Não apenas entre a espécie humana é importante a doação de sangue. A gota da vida pode também ajudar a salvar um animal doente ou proporcionar-lhe melhor qualidade de vida, desde que a dádiva seja realizada entre as mesmas espécies e tipos sanguíneos.
Nesse sentido, a Faculdade de Medicina Veterinária (FMV) da Universidade Técnica de Lisboa abriu, há dois anos, o primeiro banco de sangue do país cuja lista de dadores já inclui mais de uma centena de animais, entre gatos, cães e até cavalos, embora a doação destes últimos esteja ainda em fase experimental.
A condição principal para se tornar dador de sangue é ser saudável, para além de que, entre os gatos ou cães, a idade não pode ser superior aos oito anos e o peso deve rondar os 5 quilos ou mais, entre os felinos, ou à volta de 25 para os cães. As fêmeas não devem estar grávidas ou ter passado por gravidezes anteriores, sendo preferível que sejam esterilizadas ou castradas.
Por outro lado, o dador não deve comer durante 12 horas e beber água durante quatro. Antes da colheita, o animal passa por exames físicos e laboratoriais, com o objetivo de analisar o seu tipo de sangue e despistar alguma doença. A grande vantagem para o dador é que tem o seu estado de saúde sempre controlado, pois deve ter as vacinas em dia e não pode apresentar antecedentes de doenças graves.
É um gesto simples que não custa nada, demorando cada sessão de recolha de sangue entre dez a quinze minutos. A periodicidade deve ser trimestral, sendo que o número de dadores, tal como entre os humanos, é sempre inferior ao sangue que existe disponível. Isto porque as necessidades de transfusões sanguíneas aumentam diariamente, seja para uso nas intervenções cirúrgicas, tumores, acidentes ou doenças infeciosas que causam anemia, como a babesiose e a erliquiose, intoxicações com raticidas, hemorragias, traumatismos, havendo mesmo grandes cirurgias que exigem até um litro de sangue.
Respeitar o tipo sanguíneo do animal é primordial
Tal como entre os humanos, também os cães e os gatos têm diferentes tipos de sangue e a dádiva de um não pode servir para salvar a vida de outra espécie, pois a incompatibilidade pode levar a uma reação fatal para o animal.
Entre os gatos existem três tipos sanguíneos, mas para os canídeos esse número aumenta para treze. O ideal é que tanto o recetor como o dador tenham o mesmo tipo de sangue, embora se verifique que os cães, quando recebem as primeiras transfusões, não apresentam problemas de rejeição a tipos diferentes de sangue da sua espécie. Mas quando são tratamentos prolongados, o risco aumenta consideravelmente, exigindo a utilização de sangue compatível.
O sangue pode ser recolhido sem qualquer tipo de anestesia quando o animal é dócil, embora, ocasionalmente, seja necessário recorrer a calmantes para reduzir a ansiedade do dador e evitar que seja uma experiência negativa e traumatizante. Num cão que tenha o peso ideal pode retirar-se até 450ml de sangue, enquanto que para o felino o volume não deve exceder os 50ml. O objetivo é extrair 20ml de sangue por cada quilo, sendo necessário o contributo de vários animais, sobretudo quando são de porte mais pequeno, para completar um saco entre 400 e 450ml.
À semelhança dos humanos, o sangue recolhido pode ajudar a salvar a vida de até três animais, desde que se faça uma correta utilização dos seus derivados. Quando se pretende conservar a colheita para posteriores utilizações, opta-se por separar os componentes do sangue, podendo o plasma congelado durar por muitos meses e ser doado, mais tarde, a um cachorro com perda grave de proteínas devido, por exemplo, a uma gastroenterite vírica.
Os animais com doenças crónicas ou com anemia também necessitam daquela dádiva com mais frequência, em particular o concentrado de hemácias ou de glóbulos vermelhos. Há outros casos em que o bichinho de estimação apresenta falta ou disfunção de plaquetas, sendo este mais um hemocomponente no qual é separado o sangue recolhido. Contudo, situações mais graves e urgentes, podem exigir transfusões sanguíneas totais com o objetivo de combater hemorragias causadas por intoxicações derivadas da ingestão de venenos.
Ser herói por um dia
Sensibilizar os donos no sentido de inscreverem os seus animais de companhia em listas de doadores é um passo importante para aumentar as reservas de sangue disponíveis. É que um dia pode ser o próprio a necessitar dessa mesma gota de sangue que tão valiosa se torna, tanto aos olhos do animal como do homem. E embora em casos de transtornos crónicos, a urgência possa não ser considerável, quando se trata de doença aguda, como os politraumatismos, infeções ou intoxicações, a demora de alguns minutos na procura de sangue pode ter resultados fatais para o animal. Para piorar o cenário, os 13 diferentes tipos sanguíneos entre cães dificulta a procura de um doador compatível.
O processo de transfusão sanguínea não é doloroso e não implica qualquer tipo de risco para o doador. As técnicas de segurança e qualidade na colheita de sangue correspondem ao mesmo padrão estabelecido pela declaração do Animal College of Veterinary Internal Medicine. A transfusão sanguínea é considerada a forma mais simples de um transplante, sendo que, nos últimos anos, os estudos sobre esta área intensificaram-se, de forma a organizar bancos de sangue com controle de qualidade muito similares ao dos seres humanos, minimizando o risco de transmissão de doenças contagiosas e de reações adversas durante todo o processo.
Em contrapartida, os benefícios são múltiplos, tanto para o recetor que pode ganhar mais anos de vida com qualidade, como para o dador que tem a sua situação de saúde sempre monitorizada e pode tornar-se herói durante um dia.
Banco de ossos também existe
Da mesma forma que se realizam transplantes sanguíneos, animais com perdas ósseas significativas, provocadas por acidentes ou tumores, podem também beneficiar de um transplante ósseo. É um procedimento cada vez mais utilizado em cirurgia ortopédica animal e que pode, em muitos casos, salvar vidas ou evitar amputações. Para isso, os enxertos ósseos devem ser retirados de um animal saudável e livre de doenças infetocontagiosas antes da sua morte. As zonas transplantadas vão servir como plataforma para a formação de novo osso por parte do paciente que poderá, após a intervenção cirúrgica, recuperar e ter uma vida o mais normal possível. Esta é ainda uma técnica muito recente e complexa, sendo importante que os enxertos ósseos sejam bem fixados através de pinos, placas ou parafusos para que a cicatrização primária do osso possa ter sucesso.
À semelhança do que ocorre com as outras ciências, a Medicina Veterinária tem passado por um processo de importantes progressos, tendo em conta que tal como a Medicina Humana, também ela se baseia em estudos em animais. Aproveitar todo o potencial que a medicina pode proporcionar ao animal, é a obrigação de qualquer médico veterinário. No final, quem agradece é aquele bichinho peludo que abana a cauda sempre à espera do dono. Ele pode ser o melhor amigo do homem, mas pode também mostrar solidariedade para seu companheiro de raça, seja através da doação de ossos, tecidos ou daquele líquido precioso que ajuda a salvar vidas.
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