A varicela é, provavelmente, a infeção viral mais comum nos primeiros anos de vida e poucos serão os que chegaram à idade adulta sem ter apanhado "bexigas" ou, pelo menos, assistido ao habitual leque de sintomas: pontos vermelhos que se transformam em bolhas de líquido que mais tarde rebentam, deixando crostas. E tudo isto acompanhado de comichão… muita comichão!
Popularmente conhecida no Brasil como catapora, a varicela é uma virose característica da infância, altamente contagiosa, que causa uma erupção cutânea vesiculosa e pruriginosa, facilmente transmissível por aerossóis produzidos pela tosse e espirros ou por contacto pele-pele entre o infetado e uma pessoa suscetível.
A doença ocorre em todo o mundo, afetando pessoas de todas as raças, género e idades. Porém, a maior parte dos casos acomete as crianças antes dos 10 anos de idade. Em Portugal há evidências de que cerca de 57 por cento das crianças com 6 anos de idade já esteve em contacto com o vírus. Aos 20 anos de idade cerca de 95 por cento dos indivíduos já foram infetados, e esta percentagem tende para 100 por cento com a idade, o que permite estimar que o número de casos por ano no país ronde os 100 mil.
A infeção caracteriza-se pelo desenvolvimento de afeções cutâneas características – manchas avermelhadas de pequenas dimensões, que na sua evolução acabam por provocar pequenas lesões à superfície da pele ao secarem. As bolhas desenvolvem-se sobretudo no tronco, mas há também possibilidade de surgirem no rosto e couro cabeludo ou mesmo de se espalharem por todo o corpo.
O agente etiológico da infeção é o vírus varicela-zoster (VZV), um membro da família Herpesviridae, subfamília alphaherpesviridae, e um vírus de DNA de cadeia dupla.
Como outros herpesvírus, o VZV tem a capacidade de quiescência, permanecendo latente nos gânglios nervosos durante anos, podendo reativar em 10 a 30 por cento dos indivíduos sob a forma de herpes zoster (zona).
Inicialmente o VZV infeta as vias respiratórias superiores aquando da inalação de gotículas contendo o vírus, pelo paciente suscetível. Uma vez presente no trato respiratório, o vírus alcança o sistema linfático através do qual se difunde para o resto do corpo – fígado, baço e sistema retículo-endotelial.
O seu reconhecimento pelo sistema imunitário humano resulta em imunidade humoral e celular. Esta resposta imune desencadeia um processo inflamatório que se traduz em febre, inflamação da garganta, dores de cabeça e mal-estar.
Após um período de incubação de 10 a 23 dias, o vírus atinge as mucosas e a pele dando origem às pequenas vesículas sobre a cara e a parte superior do tronco. O indivíduo torna-se contagioso para outros suscetíveis, desde um dia antes até sete dias após o aparecimento das erupções cutâneas.
De entre os fatores de risco para contrair a infeção salienta-se o facto de nunca ter sido afetado pelo vírus, conviver com crianças (mais propensas a contrair a doença) na creche ou escola, proximidade de pessoa infetada, e não ter sido vacinado. A boa notícia é que a pessoa que tenha tido varicela desenvolve imunidade permanente, não obstante o vírus permanecer inativo no organismo depois da infeção inicial, tornando-se por vezes reativo mais tarde.
Manifestações clínicas e Diagnóstico
A varicela é uma epidemia sazonal. Os surtos ocorrem, geralmente, no outono, coincidindo com a chegada de novas populações de crianças suscetíveis às aulas, bastando o contato com uma criança infetada, para se iniciar a epidemia.
A sintomatologia tem início 14 a 16 dias após a exposição, o que corresponde sensivelmente ao período de incubação já referido. Na maioria das crianças a erupção cutânea, ou exantema, e os sintomas gerais ocorrem em simultâneo. Porém, em crianças mais velhas, adolescentes e adultos pode haver um período prodrómico (prévio ao aparecimento do exantema) de um a dois dias com febre, dores de cabeça, fadiga e mal-estar geral, dor de garganta, dor abdominal ligeira e diminuição do apetite, seguido então do rash.
A elevação da temperatura em geral é moderada (38º – 39ºC axilar), podendo atingir os 40ºC. A febre e outros sintomas sistémicos podem persistir durante 2-4 dias após o início da erupção cutânea.
Geralmente, as lesões na pele aparecem primeiro no couro cabeludo ou na face, espalhando-se depois para o tronco, axilas, braços, pernas e boca, atingindo raramente as palmas das mãos ou as plantas dos pés. É característico o aparecimento das lesões em surtos e com uma distribuição centrípeta/central, convergindo da periferia para o centro, concentrando-se mais no tronco.
O número médio de lesões causadas pela varicela é de cerca de 300, porém as crianças saudáveis podem apresentar entre 10 até mais de 1500 lesões. Começam por ser pequenas manchas vermelhas ou máculas, dispersas, que provocam muita comichão, causando grande incómodo para a criança. Estas manchas vão ganhando relevo e em poucas horas, transformam-se em pequenas bolhas com conteúdo líquido límpido (semelhante a gotas de água) e depois turvo a que se chama vesículas. Estas bolhas cheias de líquido secam e formam crostas em alguns dias. De realçar que numa mesma área do corpo podem observar-se lesões em diferentes fases de evolução, o que é muito característico da varicela.
Podem ainda ser atingidos outros locais do corpo como, por exemplo, as mucosas. A rutura rápida das vesículas nas mucosas origina ulcerações superficiais, principalmente:
– a nível do palato (céu da boca), podendo provocar dor de garganta e dificuldade em se alimentar,
– na faringe e laringe, surgindo por vezes rouquidão e perda da voz associadas,
– nas pálpebras e conjuntivas, podendo resultar em conjuntivite,
– nos genitais, ocasionando irritação local e dor.
Quanto ao diagnóstico, nos casos típicos, ao observar a criança o médico costuma reconhecer facilmente a doença com base nas características clínicas e na sua evolução. Não é necessária, habitualmente, uma avaliação laboratorial no diagnóstico da varicela em crianças saudáveis, e só muito excecionalmente se tem de fazer uma medição dos valores de anticorpos no sangue para identificar o vírus em laboratório.
Se necessária, a deteção do ADN viral pode ser feita por PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) e a deteção dos antigénios virais ou de anticorpos específicos pode ser feita por imunofluorescência. Uma vez estabelecido o diagnóstico, o médico decidirá qual o tratamento mais adequado para cada caso.
Tratamento e cuidados para evitar possíveis complicações
O tratamento para a varicela é essencialmente sintomático podendo variar consoante os casos clínicos.
Podem ser utilizados vários medicamentos para combater os sintomas da doença. Para controle da febre e da dor usam-se, por exemplo, fármacos de ação antipirética e analgésica – sendo o paracetamol o mais comum.
Mas atenção! Nunca deve dar-se ácido acetilsalicílico ou derivados (como a Aspirina®, ou Aspegic®) a crianças com varicela, pois a sua utilização pode conduzir ao desenvolvimento de uma reação grave – a síndrome de Reye. São igualmente de evitar os anti-inflamatórios não-esteroides (ibuprofeno) pois parece estarem relacionados com o aparecimento de fasceíte necrosante.
Um aspeto muito importante do tratamento é procurar aliviar o ardor e prevenir o coçar, que pode provocar uma sobreinfecção das lesões. Para tal, deve recorrer-se a agentes antipruriginosos e calmantes da pele como, por exemplo, a calamina, banhos de água morna com aveia coloidal, e em alguns casos, à administração de medicamentos sedativos e anti-histamínicos.
Apesar de existir um medicamento de ação antiviral – o aciclovir – eficaz no tratamento da doença, este não é recomendado para uso rotineiro em crianças saudáveis com varicela mas sim, e apenas, nalgumas situações, tais como: idade superior a 12 anos, doenças pulmonares ou cutâneas crónicas, imunocomprometidos, crianças a fazer terapêutica prolongada com salicilatos ou corticoides, aparecimento simultâneo de um segundo caso na mesma família em que há maior risco de varicela moderada ou grave. A eficácia do aciclovir é significativamente maior se administrado nas primeiras 24 h após o início do exantema, pelo que o tratamento deve ser iniciado o mais precocemente possível.
O tratamento seguinte consiste num conjunto de medidas gerais, de onde se destacam:
a hidratação da criança (é muito importante assegurar uma ingestão adequada de líquidos); cuidados de higiene como a lavagem das mãos; a manutenção das borbulhas limpas e secas; manter as unhas curtas e limpas e durante a noite podem cobrir-se as mãos com luvas ou meias; dar banhos de água morna várias vezes ao dia (aproximadamente de 4 em 4 h) nos primeiros dias. Após o banho ter o cuidado de enxugar o corpo com uma toalha macia, evitando esfregar.
No caso de infeção secundária das vesículas é necessário recorrer ao uso de antibióticos tópicos ou por outras vias (nomeadamente a via oral). Nas situações em que a criança tem dificuldade em se alimentar por apresentar lesões na boca dever-se-á optar por bebidas frias e alimentos moles, fáceis de engolir, evitando os alimentos ácidos (laranja, quivi) ou salgados.
A varicela é uma doença tipicamente benigna, autolimitada, que, na maioria das vezes, evolui sem complicações. No entanto, apesar de raras, estas podem surgir, aumentando a morbilidade e mortalidade associadas. Estas são mais comuns nas crianças imunocomprometidas, nos adolescentes maiores de 12 anos e nos adultos.
A complicação mais frequente é a infeção secundária das lesões cutâneas por bactérias – Streptococcus do grupo A (S. pyogenes) e Staphylococcus aureus –, o que raramente constitui um problema sério. Estas infeções, geralmente resultantes do ato de coçar as lesões, podem ser mais ou menos profundas, podendo atingir os gânglios linfáticos ou originar coleções de pus por baixo da pele que se designam abcessos subcutâneos.
Das complicações neurológicas da varicela a ataxia cerebelosa é a mais comum podendo também ocorrer meningite e encefalite mas muito raramente. Outras complicações pouco frequentes são a diminuição do número de plaquetas no sangue, pneumonia, hepatite e inflamação das articulações.
A prevenção ainda é a melhor solução: Vacinação
Mesmo sendo uma doença habitualmente benigna, a sua elevada frequência entre a comunidade infantil condiciona custos sociais e económicos consideráveis, por levar ao absentismo das crianças à escola, e dos pais ao emprego.
O melhor meio de prevenção da varicela é a vacinação. Esta não protege apenas as pessoas vacinadas, mas reduz igualmente a exposição na comunidade aos indivíduos que não puderem ser vacinados por motivo de doença ou outras circunstâncias.
A vacina contra a varicela é uma vacina viva atenuada que visa a proteção de adultos e crianças contra o VZV.
A primeira vacina contra a varicela (estirpe Oka) foi desenvolvida em 1974, no Japão, por um grupo de investigadores que cultivaram o vírus atenuado em células embrionárias de pulmão e, depois, em embriões de porquinhos da índia.
Em Portugal a vacina foi licenciada em 2002, e introduzida no mercado em 2004. São comercializadas no país duas vacinas, a Varivax® e a Varilrix®, que contêm o vírus da varicela vivo, atenuado, da estirpe Oka. Ambas estão autorizadas para administração acima dos 12 meses de idade, em doses de 0,5 ml, por via subcutânea. Em crianças com idade compreendida entre os 12 meses e os 12 anos está indicada uma dose única, mas a partir dos 13 anos devem efetuar-se duas doses com intervalo de 4-8 semanas.
Não existem vacinas 100 por cento eficazes, mas alguns estudos apontam para uma taxa de eficácia na ordem dos 80 a 90 por cento deste tipo de vacina, isto é, em 10 crianças vacinadas, 8 a 9 estarão completamente protegidas de doença grave. De acordo com estudos efetuados em países onde a vacina já foi introduzida há alguns anos, essa proteção parece prolongar-se por mais de 15 anos. Mesmo vacinada, a criança pode desenvolver varicela. Porém, acontecendo, a doença manifestar-se-á com menos sintomas e terá menor duração.
Embora a vacina só esteja indicada para crianças que não tenham tido varicela, não existe qualquer risco acrescido se for administrada a crianças nessa situação. Está, no entanto, contraindicada em crianças com sistemas imunes deprimidos, que estejam a fazer tratamento crónico com corticosteroides ou aspirina, recetores recentes de transfusão de sangue ou derivados, ou com história de alergia à neomicina.
Como qualquer vacina, a da varicela, tem a si associado o risco de alguns efeitos adversos comuns a muitas outras, como irritação, dores de cabeça, alergia aos componentes, febre e mal-estar, riscos que no entanto são bem menores que os da doença em si.
No nosso país a vacina ainda não foi inserida no Programa Nacional de Vacinação (PNV), mas está autorizada pelo Infarmed e disponível para prescrição médica, o que quer dizer que a imunização das crianças contra uma doença considerada altamente contagiosa tem os seus custos. Isso significa que nem todas as crianças estão vacinadas, podendo o vírus disseminar-se e vir a infetar com maior gravidade os não vacinados, adolescentes e adultos.
A vacinação contra a varicela traz, como em muitos outros casos de vacinação, inúmeras vantagens, nomeadamente na prevenção de surtos de varicela graves, redução do absentismo por parte dos cuidadores (normalmente, os pais), o que traz impactos negativos do ponto de vista económico. No entanto, há que ter em conta que a vacinação massiva contra uma doença pode levar à eliminação de algumas estirpes causadores da patologia, mas ao mesmo tempo, favorecer outras estirpes alterando, assim, a sua epidemiologia. Torna-se, por essa razão, importante ponderar a relação risco/benefício no que diz respeito à vacinação contra a varicela.
Nos Estados Unidos, os pais que têm dúvidas sobre a eficácia da vacinação iniciaram, há alguns anos, uma nova moda. Logo que uma criança é infetada pela varicela, os pais desdobram-se em telefonemas para os amigos e conhecidos cujos filhos ainda não ficaram cobertos de pintinhas.
O objetivo é organizar uma "festa da varicela" para tentar transmitir a doença de forma natural ao maior número possível de crianças, que assim ficarão com anticorpos naturais e imunes a futuras infeções. Os convidados são levados a partilhar brinquedos, talheres, copos e comida, para garantir que o vírus circula livremente.
Em Portugal, mesmo sem organizar festividades, há quem promova especificamente o contacto entre doentes e não-doentes: desde a partilha de objetos pessoais até dormirem juntos, na esperança de que o contágio ocorra.
Mesmo assim, há sempre quem nunca apanhe varicela, por muito exposto que seja à doença. Tudo depende das circunstâncias e das respostas dadas pelo sistema imunitário de cada um.
A vacinação continua a ser o melhor meio de proteção contra o vírus, com uma proteção mais eficaz contra doenças mais graves, embora o seu efeito protetor diminua com o passar do tempo.
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