LOBO IBÉRICO

LOBO IBÉRICO

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Nenhum outro animal possui a carga mítico-histórica do lobo. Admirado e adorado por uns, temido e odiado por outros, objeto de fantasias (personificado no Lobo Mau das histórias da nossa infância), e medos irracionais que só degradam a sua imagem – assim é o lobo ibérico, o maior predador e um dos animais mais perseguidos e incompreendidos em Portugal.

De aspeto semelhante a um cão de grandes dimensões, o lobo ibérico, de nome científico Canis lupus signatus, é, contudo, facilmente identificável, por possuir algumas caraterísticas particulares que o distinguem dos cães domésticos.

Atualmente o maior canídeo selvagem, o lobo é um mamífero de grande porte pertencente ao género Canis, e à família Canidae, que se carateriza por uma cabeça volumosa e alongada, quando comparada com o resto do corpo.

Possui orelhas triangulares pontiagudas, e relativamente pequenas; olhos frontalizados, claros, cor de âmbar ou cor de mel (amarelados), e inseridos de forma oblíqua em relação ao focinho forte. A zona da face que envolve a boca é branca e estende-se até à garganta.

Os seus membros são largos e musculados e as patas maiores do que as de qualquer cão, mesmo os de grande porte. Os membros dianteiros são ligeiramente mais altos do que os traseiros, o que lhe confere um aspeto muito caraterístico. Não tem quinto dedo nas patas traseiras. A cauda é relativamente longa e felpuda, e encontra-se normalmente caída entre as pernas traseiras durante as deslocações do animal.

A coloração do lobo ibérico é um cinzento-acastanhado, sendo mais escura no dorso e mais clara no ventre. A pelagem varia sazonalmente, apresentando-se mais comprida, densa e cinzenta no inverno, e curta, escassa e acastanhada no verão.

Os seus membros dianteiros possuem uma mancha negra longitudinal na região "das canelas", mais visível no inverno, que originou a atribuição do restritivo específico signatus (do latim signatus, que significa marca ou sinal). A cauda também é acinzentada como o dorso, e termina com a ponta negra.

O lobo ibérico é, de entre as várias subespécies de lobo, a que apresenta menores dimensões e peso. A altura ao garrote varia entre os 60 a 70cm e o comprimento total entre 140 a 180cm. Relativamente ao peso, um macho adulto pesa em média cerca de 35kg, havendo no entanto animais que atingem os 45kg, enquanto que as fêmeas, um pouco mais pequenas, pesam em média cerca de 30kg.

Toda a massa muscular e estrutura do corpo de um lobo são reveladoras de grande força e resistência física, o que lhe permite percorrer longas distâncias durante vários dias consecutivos. Podem alcançar mais de 30 quilómetros em 24 horas, mesmo em zonas de montanha.

Os lobos comunicam entre si através de um conjunto de sinais visuais, olfativos e auditivos, como sejam marcações de excrementos e urina, esgravatados efetuados com as patas e vocalizações, como por exemplo, o uivo.

Se pensava que as fases da lua tinham alguma influência no uivo do lobo, esqueça! Até porque eles não uivam apenas em noites de lua cheia, nem para a lua.

Os principais motivos para os lobos uivarem incluem: um brado de reagrupamento para a matilha se encontrar; um sinal para informar a alcateia sobre a localização de um lobo; ou uma advertência para lobos estranhos se manterem fora do território.

Não é normal, nem fácil, observar-se um lobo quando se passeia pelo campo, mesmo em zonas em que é conhecida a sua presença habitual. Estes animais são sobretudo notívagos, passando a maior parte do dia a descansar, escondidos em zonas de vegetação densa ou de difícil acesso, só se tornando mais ativos quando chega o pôr-do-sol. É durante a noite que os lobos se aventuram mais em terrenos abertos, percorrendo vários quilómetros nas serras em busca de alimento ou patrulhando o seu território.

No início do século XX o lobo ocupava ainda a quase totalidade do território português, distribuindo-se desde o Minho e Trás-os-Montes até às serras do Algarve. Com a crescente urbanização e desenvolvimento do país o carnívoro foi perdendo habitat para viver, sendo também vítima de uma grande perseguição por parte do Homem. Hoje em dia sobrevive principalmente nas zonas mais montanhosas e de difícil acesso para os humanos.

Em Portugal, o lobo divide-se em 2 núcleos zonais aparentemente separados; um maior a norte do rio Douro e outro mais pequeno a sul deste rio. A norte do rio Douro o animal habita a maioria das zonas de serrania.

Pode encontrar-se desde a serra de Arga no distrito de Viana do Castelo, passando pelas serras da Peneda, Soajo e Gerês na zona do Parque Nacional da Peneda-Gerês, continuando por quase todo o distrito de Vila Real com destaque para as serras do Alvão, Marão, Falperra e Padrela.

Mais para Este, no distrito de Bragança, está presente nas serras de Montesinho, Nogueira e Coroa, estendendo-se até às zonas de Miranda do Douro e Mogadouro e ao vale do rio Sabor. A sul do Douro esta espécie distribui-se pelas serras de Montemuro, Lapa, Arada e Leomil e pelas zonas de Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel e Almeida.

A população portuguesa de lobo-ibérico não está isolada da população espanhola, existindo um contínuo de alcateias, especialmente entre as zonas do Parque Nacional da Peneda-Gerês e a província de Ourense e entre o distrito de Bragança e a província de Zamora. Por outro lado, a sul do rio Douro a população portuguesa parece estar isolada do resto da população ibérica, estando assim mais ameaçada a sua conservação no futuro.

Habitat, alimentação e reprodução

O lobo é um animal generalista na seleção do seu habitat, dependendo este essencialmente da disponibilidade de alimento e dos níveis de perturbação. Habita em bosques abertos, tundra, florestas densas e montanhas onde se refugia em tocas escavadas por ele próprio, ou reaproveitadas de outros animais.

O tamanho do território de uma alcateia varia muito, dependendo da disponibilidade de alimento, do número de lobos existentes na unidade familiar, e da região.

Este mamífero carnívoro baseia a sua alimentação essencialmente em animais de médio e grande porte. Os ungulados selvagens são as presas preferenciais do lobo em todo o mundo, em que se incluem os bisontes, alces, caribus e veados, entre outros. Em Portugal, os ungulados selvagens de que se alimenta o lobo são basicamente o veado, o corço e o javali.

Face à escassez de presas naturais, a alimentação do lobo ibérico na maior parte do país é baseada em animais domésticos. A cabra e a ovelha são os animais mais predados pelo lobo, embora também se possam alimentar casualmente de outros animais, como bovinos e asininos.

O lobo é também um animal oportunista, por isso outros animais podem ser incluídos na sua dieta alimentar, como é o caso de cães que ficam abandonados nas serras, de raposas, coelhos, ou até aves.

Os lobos são animais sociais, que vivem em grupos familiares organizados em alcateias, que são constituídas por um casal reprodutor e pelos seus descendentes, tal qual uma família humana. As alcateias variam no número de animais, podendo ir normalmente de 2 a 10 lobos, na Península Ibérica. No entanto, se o alimento disponível for em grande quantidade, existem alcateias que podem chegar aos 15 indivíduos.

Atingem a maturidade sexual por volta dos cinco anos de idade, mas desde os dois anos que podem reproduzir-se. A época do acasalamento abrange o final do inverno e princípio da primavera (fevereiro a março). Normalmente só uma fêmea por alcateia procria (a fêmea alfa), e isto acontece somente uma vez por ano. Após um período de gestação de 2 meses, por volta de abril ou maio, nascem entre 3 a 8 crias (lobachos), cegas e indefesas.

As crias e a mãe permanecem numa área de criação restrita, sendo alimentadas com comida trazida pelo resto da alcateia. Os locais de criação encontram-se sempre próximo de zonas com água, sejam ribeiros, riachos ou nascentes, e ali se mantêm de ano para ano se não houver perturbações.

Com um mês de idade os lobachos começam as primeiras explorações em volta do local onde nasceram, deixando de estar tão dependentes dos cuidados maternos. Cada vez mais vão-se alimentando de comida sólida trazida pelos adultos e o seu crescimento é rápido.

Exploram áreas cada vez mais afastadas, têm brincadeiras mais elaboradas com os outros e vão treinando outras formas de comunicação, como por exemplo os uivos. Por volta de novembro, os lobachos são quase do tamanho dos adultos e deixam o local de criação, juntando-se ao resto da alcateia nos movimentos por todo o seu território, iniciando assim a sua aprendizagem na arte da caça e da sobrevivência.

Principais ameaças à sobrevivência

A escassez de presas naturais, nomeadamente de corço e veado, faz com que o lobo, na maior parte da sua área de distribuição em Portugal, dependa sobretudo dos animais domésticos para se alimentar, provocando assim prejuízos na pecuária. Por outro lado, essa alteração na ecologia da espécie faz depender a sua conservação da manutenção da pecuária extensiva, o que torna particularmente preocupante tendo em conta a regressão da criação de gado em regime extensivo, que se tem vindo a verificar em algumas áreas do país.

A ausência de medidas que visem fomentar uma proteção mais eficaz dos animais domésticos face ao ataque do lobo (por exemplo distribuição de cães de gado a criadores, colocação de cercas elétricas) torna mais difícil assegurar a compatibilidade da atividade agropecuária com a conservação desta espécie.

O lobo é um predador e, como todos os grandes predadores, necessita de amplas áreas onde possa viver, caçar e reproduzir-se. Por todo o mundo os grandes espaços selvagens são cada vez mais escassos e Portugal não foge à regra. O desenvolvimento e as construções humanas (casas, barragens e estradas) retiram cada vez mais espaço livre disponível para o lobo e tornam acessíveis a pessoas e veículos, zonas que antigamente eram praticamente isoladas.

O mesmo sucede no caso de abertura/melhoria de acessibilidades em áreas isoladas, associada, por exemplo, à implementação de parques eólicos, pedreiras ou à realização de provas todo-o-terreno, por implicar um aumento da perturbação humana.

A destruição/substituição da vegetação autóctone, seja através de florestações de áreas naturais com espécies inadequadas ou de fogos florestais, ao reduzir as áreas de refúgio da espécie torna-a também mais suscetível à perturbação humana acabando por comprometer a sobrevivência e o sucesso reprodutor das alcateias. Além disso, reduz a disponibilidade de habitat adequado para as presas selvagens – como é o caso dos corços e javalis –, comprometendo a existência de populações estáveis destas espécies.

A mortalidade causada pelo Homem – resultante de ações furtivas dirigidas a outras espécies (laço de javali), da perseguição direta a esta espécie (tiro, veneno), do abate fortuito no decurso de atos cinegéticos autorizados (batidas e montarias) e de atropelamentos – constitui outro fator de ameaça para esta espécie.

A existência de cães vadios/assilvestrados na área de distribuição do lobo pode igualmente constituir uma ameaça à conservação do lobo, nomeadamente devido ao aumento da animosidade das populações rurais face ao lobo, como resultado da atribuição de prejuízos àquele predador, muitas vezes causados por cães abandonados.

Outro aspeto que contribui significativamente para que as populações rurais se sintam lesadas pela conservação da espécie é a inexistência de legislação adequada que regulamente o pagamento dos prejuízos causados, contemplando os diferentes sistemas de pastoreio existentes na área de distribuição do lobo, e respetivas medidas de segurança a exigir aos criadores de gado aquando da atribuição de indemnizações.

Estatuto de conservação da espécie

A subespécie existente na Península Ibérica, Canis lupus signatus, possui em Portugal o estatuto de EM PERIGO (Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal), sendo abrangida por legislação nacional específica – Lei n.º 90/88, de 13 de Agosto e Decreto-Lei n.º 139/90, de 27 de abril –, que lhe confere o Estatuto de Espécie Protegida. A nível nacional o lobo ibérico é a única espécie da fauna abrangida por legislação específica, visando estritamente a sua proteção.

No espaço europeu a espécie é protegida pela Diretiva Habitats (Artigo 2.3 da Diretiva 92/43/CEE, estando classificada como Espécie Prioritária nos Anexos II e IV da Diretiva. Os habitats do lobo estão parcialmente listados no Anexo I da Diretiva. O lobo ibérico é ainda abrangido pelas Convenções de Berna (Anexo II), CITES (Anexo II-C2) e Convenção sobre a diversidade Biológica.

O dia 1 de janeiro de 2017 foi a data da entrada em vigor do novo regime jurídico da conservação do lobo ibérico, nomeadamente a proibição do abate, captura ou perturbação da espécie e a destruição dos seus habitats, bem como o regime de indemnizações em caso de ataques de lobo – trata-se do Decreto-Lei n.º 54/2016, de 25 de agosto.

O documento diz que é proibido abater, capturar e perturbar lobos e destruir as suas áreas de reprodução e repouso. As exceções requerem licença do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

É precisamente ao ICNF que compete a elaboração do Plano de Ação para a Conservação do Lobo Ibérico – PACLobo 2015-2020. O objetivo principal é coordenar o esforço nacional para a conservação daquela espécie no país. As medidas para atingir esse fim passam por quatro eixos: potenciar a coexistência do lobo com a presença humana, aumentar o conhecimento sobre a espécie, promover a sensibilização em prol da sua conservação, e articular as medidas de política.

Atualmente, não se sabe ao certo quantos lobos ibéricos vivem em Portugal. O mais recente censo nacional, de 2002/2003, identificou 63 alcateias (51 confirmadas e 12 prováveis) no Norte e Centro do país. A população de lobo ibérico em Portugal foi, então, estimada entre 220 e 430 animais.

Mais tarde, estudos compilados entre 2003 e 2014 davam conta da existência de 47 alcateias (41 confirmadas e seis prováveis).

Sobre esta espécie muito mais se poderia dizer. Perseguido desde há séculos, o lobo ibérico é um sobrevivente. Resistiu às armadilhas, fojos, batidas, armas de fogo, laços e venenos. A sua atração pelo gado doméstico valeu-lhe o estatuto de inimigo a abater. O conflito entre o homem e o lobo, baseado nos prejuízos e em mitos e crenças falsas, contribuiu de forma significativa para a regressão da espécie, e constitui um dos grandes problemas da sua conservação.

O lobo sempre alimentou a superstição. Até finais do séc. XX, na cultura popular, representava tudo o que era nefasto, papel bem patente nas diversas lendas e histórias populares (O Capuchinho Vermelho, Os Três Porquinhos e o Pedro e o Lobo) resultantes da admiração, ódio e medo que o lobo provoca no Homem.

Mas o seu carisma e simbolismo, que outrora foi largamente responsável pela sua regressão, torna-o atualmente, sobretudo junto da população urbana, num símbolo da vida selvagem e da conservação da natureza.

Em Portugal o lobo tem um passado, ainda está presente e, principalmente, merece um futuro. Preservar a espécie é urgente... até porque a extinção é irreversível!

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
24 de Setembro de 2024

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