Durante muito tempo vulgarmente designada por flora intestinal, a microbiota intestinal é o conjunto de microrganismos que convivem de forma simbiótica no trato intestinal do ser humano, auxiliando em vários processos, como a digestão dos alimentos e monitorizando o desenvolvimento de outras bactérias que podem potenciar o desenvolvimento das mais variadas doenças.
A flora intestinal pode ser do tipo permanente ou transitória. A primeira está ligada às células da mucosa do intestino e possuem vários microrganismos fixos que proliferam com extrema agilidade e se mostram bem adaptados ao organismo que habitam, enquanto que a transitória não está ligada à mucosa, tendo origem na parte superior do trato digestivo e variando em função da alimentação e do meio ambiente em que nos movemos.
Dada a imprecisão do nome atribuído a este microssistema de “flora…” que poderia levar a subentender algo referente a “planta” e portanto ligado à vida vegetal, sabendo-se que estes microrganismos são bactérias, fungos e leveduras, e não havendo assim qualquer relação com as plantas, foi decidido adotar um nome mais preciso e cientificamente aceite de microbiota, para a antes designada flora intestinal.
Como já foi referido, a microbiota é o conjunto de microrganismos que convivem simbioticamente com os do nosso corpo, excedendo no seu conjunto o número de células do nosso próprio organismo na proporção de dez para um. Todas estas células possuem o seu próprio código genético, que, embora distinto do nosso, está intimamente relacionado com a nossa saúde e bem estar e que os cientistas decidiram chamar de microbioma.
Tal como acontece com uma impressão digital, o conjunto de genes contidos no microbioma humano poderia servir para nos identificar como indivíduos, pois cada microbioma tem características distintas do organismo que o hospeda, sendo assim possível identificar uma pessoa com base na análise de genes de hospedagem.
Ligação cérebro-intestino
Investigações recentes têm revelado que há uma comunicação estreita entre o cérebro e os intestinos, com particular destaque para o papel da microbiota no aparecimento de doenças que podem prejudicar a saúde e influenciar o bom humor.
Na realidade, os intestinos são a todos os títulos um órgão fascinante, a começar pelo seu descomunal tamanho. Nos seus nove metros, enrolado e compactado no interior do ventre, se o conjunto (intestino delgado e grosso), fosse aberto e esticado, ocuparia uma área de cerca de 250 metros quadrados, o equivalente a um court de ténis. Ainda mais interessante é o facto do intestino, tal como o cérebro, possuir neurónios e alojar triliões de bactérias, uma boa parte delas envolvidas em processos cruciais para o organismo no seu todo.
Estima-se que o intestino tenha cerca de 500 milhões de neurónios, bastantes menos que os biliões da massa cinzenta, mas ainda assim os suficientes para formar um sistema nervoso próprio, responsável pela coordenação de tarefas como a libertação de substâncias digestivas e pelos movimentos peristálticos que estimulam a expulsão do bolo fecal.
Os circuitos deste sistema funcionam individualmente, não dependendo do comando central, razão porque o intestino é correntemente designado por segundo cérebro, contrariando assim a ideia generalizada de que se trata de um longo tubo por onde passam os alimentos e são absorvidos os nutrientes, libertando por seu lado os excedentes não digeríveis para o intestino grosso, que depois serão evacuados pelo ânus.
Pesquisas recentes centradas na microbiota mostraram que a diversidade do microbioma intestinal no mundo ocidental está diminuindo em comparação com as sociedades tradicionais de países em desenvolvimento. Por isso, um grupo de cientistas da Universidade de Rutgers (New Jersey, EUA), levantou a questão de ser necessário tomar ações com vista a restaurar e preservar a nossa microbiota intestinal para as gerações futuras, com vista a manter um bom estados de saúde.
Numerosos estudos levados a cabo na última década têm vindo a revelar que um elevado nível de diversidade de microrganismos na microbiota intestinal está diretamente relacionado com um estado mais saudável do corpo humano. Provou-se que a redução desta diversidade microbiana ao longo dos anos devido à industrialização e estilo de vida nas sociedades ocidentais está por sua vez fortemente ligada ao aumento de doenças imunológicas, metabólicas e cognitivas, como a diabetes, obesidade, asma, alergias, doenças inflamatórias intestinais, autismo e outros tipos de transtornos mentais.
Preservar os microbiomas
Para estudar esta nova realidade de variação do microbioma intestinal do ser humano, relacionada com o aumento das doenças crónicas não transmissíveis, em particular a obesidade, são hoje usadas como modelos as populações rurais autóctones de determinada região que emigram para países industrializados. De facto, observações mostravam que essas populações no meio ambiente rural de onde provinham possuíam uma microbiota intestinal mais rica e diversificada registada em humanos, incluindo uma taxa microbiana ausente em populações ocidentalizadas.
Mais recentemente a revista científica Cell publicou dois novos estudos que evidenciam como a variância do microbioma intestinal está relacionada com a emigração de países onde ainda se pratica um estilo de vida de caraterísticas caçador-recolector, para países industrializados. Descobriu-se que as transições dietéticas do estilo de vida têm um efeito dramático sobre a microbiota intestinal, resultando na rápida redução da diversidade microbiana e no aumento do risco de obesidade, o que explica a razão porque essas pessoas ao fim de alguns meses após a imigração se tornam obesas.
A microbiota humana ocidental tem vindo a perder bactérias essenciais ao bom funcionamento da nossa comunidade intestinal bacteriana como os géneros Lactobacillus, Bifidobacterium, Bacteroides, Prevotella, Oxalobacter e outros, grupos bacterianos estes que aumentam a função protetora do microbioma intestinal, melhoram a digestão, a função dos sistemas imunológico e nervoso bem como outras funções menos estudadas.
O que poderemos fazer para atenuar o problema, restituindo ao microbioma as suas capacidades de regeneração por forma a melhorar a saúde da atual e futuras gerações, abrindo caminho para novos tratamentos não apenas para doenças intestinais, mas para outros distúrbios crónicos ligados ao microbioma, como alergias, obesidade e diabetes?
Algumas das etapas mais comummente reportadas pelos investigadores para preservar o estado atual da microbiota intestinal passam por: usar antibióticos com parcimónia e sabedoria; na mulher, reduzir ao mínimo o número de cesarianas desnecessárias e promover a amamentação; reduzir os produtos antimicrobianos como pesticidas e similares no nosso meio ambiente; melhorar a dieta, aumentando as quantidades de fibra e variedade de alimentos para promover a diversidade microbiana e beneficiar a saúde; adicionar alimentos funcionais contendo pro-, pré e pós-bióticos às dietas.
Uma vez que os mecanismos das interações micróbio-hospedeiro e micróbio-micróbio ainda não são completamente conhecidos, ao tentarmos restaurar a microbiota poderemos ter de enfrentar alguns desafios inesperados, uma vez que ainda não foi possível encontrar uma definição genérica para “microbioma saudável”.
Fatores como geografia, idade do hospedeiro, género e genética humana podem afetar a composição e a funcionalidade da microbiota intestinal, impedindo-nos de encontrar uma “fórmula” que sirva para todos.
Considerando o profundo impacto que a industrialização tem sobre o microbioma intestinal, a comunidade científica vê a perda de espécies microbianas como uma ameaça potencial à saúde humana, só comparável às mudanças climáticas, sendo por isso necessário que os benéficos microrganismos ancestrais de pessoas que ainda não estão em contacto com práticas industrializadas sejam preservados.
Para todos nós como comunidade, a tarefa mais urgente é preservar o que resta e resgatar os micróbios que estão em vias de desaparecer bem como criar e manter “bancos de material genético humano” em ambas as sociedades, industrializadas e subdesenvolvidas, pois muito embora a essa tarefa possam estar associados enormes desafios, o trabalho é urgente e tem de ser feito para preservação da saúde das futuras gerações!