ÉBOLA, UM ASSASSINO MISTERIOSO

ÉBOLA, UM ASSASSINO MISTERIOSO

DOENÇAS E TRATAMENTOS

  Tupam Editores

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Nos últimos anos têm-se vindo a avolumar, nos meios de comunicação de todo o mundo, notícias alarmantes sobre o vírus do Ébola, conhecido no entanto há já cerca de quatro décadas devido à sua virulência e elevado grau de mortalidade em humanos e outros primatas.

Até há bem pouco tempo, o impacto deste vírus na vida dos europeus era uma realidade distante, que os transcendia, no que se refere aos dramas sociais que provoca. Porém, nos últimos meses, o foco das atenções tem estado centrado numa área específica do continente africano, abrangendo 5 países da região a norte do golfo da Guiné, em virtude da doença ter galgado fronteiras e atingido os EUA, Inglaterra e Espanha, com casos de transmissão já confirmados fora daquela região, para além do severo agravamento que se verifica nos países diretamente afetados.

É a primeira vez que se registam casos de epidemia do Ébola em que o vírus foi contraído fora de África. O atual surto epidémico começou na Guiné-Conacri em dezembro de 2013, alastrou à Libéria, Serra Leoa e Nigéria, tendo-se registado até ao momento, 8399 casos e 4033 mortes, segundo a OMS, que refere estar agora a espalhar-se mais rapidamente para outras regiões.

É um dos surtos mais severos já registados, seja em número de casos ou vítimas mortais, o que obrigou a (Organização Mundial de Saúde-OMS) a declarar o estado de emergência internacional a 9 de agosto. Quando contraído, o vírus do Ébola é altamente infeccioso podendo matar mais de 90 por cento das pessoas e causando pânico entre as populações.

Neste momento existe um esforço mundial para conhecer em profundidade o vírus e encontrar soluções para controlar a doença, que ocorre geralmente em surtos em regiões tropicais da África subsariana.

Epidemiologia, cronologia e transmissão

O vírus do Ébola surgiu pela primeira vez em 1976 em dois focos simultâneos, em Nzara, Sudão e em Yambuku, um lugarejo próximo do rio Ébola, que lhe deu o nome, na República Democrática do Congo (ex-Zaire). Este primeiro surto de Ébola foi contido com a pronta ajuda da OMS e da força aérea congolesa, colocando em quarentena moradores, esterilizando equipamentos médicos e fornecendo roupas de proteção.

Os surtos seguintes ocorreram em 1995, na República Democrática do Congo, afetando 315 pessoas e matando 254; Uganda em 2000, tendo afetado 425 e vitimando 224; República do Congo em 2003, que atingiu 143 pessoas e vitimou 128, uma taxa de mortalidade de 90 por cento, a mais alta até agora.

Em Março deste ano a OMS constatou a existência de um grande surto de Ébola na Guiné-Conacri, tendo sido identificado como o maior já registado, e o primeiro naquela região e a 8 de Agosto declarou a epidemia uma emergência de saúde pública internacional. Instando o mundo a oferecer ajuda às regiões afetadas, realçou-se o facto de os países afetados até ao momento não terem capacidade de gerir um surto daquela dimensão e complexidade, por meios próprios.

Em meados de Agosto, a organização Médicos sem Fronteiras denunciou a situação na capital da Libéria como "catastrófica" informando que se deteriorava a cada dia e, no final desse mês, a doença já se espalhara para a Nigéria. Nos 3 países mais afetados pela epidemia, Libéria, Guiné-Conacri e Serra Leoa, já morreram mais de 120 profissionais de saúde, em parte devido à falta de equipamentos e longas horas de exposição.

O vírus Ébola está classificado como patógeno de Biossegurança 4 requerendo medidas especiais de contenção e proteção de barreira, particularmente para os profissionais de saúde, dado que a forma de transmissão do vírus ainda não está completamente compreendida.

A Febre Hemorrágica de Ébola (FHE) é provocada por quatro das cinco espécies de vírus classificadas no género Ebolavirus, família Filoviridae, ordem Mononegavirales. Estas quatro espécies são o ébola-Zaire (de todos, o tipo mais virulento), ébola-Sudão, ébola-Bundibugyo e o ébola-Costa do Marfim. O quinto vírus, a espécie Reston, não parece provocar a doença em seres humanos.

Considera-se que os morcegos sejam o reservatório natural mais provável do vírus, tendo também sido consideradas as plantas, os artrópodes e as aves. Sabe-se, no entanto, que a fábrica de algodão onde tiveram início os primeiros casos dos surtos de 1976 e 1979 era o habitat de vários morcegos.

De 24 espécies de plantas e 19 espécies de vertebrados inoculadas de forma experimental com o vírus Ébola, apenas os morcegos foram infetados.

A ausência de sinais clínicos nestes morcegos é característica das espécies reservatório. Até 2005 tinham sido identificadas três espécies de morcegos-da-fruta em contacto com o vírus – Hypsignathus monstrosus, Epomops franqueti e Myonycteris torquata, espécies estas que agora são suspeitas de serem o hospedeiro reservatório do vírus do Ébola.

Pensa-se que a FHE ocorra após o portador inicial humano ter contraído o vírus por contacto com os fluídos corporais de um animal infetado. A transmissão entre humanos pode ocorrer através de contacto direto com o sangue ou fluídos corporais de uma pessoa ou animal infetados, incluindo o embalsamamento de cadáveres, ou por contacto com equipamento médico contaminado, particularmente agulhas e seringas.

Os profissionais de saúde são naturalmente os que têm risco acrescido de contrair a doença. No passado verificou-se que as transmissões em meio hospitalar em África se deviam à reutilização de agulhas e à inexistência de medidas de proteção e precaução universais.

A doença não é transmitida por via aérea de forma natural. No entanto, pode sê-lo através de gotículas inaláveis de 0,8-1,2 micrómetros produzidas em laboratório. Devido a esta potencial via de transmissão, estes vírus são classificados como armas biológicas de categoria A.

A possibilidade de infeções em grande escala por FHE é baixa, uma vez que a doença só é transmitida por contacto direto com as secreções de indivíduos que mostrem sinais de infeção. Por outro lado, a rápida manifestação dos sintomas faz com que seja relativamente fácil identificar os indivíduos doentes limitando assim a capacidade de transmissão da doença durante viagens.

Efeitos económicos

Além das perdas humanas, o surto tem corroído severamente as economias dos países afetados e começa a ter reflexos nos mercados financeiros a nível global, nomeadamente nas bolsas de valores de companhias aéreas e do turismo. Em agosto, foram decretadas tentativas para o conter, como a colocação de controle militar nas estradas a fim de isolar as áreas infetadas e impedir os que poderiam estar infetados de sair e disseminar ainda mais a propagação do vírus.

Em setembro, com o encerramento das fronteiras, o cancelamento de voos das companhias aéreas, a evacuação de trabalhadores estrangeiros e o colapso do comércio transfronteiriço, os défices nacionais da Guiné, Serra Leoa e Libéria foram crescendo até ao ponto de o Fundo Monetário Internacional (FMI) considerar o incremento do seu apoio financeiro aos três países.

Entretanto a OMS, os Médicos Sem Fronteiras e os profissionais de saúde das Nações Unidas criticaram as restrições de viagens por considerarem que, não só não se justificam como podem, potencialmente, agravar a crise na região.

Sintomatologia e prognóstico da doença

O Ébola tem um grau de patogenia de nível 4 (superior ao do HIV que é de nível 2), variando o período de incubação entre 2 a 21 dias. Os sinais dos primeiros sintomas podem aparecer entre quatro a quarenta dias após a exposição ao vírus. Os estádios iniciais do Ébola, têm sido frequentemente confundidos com os de outras doenças, como a Malária, Dengue e Febre Amarela, pois a sintomatologia não é específica desta doença.

Os primeiros sintomas começam com intensas dores de cabeça que serão frequentes ao longo do desenvolvimento da infeção, acompanhadas de mau estar, fadiga, dor de garganta, dor de costas, vómitos, náuseas, diarreia, conjuntivite, artrites e até estado de coma.

Ainda nesta fase surgem manchas vermelhas na face, o que indica tratar-se de um paciente hemorrágico. Após uma semana, o paciente desenvolve uma efervescência hemorrágica, isto é, começa a sangrar das membranas mucosas, ou seja, dos olhos, nariz, boca e ânus.

O seu comportamento também se modifica, passando a ser mais pacífico com períodos alternados de irritabilidade e falta de memória acompanhadas de cegueira, dor no peito e depressão. As transfusões de sangue num paciente neste estado são difíceis de executar, pois o sangue não consegue coagular, tornando difícil parar a hemorragia. A replicação viral continua, assim como a febre hemorrágica, que simultaneamente se desenvolve. O vírus vai destruindo o revestimento dos vasos sanguíneos, daí o elevado sangramento.

Num estado avançado, o paciente começa a sangrar violentamente através dos vómitos e diarreia caracterizando-se assim, como vómito preto devido às manchas negras que aparecem no sangue como causa da progressão da doença, e as vias intestinais são liquidificadas e eliminadas com o sangue. Finalmente o paciente morre devido a enorme perda de sangue, provocando choque terminal.

As primeiras células afetadas são as macrófagas e, consequentemente dá-se a supressão da resposta imunitária. O vírus replica-se e posteriormente ataca os tecidos epiteliais no sistema vascular, causando danos no pericárdio e vasos sanguíneos.

Os órgãos mais afetados são os rins, fígado e os órgãos sexuais que acabam por ser destruídos, assim como os músculos e ligamentos. O córtex é liquidificado e uma hemorragia inicial provoca a ação dos fatores coagulantes resultando na coagulação dos órgãos. Os tecidos ficam isentos de sangue provocando a sua morte e liquidificação.

Enquanto em algumas doenças o prognóstico é claro, na FHE o desfecho é uma incógnita e está dependente de vários fatores incluindo a estirpe viral causadora da infeção, os cuidados médicos disponíveis, e a velocidade do diagnóstico.

Uma vez que os sintomas são bastante genéricos e se assemelham a muitas outras doenças, os pacientes podem ser mal diagnosticados e atrasar o tratamento, que deve ser feito o mais precocemente possível. A taxa de mortalidade da doença ronda frequentemente os 50 a 90 por cento. Todavia, se a pessoa infetada sobreviver, a recuperação é geralmente rápida e completa. No entanto, nos casos de maior duração ocorrem muitas vezes complicações a longo prazo, como inflamação testicular, dores nas articulações, musculares, esfoliação da pele ou perda de cabelo. Têm também sido observados sintomas oculares, como sensibilidade à luz, epífora, uveíte, corioretinite ou cegueira.

Tratamento disponível e em investigação

Por mais preocupante que seja, não existe na atualidade qualquer tratamento ou vacina aprovada para o vírus do Ébola, que não sejam os cuidados de natureza paliativa. Entre as medidas possíveis estão a gestão da dor e medicação para o enjoo, febre e ansiedade, assim como a administração de líquidos por via oral ou intravenosa.

Podem também ser administrados derivados do sangue, como hemácias, plaquetas ou plasma. Têm sido igualmente tentados outros reguladores da coagulação como a heparina, para impedir a coagulação intravascular disseminada, e fatores de coagulação, de modo a diminuir a hemorragia.

Uma vez que na fase inicial o diagnóstico é geralmente inconclusivo têm sido muitas vezes usados medicamentos para a malária e infeções bacterianas. Entretanto, dada a urgência de resposta inicial à epidemia que assola o oeste de África, estão em preparação acelerada vários medicamentos antivirais e vacinas experimentais mas, até ao momento, nenhuma das soluções foi até agora homologada pelas entidades de saúde responsáveis.

Zmapp, da Mapp Biopharmaceutical Inc., Avigan

Entre as opções em investigação, estão os fármacos experimentais Zmapp, da Mapp Biopharmaceutical Inc., Avigan (favipiravir ou "T-705"), da Toyama Chemical, TKM-Ebola da Tekmira, GBV006, da Globavir Biosciences, o AVI-7537, da Sarepta Therapeutics e ainda o designado soro de convalescença (anticorpos de pessoas curadas).

Paralelamente, a GlaxoSmithKline (GSK), está a desenvolver uma vacina a partir de um vetor viral inofensivo a que foram inseridos dois genes não infecciosos do Ébola, esperando-se que esteja disponível para os profissionais de saúde a partir de 2015.

Também a empresa farmacêutica Crucell (Johnson & Johnson) desenvolveu uma vacina contra o vírus Ébola/Marburg, já testada em humanos, estando previsto um novo teste clínico de fase 1, para final de 2015 e início de 2016.

A quarentena tem-se revelado eficaz na diminuição da velocidade de propagação. Geralmente são colocadas de quarentena as áreas onde a doença ocorre ou se suspeita de que as pessoas possam estar infetadas. Em África, o reduzido número de estradas e meios de transporte podem ajudar a travar a velocidade de propagação da doença.

Porém, a prevenção envolve principalmente precauções comportamentais, equipamento de proteção individual e desinfeção. As técnicas para evitar a infeção incluem evitar o contacto com sangue ou secreções corporais infetadas, incluindo as de cadáveres.

Entre as medidas recomendadas durante o tratamento de pessoas suspeitas de estarem infetadas estão o uso de vestuário de proteção adequado, como máscaras, luvas, batas, óculos, esterilização e isolamento do equipamento. A lavagem frequente das mãos é igualmente importante, embora de difícil aplicação em regiões onde a água é escassa.

Devido à inexistência de equipamento adequado e práticas de higiene, as epidemias em larga escala têm eclodido principalmente em regiões isoladas e carenciadas de meios, hospitais ou equipas médicas com formação adequada.

As tripulações de companhias aéreas com escalas para aquelas regiões são geralmente treinadas para identificar o Ébola e isolar as pessoas que apresentem sintomas da doença.

Em Portugal o risco de contágio é baixo e, segundo a DGS, estão assegurados os mecanismos de resposta a eventuais casos que possam surgir. No entanto, devido ao caso paradigmático relatado em Espanha, as normas de segurança estão a ser revistas.

Ainda assim, é preocupante pensar que são necessárias apenas algumas horas para que este vírus viaje através do globo. Não há dúvidas de que com mais estudo e investigação se encontrará a cura, como tem ocorrido no passado com outras epidemias!

É apenas uma questão de tempo. Tempo que escasseia e é necessário encurtar! ...

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
16 de Outubro de 2024

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