CÉLULAS ESTAMINAIS, O INÍCIO DE UM NOVO PARADIGMA TERAPÊUTICO

CÉLULAS ESTAMINAIS, O INÍCIO DE UM NOVO PARADIGMA TERAPÊUTICO

MEDICINA E MEDICAMENTOS

  Tupam Editores

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Muitas das doenças humanas são causadas pela degeneração celular nos tecidos, sendo muito difícil para os médicos proceder à sua reparação.

Em alguns casos, é considerado o transplante de órgãos, mas, na maioria dos países europeus, há um défice de doadores. Existe, no entanto, outra alternativa possível: a terapia celular, inserida na área da medicina regenerativa.

A medicina regenerativa ainda se encontra num estádio de evolução muito primário. Apesar de já se recorrer ao transplante de células estaminais adultas – entre elas, as sanguíneas periféricas, da medula óssea e do córdão umbilical – para tratar algumas doenças, como a leucemia, os investigadores estão conscientes de que muitos anos irão decorrer até se encontrar uma fórmula química capaz de induzir uma célula estaminal embrionária a diferenciar-se numa outra qualquer célula específica.

As células estaminais embrionárias localizam-se na parte interna do blastocisto – estádio atingido quando o óvulo fertilizado chega ao útero, sendo responsáveis pela formação do embrião. As células exteriores do blastocisto, em conjunto com as células maternas, irão formar a placenta.

Estas células estaminais têm duas características extraordinárias: a imortalidade e a pluripotência – diferenciam-se em qualquer tipo de células, podendo, consequentemente, reconstituir qualquer órgão, excepto a placenta.

Há muito que os investigadores estão fascinados por este tema, fascínio este que remonta ao século XVII, encabeçado pelos investigadores Weismann, Roux e Driesch, que se debruçaram sobre o processo de diferenciação. Desde essa época foi percorrido um longo caminho que culminou com o nascimento da ovelha Dolly (1997) e com a criação das primeiras linhas de células estaminais embrionárias (CEE) por James Thomson (1998).

Este investigador, da Universidade de Wisconsin, foi o primeiro a produzir in vitro linhas de CEE a partir de embriões humanos, na fase de blastocistos. Nesse mesmo ano, John Gearhart, do John Hopkins Hospital, criou também uma linha de células estaminais humanas a partir de um feto abortado, por razões terapêuticas, com o consentimento dos pais.

Porém, existe sempre o reverso da medalha. Apesar de muito promissoras, estas células podem provocar mudanças na estrutura do ADN e interacções entre as proteínas. Estas mutações podem levar ao desenvolvimento de cancro. Também a sua exímia capacidade de reprodução pode conduzir a uma divisão celular excessiva e, consequentemente, levar à formação de tumores.

Para criar as linhas de CEE, os investigadores recorrem a embriões armazenados nos Centros Europeus in vitro. Actualmente, existem milhares de embriões armazenados, mas a comunidade científica prevê uma escassez, pois o progresso da tecnologia in vitro irá aumentar o seu sucesso, diminuindo, por conseguinte, a reserva de embriões sobressalentes.

As CEE não são as únicas células estaminais existentes. Há ainda as células estaminais adultas (CEE), que se podem encontrar em algumas regiões do cérebro, na pele e nos tecidos adiposos. À semelhança das CEE, são imortais, mas não são pluripotentes, uma vez que a sua amplitude de diferenciação é limitada.

Contudo, num ambiente in vitro, estas células podem produzir tipos de células diferentes daquelas que produzem in vivo.

Em 2000, uma equipa de investigadores do Karolinska Institute, Suécia, verificou que células estaminais neuronais de ratos adultos podiam diferenciar-se em células do fígado e intestinais.

Outra equipas científicas demonstraram que as células estaminais da medula óssea poderão regenerar o coração e que as células estaminais da pele poderão ser transformadas em neurónios.

O objectivo último da medicina regenerativa baseada nas CEA é poder extrair as células estaminais da medula óssea do paciente, cultivá-las, diferenciá-las num outro qualquer tipo de célula desejado e reintroduzi-las no mesmo paciente, por forma a reconstruir o seu órgão lesionado.

Recentemente foi dado mais um passo nesse sentido. Um grupo de cientistas do Medical College of Georgia, coordenado pelo Dr. Cesario V. Borlongan, vai desenvolver dois estudos, patrocinados pelo Instituto Nacional de Saúde norte-americano, cujo objectivo é descobrir a melhor dosagem e tempo de actuação para a terapia celular estaminal em adultos e recém-nascidos com lesões cerebrais.

Os resultados destes estudos são cruciais para o início das experiências clínicas. Se forem obtidos os mesmos resultados dos estudos-piloto, que indicaram uma melhoria de 25 por cento durante a recuperação, comparativamente com os grupos de controlo, os investigadores irão iniciar as experiências clínicas dentro de dois anos.

A abordagem desta equipa é totalmente inovadora e poderá tornar-se um novo paradigma para tratar a isquemia cerebral.

Actualmente, o único fármaco aprovado pela FDA para tratar ataques esquémicos é o tPA, um destruidor de coágulos. Porém, um diagnóstico tardio e uma janela terapêutica de apenas 3 horas significa que somente uma pequena percentagem dos pacientes chega a obter resultados. Os investigadores acreditam que a terapia celular poderá ser usada individualmente ou em concomitância com o tPA, se por si só não for suficiente. Os estudos-piloto indicaram que este tratamento poderá beneficiar os doentes até sete dias após o ataque isquémico, mas o período óptimo será até dois dias depois. O sucesso da terapia celular deve-se aos factores tróficos, segregados pelas células estaminais, que estimulam significativamente a recuperação de células cerebrais danificadas pela falta de oxigénio e ajudam no crescimento de novos vasos sanguíneos.

Os estudos estão a incidir não apenas em adultos, mas também nos recém-nascidos – nomeadamente nos bebés a recuperar de isquemia hipóxica –, uma vez que as isquemias cerebrais são responsáveis por 10 por cento das paralesias cerebrais e por 80 por cento dos AVCs. Por conseguinte, os investigadores têm modelos para lesões esquémicas fracas, moderadas e severas de modo a reflectir as lesões que resultam dos cenários do enrolamento do cordão umbilical à volta do pescoço do feto ou do rompimento da placenta.

Nesta sua demanda, os cientistas descobriram que cérebros novos e em desenvolvimento adaptam-se melhor às lesões e são mais facilmente recuperáveis, mesmo sem qualquer intervenção. Com esta descoberta, os investigadores esperam aumentar a recuperação espontânea e estimular a neurogénese já em curso no cérebro dos bebés.

De salientar que, depois da inoculação das células estaminais, apenas uma pequena fracção sobrevive, transformando-se em neurónios, sendo que nos modelos bebés estas sobrevivem mais tempo, comparativamente aos modelos adultos.

Até à data, os cientistas ainda não conseguiram estimular o crescimento celular no centro da área afectada pelo ataque isquémico, que é formada em horas. Mesmo quando colocadas directamente no centro, as células estaminais não sobrevivem devido à falta de irrigação sanguínea. Os seus factores tróficos podem, porém, reduzir significativamente a penumbra – a área danificada que circunda o centro e que pode continuar a crescer durante vários dias.

Um dos factores que preocupava a equipa era a reacção do sistema imunitário. Durante os estudos-piloto, esta apercebeu-se de que estas células estaminais não diferenciadas passavam despercebidas e, consequentemente, o doente não necessitaria de tomar imunossupressores.

Outra das grandes preocupações era a formação de tumores, que também foi dissipada. Os estudos-piloto que seguiram os modelos de ratos por dois meses depois do transplante celular não encontraram sinais de formação tumoral. Os novos estudos irão seguir os modelos transplantados durante seis meses de modo a assegurar a eficácia e segurança do método. Os investigadores vão, assim, explorar as dosagens entre os 400 mil e os 40 milhões de células.

A equipa já iniciou conversações com a FDA, mas acredita que serão necessários estudos em modelos primatas não-humanos antes de poderem dar início a experiências clínicas.

Para chegar até aqui, os cientistas caminharam nos ombros de gigantes, tal como Isaac Newton afirmava: If I have seen a little further, it is by standing on the shoulders of giants. Todavia, estes cientistas vão tornar-se, eles próprios, gigantes para que as novas gerações possam caminhar nos seus ombros e, assim, conseguir, no futuro, a produção de órgãos completos in vitro.

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
09 de Abril de 2024

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