Sabia que cerca de metade do limite internacional do consumo calórico recomendado de 200 kcal diárias, provenientes de açúcares simples, pode facilmente ser ultrapassado pela ingestão de uma única dose de 330 ml de refrigerante, o equivalente a uma lata das que estão disponíveis no mercado? Impressionante, não é?
E o mais grave é que o consumo deste tipo de bebidas açucaradas tem vindo a aumentar a nível global nas últimas décadas, existindo evidências de que corresponda, atualmente, a cerca de sete por cento do valor energético total diário.
Um dos problemas em compreender a magnitude e as consequências do consumo de bebidas açucaradas no âmbito da saúde pública é a inexistência de uma definição consensual.
Centers for Disease Control and Prevention (CDC) definiu estes produtos como as bebidas que contêm adoçantes calóricos e incluem os refrigerantes (bebidas não alcoólicas, carbonatadas ou não), sumos de frutas, bebidas energéticas, chá e café com adição de açúcar, assim como qualquer outra bebida em que foi adicionado açúcar, sacarose ou xarope de milho rico em frutose. Embora esta definição se baseie nos adoçantes calóricos, também foram considerados como bebidas açucaradas os produtos com edulcorantes.
Na legislação portuguesa não existe uma definição de bebidas açucaradas, mas existe a definição genérica de "Bebida Refrigerante" ou "Refrigerante" e de diversos tipos de refrigerantes (de sumos de frutos, de polme, de extratos de vegetais, de soda, aromatizado, água tónica e refrigerante adicionado de bebida alcoólica), néctares de frutos, sumos de frutos, sumos de frutos concentrados e sumos de frutos desidratados/em pó.
Em Portugal, os refrigerantes à venda possuem valores muito díspares de açúcares adicionados. No caso dos refrigerantes com extratos de cola, encontram-se no mercado bebidas com valores de açúcar entre zero grama até 11,1 g/100ml; nos que contêm extratos de chá, os valores podem atingir 8,1 g/100ml e nos restantes refrigerantes encontram-se produtos à venda com valores de açúcares até 12,2 g/100ml.
Para se ter uma noção da gravidade do problema, a disponibilidade de refrigerantes no país duplicou entre 1990 e 2012, passando de 101,9 ml por habitante/dia em 1990, para 203,6 ml por habitante/dia em 2012. O aumento do consumo de refrigerantes levanta preocupações sobre as consequências deste tipo de bebidas para a saúde, na medida em que diversos estudos provam estar associado a efeitos adversos com alguma gravidade.
Consequências do consumo de refrigerantes na saúde
No dia 1 de fevereiro de 2017 entrou em vigor em Portugal um novo IEC (Imposto Especial sobre o Consumo) que incide sobre bebidas adicionadas de açúcar ou de outros edulcorantes.
Denominado Imposto sobre o Álcool, as Bebidas Alcoólicas e as Bebidas Adicionadas de Açúcar ou outros Edulcorantes (IABA), abrange desde as bebidas sem álcool mas com açúcar ou outros edulcorantes adicionados (como refrigerantes, chás ou águas gaseificadas) até às bebidas com um teor de álcool superior a 0,5 por cento por volume e inferior a 1,2 por cento.
No novo imposto estão a ser aplicados dois tipos de taxas, uma para os produtos com até 80 gramas de açúcar adicionados por cada litro de bebida, e outra para os produtos com mais do que 80 gramas. Em regra, no primeiro caso o novo imposto implica um aumento de 15 cêntimos por cada garrafa e, no segundo, um acréscimo de 30 cêntimos.
A medida legislativa pretende desencorajar o consumo destas bebidas, de forma a reduzir a ingestão de açúcar em Portugal, que atinge quase o dobro das recomendações máximas sugeridas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Este tipo de medidas deveria ainda ser acompanhada por ações de sensibilização e educação, bem como regulamentação da publicidade alimentar e da informação nutricional presente nos rótulos dos alimentos.
De referir que a indústria dos refrigerantes é, provavelmente, um dos sectores da indústria alimentar com estratégias de marketing mais frequentes e intensas, capazes de influenciar os consumos alimentares.
O resultado está à vista: são vários os estudos que sugerem que a ingestão de bebidas açucaradas promove o aumento de peso, sendo inclusive um dos fatores que conduzem à nova epidemia da obesidade.
Uma explicação é o aumento da ingestão calórica, possivelmente agravada pelo facto de a ingestão calórica na forma líquida não ser acompanhada pela diminuição do consumo de outros alimentos sólidos energéticos, pois os mecanismos fisiológicos de saciedade não atuam como após a ingestão de alimentos sólidos.
Por outro lado, devido a elevadas quantidades de hidratos de carbono de absorção rápida, as bebidas açucaradas podem conduzir a um estado crónico de hiperglicemia e hiperinsulinémia, e ao aumento de peso ou da proporção de gordura corporal.
É ainda referido como possível mecanismo para o aumento do Índice de Massa Corporal (IMC) a redução da ingestão de cálcio, uma vez que a ingestão de bebidas açucaradas pode estar a substituir o consumo de leite. O consumo de refrigerantes é também um dos principais fatores para o desenvolvimento de cáries dentárias.
O desenvolvimento da cárie dentária tem causas multifatoriais, incluindo estrutura dentária, as práticas de higiene oral, a alimentação, o pH e a estrutura dentária. No que diz respeito à alimentação, os açúcares são o fator dietético mais importante na etiologia da cárie dentária, e as bebidas açucaradas, devido ao elevado teor de sacarose, uma das piores escolhas.
O consumo destas bebidas também pode promover a erosão do esmalte devido à sua acidez e, consequentemente, facilitar o desenvolvimento de cáries.
Optar por refrigerantes em detrimento do leite também tem sido associado à redução da Densidade Mineral Óssea (DMO) e consequentemente a um aumento do risco de fraturas ósseas ao longo da vida.
Ainda no que diz respeito à estrutura óssea, o elevado teor de fósforo nos refrigerantes, que atua como um acidificante, e a cafeína, utilizada como estimulante em diversos refrigerantes, principalmente nas bebidas de cola, favorecem negativamente a relação cálcio/fósforo, levando a uma deposição inadequada do cálcio no osso.
Para reduzir a ingestão de refrigerantes, que tantos malefícios provoca, e promover padrões de consumo mais saudáveis é fundamental, antes de mais, perceber quais os determinantes para o consumo dessas bebidas.
Determinantes do consumo de refrigerantes
Para além da idade são vários os fatores que determinam o consumo de refrigerantes, como por exemplo a acessibilidade e a disponibilidade, as características sociodemográficas e o contexto familiar.
No que diz respeito às características sociodemográficas, o consumo deste tipo de bebidas é mais elevado em famílias de menor estatuto socioeconómico. Isto acontece porque as mães das classes sociais mais favorecidas restringem o seu consumo por serem mais preocupadas com as questões da saúde e acreditarem que o gosto das crianças pode ser desenvolvido. Já as mães de baixa classe social são mais permissivas.
Além das características socioeconómicas, a família desempenha uma função importante nos hábitos alimentares das crianças, contudo, ao frequentarem pré-escolas e escolas os professores tornam-se também decisores fundamentais no seu consumo alimentar, sendo elementos importantes para a disseminação de informação aos progenitores, promovendo a melhoria dos hábitos alimentares.
Outro aspeto relacionado com o contexto familiar é a visualização de televisão. Ver televisão tem sido associado a uma maior ingestão de refrigerantes. O facto pode dever-se ao aumento da ingestão durante a visualização de televisão por dificultar a perceção das quantidades ingeridas, ou como resultado dos anúncios destes produtos que promovem o desejo de os consumir.
São também determinantes do consumo deste tipo de bebidas a disponibilidade e a acessibilidade.
O acesso a estas bebidas aumentou ao longo das duas últimas décadas, sendo em casa que as crianças consomem quase 50 por cento destas bebidas; no entanto, estes produtos também se encontram facilmente em cadeias de fast food e outros restaurantes, máquinas de venda automática e cantinas escolares. Porém, este problema tem solução.
No âmbito da promoção de uma alimentação saudável, e a juntar à tributação adicional sobre as bebidas açucaradas contemplada no Orçamento do Estado de 2017, surge agora nova medida com a mesma finalidade.
Assim, segundo com o Despacho n.º 11391/2017, publicado no Diário da República n.º 248/2017, Série II de 28 de dezembro de 2017, a partir de 30 de junho de 2018, as cafetarias e bufetes dos hospitais e centros de saúde vão estar proibidos de vender alimentos salgados, pastéis, produtos de pastelaria, guloseimas e todos os refrigerantes, sejam "light" ou não, sendo a água potável disponibilizada gratuitamente.
Faria todo o sentido que o próximo passo fosse no sentido de promover uma campanha de educação alimentar, vital num país em que os hábitos alimentares inadequados são o principal fator de risco para o total de anos de vida saudável perdidos pela população. É por isso urgente agir, para inverter esta realidade!