Estudo inédito revela desafios e angústias das pessoas com hemofilia
Apesar de todos os avanços, as pessoas com hemofilia continuam a ter de enfrentar muitas dificuldades e desafios. Um estudo da Associação Portuguesa de Hemofilia e outras Coagulopatias Congénitas (APH), que acaba de ser apresentado, faz o retrato do dia a dia dos doentes.
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Dor, esperança de vida reduzida, falta de mobilidade, hospitalização frequente, estigma social elevado. Para as pessoas com hemofilia, era assim a realidade, num passado não muito distante.
Hoje, os avanços científicos permitiram mais e melhores tratamentos, que mudaram a vida destas pessoas. Mas o estigma permanece e as dificuldades antigas deram lugar a outras, como revela o estudo etnográfico ‘O dia-a-dia da pessoa com Hemofilia’, um trabalho da APH e da [url-nolink=/pt/medicamentos/laboratorios/roche-farmaceutica-quimica-lda/informacao-geral]Roche[/url], apresentado no dia 10 de maio, na conferência Hemofilia em Portugal, um Retrato dos Nossos Dias, no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa.
Realizado com pessoas com hemofilia de diferentes grupos etários, das regiões de Lisboa e Porto, o estudo confirma que os desafios da hemofilia, ainda que diferentes, não desapareceram, mantendo-se momentos de angústia e momentos de muita esperança. E mudam consoante as fases da vida.
“Falar da hemofilia é muito importante porque há ainda muito estigma à volta da doença, que continua a ser incompreendida”, afirma Miguel Crato, presidente da APH.
“Apesar de todos os avanços, as pessoas com hemofilia continuam a ter de enfrentar muitas dificuldades e desafios, identificados neste estudo, que procura também apontar soluções para melhorar o seu futuro”, sublinha o responsável.
Tudo começa na infância, considerada para muitos a fase mais difícil da doença, dada a fragilidade da criança e a necessidade de preparação dos pais, ou ainda antes desta, no momento de engravidar quando, cientes da existência do gene da hemofilia no histórico familiar, se instala a apreensão entre o casal devido à possibilidade de o filho também poder vir a ser portador.
Mas a doença pode surgir de surpresa, como acontece em muitos dos casos. Por isso, ao receber o diagnóstico, os pais vivem um processo de radical transformação: o filho saudável passa a ser alguém que possui uma doença crónica, com as condições em que a notícia é dada a nem sempre serem as ideais.
Uma série de adaptações são necessárias na logística e na dinâmica afetiva da família que convive com hemofilia. Os novos desafios trazem novas exigências: de tempo, de afeto, de recursos.
É o tratamento (a administração do fator ao bebé), o receio de quedas, uma vez que os acidentes podem ter consequências graves, o tempo despendido no tratamento ou a vida do casal afetada. Aqui, o estudo identifica necessidades que precisam de ser colmatadas, como a falta de apoio aos pais, uma rede capaz de os ajudar a lidar com as surpresas, mais informação e uma equipa de saúde bem preparada.
Na adolescência surgem novos desafios. Ainda que a família já se encontre adaptada às rotinas e exigências da hemofilia, há um adolescente em busca das suas próprias conquistas e vitórias, que podem colidir quer com a vontade dos pais, quer com os cuidados necessários.
Nesta fase da vida, os momentos de maior tensão passam pela aprendizagem da auto-administração e pelo descuido com o tratamento. É que, ao contrário das anteriores, esta geração desconhece as consequências de não fazer o fator, porque têm menos hemorragias e consequentemente menos dores. Assim, deixar de administrar poderá ser uma tentação.
O estudo identifica ainda a dificuldade de aceitação da doença, que se pode fazer acompanhar por alguma revolta, o aumento da vontade de experimentar atividades com mais [url-nolink=/pt/medicamentos/DCI/adrenalina/informacao-geral]adrenalina[/url], mas que geralmente acarretam riscos ou a imposição de limites por terceiros, nem sempre fácil de aceitar, que tornam necessária a promoção de condições de responsabilidade.
Na vida adulta, a hemofilia já não apresenta tanta novidade. A maioria das pessoas já está adaptada ao tratamento e geralmente possui uma atitude segura e de aceitação da doença e são autónomas nas suas tarefas.
No entanto, também esta fase não está isenta de desafios ou tensões. A falta de tratamento adequado e o desconhecimento da doença no passado deixaram sequelas físicas que implicam ainda lidar com a reação dos outros. Isto traduz-se num aumento das limitações físicas e num impacto laboral, com faltas no trabalho.
Instala-se a apreensão com o futuro. Ao mesmo tempo que são testemunhas da grandiosa evolução do tratamento, sentem-se inseguros e ávidos para usufruir desses avanços. É, por tudo isso, necessária a criação de condições de integração social, com personalização dos cuidados, disseminação de informação e conhecimento para a sociedade, com destaque para as empresas.
O entendimento da realidade dos seniores com hemofilia é recente e ainda pouco conhecida, dado que a expetativa de vida antes dos tratamentos atuais era muito mais baixa.
Mas, atualmente, a expetativa de vida é praticamente a mesma das pessoas sem a doença, sendo os problemas também semelhantes, exceto pelo fato da hemofilia dificultar o tratamento de outras doenças típicas da idade.
Algumas pessoas relatam a dificuldade de conhecer os seus direitos e de receber por eles, de manter a autonomia e conseguir viver com a dor, mais frequente, já que, contrariamente às crianças de hoje, não tiveram acesso à mesma qualidade e prontidão de opções de tratamento.
Para estes, é preciso fácil acesso a informação sobre os seus direitos, aumentar a informação acerca dos cuidados sobre outras doenças, ter equipas de saúde centradas nas necessidades da pessoa portadora de hemofilia e que intervêm de modo holístico e personalizado.
“Contamos com todos na apresentação e discussão deste estudo, quer pessoas com ou sem a doença, pois ainda há muito que não se sabe sobre a mesma e isso tem de mudar”, acrescenta o presidente da APH.