a abrir a passagem de ar para o vomeronasal.
Os gatos geralmente têm uma dúzia de bigodes, dispostos em quatro fileiras sobre os lábios superiores, alguns nas bochechas, tufos sobre os olhos e no queixo. Os bigodes auxiliam na navegação e tato. Podem detetar pequenas variações nas correntes de ar, o que torna possível descobrir obstruções sem as ver. As fileiras mais elevadas dos bigodes movem-se independentemente das inferiores para medições ainda mais precisas.
O posicionamento dos bigodes é um bom indicador do humor do felino. Apontados para a frente indicam curiosidade e tranquilidade, colados ao rosto indicam que o gato assumiu uma postura defensiva e agressiva.
O gato expressa-se de diversas maneiras, com o corpo e através de miados, gritos, espirros e até sopros. Com estes sons expressa o seu prazer, tristeza, medo, ameaça e paixão. Um gato satisfeito ronrona e roça-se no dono, quando ele mia está a dirigir-se às pessoas e nunca a gatos.
De natureza prudente, o gato jamais se aventura a fazer algo sem tomar precauções.
O cuidado que um gato tem consigo mesmo é enorme. A limpeza é como um ritual que faz parte do seu dia-a-dia. Ocupa-se da sua limpeza cuidadosamente lambendo-se e alisando-se incansavelmente do pescoço até à extremidade da cauda. A mais pequena imperfeição no pelo incomoda-o e desencadeia imediatamente o instinto de se lamber.
A higiene do gato tem múltiplas funções: de limpeza, mas também de arrefecimento/aquecimento. Além disso, na limpeza o gato também responde a algumas necessidades físicas, pois ao lamber-se absorve vitamina D que se encontra na pelagem. A limpeza desempenha ainda um papel social, pois os gatos lambem-se mutuamente mas nem sempre estão à procura de contactos corporais, mas de um intercâmbio de informações de caráter hierárquico.
No que respeita aos hábitos alimentares, os gatos são altamente sofisticados. Tal como as pessoas, os felinos possuem gostos diferentes. É comum alguns não aceitarem alimentos que outros adoram.
As suas preferências alimentares dependem do odor do alimento, da textura e até da sua saúde.
Os gatos são carnívoros. Necessitam de uma boa quantidade de proteínas e gorduras (carnes, peixe, aves, vegetais, soja), mas também de hidratos de carbono, sais minerais, vitaminas e doses extras dos aminoácidos como taurina, arginina, cisteína e metionina. Precisam ainda de ter sempre disponível água fresca, principalmente os que se alimentam de ração seca.
Os gatos possuem um organismo muito diferente do ser humano. O seu estômago não digere, ou têm muita dificuldade em digerir, certos alimentos "humanos" como por exemplo o chocolate, álcool, alho francês, cebola, atum, abacate, xylitol (adoçante), uvas e passas, entre outros, podendo causar-lhe intoxicações alimentares ou, em alguns casos mais graves, a morte.
Apesar de não ser um alimento, não se pode deixar de mencionar o efeito dos medicamentos nestes animais. A ingestão de medicamentos é uma das maiores causas de envenenamento dos gatos. Por exemplo, o ibuprofeno, que é inofensivo para os homens, é mortal para os gatos. Assim, trate-os como se fossem crianças, guarde os fármacos longe do seu alcance.
Para além da higiene e da alimentação, para manter o bem estar e a saúde dos pequenos felinos é necessário conhecer as principais doenças que os podem afetar de modo a prevenir e evitar o seu aparecimento. São elas a Insuficiência Renal Crónica, Rinotraqueíte viral (também conhecida como Gripe do Gato) e a Calicivirose; Vermioses e outras parasitoses intestinais, Retroviroses, Micoplasmose, Doença Inflamatória intestinal, Linfoma alimentar, Hepatopatias, Raiva, e Toxoplasmose.
Caso suspeite de que o seu gato não está bem não o medique. Consulte o veterinário o mais rápido possível ou leve-o diretamente a um centro especializado, onde profissionais o podem tratar e fazer com que melhore em pouco tempo.
O gato faz parte integrante do mundo humano há uma eternidade. Com ele se construíram provérbios, como "Gato escaldado de água fria tem medo", contos de fadas, como "O Gato das Botas"; literatura, tendo fascinado autores como Baudelaire (Les Chats), Edgar Allan Poe (O Gato Preto), Pablo Neruda (Ode ao Gato), Jorge Amado (O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá) e Luís Sepúlveda (História de uma Gaivota e o Gato que a ensinou a voar), entre muitos outros, e, por fim, banda desenhada ou desenhos animados, como é o caso do Garfield, do gato Félix, do Tom (Tom e Jerry) e do Silvester.
O gato também foi adotado como animal de estimação por personalidades da nossa História, como, por exemplo, o político Winston Churchill, a violoncelista Guilhermina Suggia, o pintor Gustav Klimt e os escritores Mark Twain e Ernest Hemingway.
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