JAVALI, O PORCO SELVAGEM

JAVALI, O PORCO SELVAGEM

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  Tupam Editores

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De nome científico Sus Scrofa, a principal espécie de porcos selvagens é conhecida por porco-bravo, porco-montês ou javardo e mais comummente por javali. A sua origem remonta a alguns milénios, sendo um animal tão antigo que já era retratado nos desenhos rupestres do homem das cavernas

Desde a Idade Média que o sabor da sua carne, o seu tamanho, ferocidade e bravura fizeram do javali um dos mais cobiçados troféus de caça.

Nativo da Eurásia e da porção noroeste da África, é uma das mais antigas espécies intencionalmente introduzidas pelos humanos no mundo. Hoje está presente em todos os continentes, exceto na Antártida, o que o coloca entre os animais com maior distribuição geográfica, incluindo as ilhas do Atlântico e do Pacífico. A proximidade da espécie com o ser humano facilitou esse processo de dispersão e a colonização de novos ambientes.

Os porcos em geral – grupo em que se inclui o javali – foram domesticados há cerca de 10 mil anos simultaneamente em várias localidades da Eurásia. Eram transportados com frequência para novas áreas e criados soltos, propiciando o estabelecimento de populações selvagens nessas novas localidades.

Em meados do século XVI, o comércio e as grandes viagens pelo mundo fizeram a situação tomar proporções maiores. Parte do sucesso das populações de javali selvagem introduzidas em outros locais pode ser atribuída à plasticidade ecológica e biológica da espécie, capaz de se reproduzir rapidamente e ter grandes ninhadas, dependendo do ambiente e da oferta de recursos.

Nos últimos anos assistiu-se a um crescimento progressivo das suas populações, por exemplo, na Península Ibérica, onde se vislumbrou o seu aumento mesmo em locais onde há muito não eram avistados. Esta expansão ficou a dever-se ao facto de ter ocorrido uma mudança na paisagem das zonas de montanha e das regiões agrícolas (o êxodo das populações rurais para as grandes cidades acarretou o abandono progressivo das práticas agrícolas, muitas vezes tornando-se mais favoráveis ao javali), mas também à sua grande capacidade de adaptação às diversas condições, à sua biologia reprodutiva e alimentar, ao incremento de comida das zonas agrícolas e ao decréscimo dos seus principais predadores, o lobo (Canis lupus), o lince (Lynx sp.) e a águia real (Aquilla chrysaetos).

Em Portugal é comum em quase todo o território, onde existe uma população resultante do cruzamento entre o javali e o porco doméstico. No nosso país é uma espécie cinegética, possuindo o estatuto de "não ameaçado", mas em alguns países como por exemplo no Reino Unido, encontra-se extinto ou o seu número é extremamente baixo, bem como em algumas áreas do Sul da Suécia.

Características físicas, habitat e hábitos

O javali é um mamífero ungulado, pertencente à Ordem Artiodactyla e família Suidae, de médio porte, corpo robusto e peludo. Ao nascer a sua pelagem é ruiva e apresenta listras escuras longitudinais em todo o corpo que desaparecem durante os primeiros meses. Estas listras são miméticas e ajudam os filhotes de javalina, como é denominada a fêmea, a proteger-se contra os predadores.

Em alguns tipos de javali essa pelagem tende mais para o pardo com reflexos negros e noutros para o cinza com nuances patinadas ou grisalhas. A pelagem é composta de cerdas longas, duras e rígidas, sempre forçadas na extremidade e de pelos lanosos mais ou menos longos, segundo a estação. No inverno, como proteção contra o frio, desenvolvem uma sub-pelagem mais curta e sedosa, que perdem no verão.

De perfil afilado, o javali comum caracteriza-se por possuir um focinho longo, com faro muito aguçado, cabeça grande, triangular, com olhos pequenos e orelhas ovais e pilosas.

É dotado de dois pares de presas que, nos machos mais velhos, chegam a atingir 15cm. Na maxila superior possui dois dentes salientes (amoladeiras), e na inferior possui dois dentes de maiores dimensões, sempre bastante afiados – as navalhas ou navalheiros. As presas inferiores, as mais longas, estão sempre em contacto com as superiores, menores e arredondadas.

O seu peito e espáduas são muito poderosos, sendo que o macho adulto concentra cerca de 70 por cento do seu peso na sua porção anterior. Possui membros fortes e ágeis, relativamente curtos, os quartos dianteiros mais robustos que os traseiros, e uma cauda de tamanho médio terminada por um tufo de pelos. A espécie pode chegar aos 167cm de comprimento e 250kg de peso nos exemplares machos adultos, e aos 146cm de comprimento e 150kg nas fêmeas. Normalmente vivem até 20-25 anos, embora no estado selvagem não costumem viver tanto tempo.

Os javalis são animais sociais que vivem em varas ou bandos, formados pelas fêmeas, os seus filhotes e os machos jovens. O amor dos machos mais velhos pela solidão valeu-lhes o apelido de "solitários", pois só se juntam ao bando quando chega a época do cio.

Os seus habitats preferidos são as regiões húmidas e brejosas, cobertas de florestas e carrascos (arbustos de folha persistente). O animal tem o hábito de repousar numa fossa cavada no solo raso, de tamanho que lhe permita alojar todo o corpo. Quando possível, ele atapeta a fossa com musgos, ramos e ervas secas, passando boa parte do tempo aí, sendo esse o seu leito.

Durante o dia fica abrigado no mato fechado, dormindo preguiçosamente, e só ao fim da tarde se movimenta para procurar alimento. Procura também a água e aí brinca longamente. Parece ter uma necessidade absoluta de se refrescar, pois não vacila em percorrer um quilómetro ou mais para o efeito.

Os javalis são animais prudentes, sempre atentos ao que acontece ao seu redor, mas perfeitamente conscientes de sua força e das armas temíveis que têm à sua disposição. E se a sua visão não é muito aguda, a audição e o olfato são excelentes. Ele consegue farejar a presença do homem a 500 ou 600 metros e pára sempre que cruza uma pista recente deixada pelo homem. As suas reações são sempre violentas e impetuosas, embora se mostre por vezes tímido. Corre com muita velocidade, quase sempre em linha reta, sobretudo o macho, evitando volteios bruscos; é bom nadador e atravessa largos cursos de água ou mesmo braços de mar.

As faculdades intelectuais do javali não são tão limitadas como geralmente se crê, dando muitas vezes provas de inteligência e malícia. O seu caráter é, simultaneamente, plácido e irritável. Desde que não seja atacado, o mais robusto varrão não é perigoso para o homem, só se mostrando agressivo contra os cães, os seus mais acirrados inimigos. Porém, todos os javalis, principalmente os machos, são extremamente suscetíveis. Se um homem se encontra, por acaso, face a face com um deles, o animal não se preocupa com ele e simplesmente se afasta a trote; porém, se o homem o desafiar, atacará de imediato sem se preocupar com o perigo. Já a fêmea é menos agressiva, exceto quando acompanhada dos filhotes. Neste caso, ela não hesita em atacar tudo quando lhe pareça representar perigo para a sua prole.

O grito do javali é em tudo semelhante ao do porco doméstico. Quando nada o incomoda, exprime o seu contentamento com grunhidos. Os filhotes e as fêmeas manifestam a dor com gemidos agudos; já o macho, não se lamenta nem quando gravemente ferido, contentando-se com um rugido ameaçador.

De hábitos noturnos, o javali pode ser avistado com maior frequência ao nascer do sol e ao fim do dia, na altura da reprodução, ou quando existe pouca disponibilidade de alimentos, por serem obrigados a percorrer maiores distâncias.

Alimentação e Reprodução

Tal como o porco doméstico, o javali opta por uma dieta omnívora. A sua alimentação é imensa e bastante diversificada, variando de local para local, e consoante o clima. A base da sua alimentação é de origem vegetal, sendo composta por plantas, frutos (castanha, bolotas e azeitonas), insetos, moluscos, pequenos mamíferos, ovos de aves e até por vezes carne em decomposição.

A componente animal, sendo menor, complementa a vegetal, pois é rica em proteínas. Em suma, pode-se dizer que em resposta a variações espaciais ou temporais, diversidade e abundância de alimento, o javali come aquilo que o meio lhe oferece.

Como curiosidade, estes animais chegam a fazer grandes deslocações, até 250km ou mais, para encontrarem o alimento que desejam, sendo este o segredo para o sucesso da espécie, cuja estrutura social é matriarcal e de clã.

Vivem em grupos formados por fêmeas adultas e pelas suas crias jovens, variando entre os sete e os 20 indivíduos. As fêmeas podem juntar-se e formar grupos maiores, havendo registos de mais de 100 indivíduos numa única vara.

O javali é uma espécie precoce, pois as fêmeas ficam prenhes no primeiro ou segundo ano de vida. Entre as javalinas o período do cio começa no final de novembro e dura de 4 a 6 semanas. Durante esta época, os machos solitários juntam-se ao bando, afastando os rivais mais jovens e permanecendo na companhia das fêmeas enquanto estiverem no cio.

Geralmente, as fêmeas têm apenas uma parição por ano, durando a sua gestação de cerca de quatro meses. Uma fêmea pode ter 8 a 10 leitões, embora o número médio se situe entre as 3 a 6 crias que, sendo uma protetora, a fêmea vai esconder em zonas de densos matagais. Antes do parto a fêmea prepara uma cama confortável numa moita fechada e forrada com musgos e folhas. Para o efeito usa vigorosamente o focinho, para abrir sulcos facilmente reconhecíveis no solo, conhecidos por "encarnes", que são verdadeiras camas onde se deitam, e onde aplicam toda a sua técnica quando servem para ter uma ninhada.

Os filhotes ficam reclusos durante o tempo estritamente necessário à busca de alimento. Depois, conduzindo-os pela floresta, ela ensina-os a alimentar-se e a defender-se. É comum que várias fêmeas se agrupem para criar juntas os seus filhotes e desta forma, se uma delas morrer, as outras tomam conta de sua prole.

As diferenças na fertilidade das fêmeas podem ser explicadas por fatores fisiológicos e pela idade das fêmeas (normalmente as primeiras ninhadas são sempre menores), mas também pela densidade populacional, pelo fotoperíodo e pela qualidade e disponibilidade de alimento.

Os nascimentos são condicionados pelas condições climatéricas. Na Península Ibérica nascem no começo da primavera, aproveitando os novos rebentos, mas em zonas onde existe alimento em abundância e com inverno ameno, os nascimentos podem ocorrer mais cedo.

São animais com grande capacidade de modificação do ambiente, sendo considerados engenheiros de ecossistemas, trabalho executado principalmente por meio de chafurdamento – comportamento que consiste em remexer o solo com o focinho, criando fossos e buracos –, e intensificado pela alta densidade populacional da espécie.

Em número elevado, podem causar grande impacto em diversos ambientes, tanto em comunidades vegetais como animais. E esse é um dos motivos que faz com que o javali figure na lista das 100 piores espécies invasoras no mundo, elaborada pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).

Presença em Portugal: pontos negativos e positivos

Uma notícia recente revelou que, entre nós, os javalis se tornaram uma praga, tendo já provocado "centenas" de acidentes nas estradas. As informações foram divulgadas pela associação de caçadores "Movimento Caçadores Mais Caça", mas confirmadas por várias entidades ambientalistas. O problema, segundo dizem, é nacional e preocupante.

No que diz respeito aos acidentes, os números da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária indicam um aumento dos atropelamentos de animais (que provocaram feridos), com 66 casos em 2012, 76 no ano seguinte e 104 em 2014 e 2015.

No entanto, os pontos negativos não se ficam por aqui pois, além dos acidentes, estes animais são responsáveis pela transmissão de doenças como a tuberculose, sobretudo porque os javalis abatidos na caça não são alvo de inspeção veterinária.

Ao que parece existe um problema grave de incidência de tuberculose nos veados e javalis, e o que é pior é que existem casos de transmissão da doença a espécies pecuárias (bovinos), logo com riscos para os humanos.

Perante a gravidade do problema, seria conveniente que os caçadores possuíssem algum meio para identificar eventuais doenças nos javalis que abatem.

Esta "epidemia" de javalis, que além do Homem não têm predadores naturais, acaba por atingir também as crias de outras espécies como perdizes, coelhos e lebres, para lá dos prejuízos agrícolas.

Mas nem tudo é negativo. Para além do valor recreativo como espécie de caça – de referir que em Portugal, o javali é considerado a espécie cinegética de caça grossa mais relevante –, o homem persegue e caça o javali desde os primórdios da civilização pela bravura e devido às características da sua carne, que difere da do porco doméstico na constituição, no sabor e na distribuição e qualidade da gordura.

Na lista das carnes nobres e exóticas o javali apresenta boas propriedades nutricionais. É considerada uma carne leve e saudável por apresentar níveis ínfimos de gordura e uma porção elevada de proteínas.

Com sabor mais acentuado que o porco doméstico, a gordura desta carne, quando ocorre, concentra-se diretamente numa camada superficial logo abaixo do couro, em vez de estar incrustada entre as fibras, o que facilita a sua extração na preparação de cardápios magros, muito apreciados por especialistas gastronómicos.

Para se ter uma ideia, o javali possui cerca de 85 por cento menos calorias que a carne bovina, sendo composta por uma quantidade cinco vezes menor de gorduras. A carne de javali apresenta ainda 31 por cento a mais de proteínas e 15 por cento de minerais excedentes sendo, por essa razão, indicada para pessoas em processo de emagrecimento ou controle dos níveis de colesterol. Em comparação com a carne de porco, chega a ter menos de metade de colesterol por miligrama.

Sobre o javali muito mais haveria a dizer. Em Portugal, e para que se destaquem os pontos positivos, a Ordem dos Médicos Veterinários refere a importância da aprovação da carreira de inspetores sanitários de forma a que todas as espécies para consumo público sejam alvo de inspeção veterinária, salvaguardando assim a saúde pública.

O controlo da população de javalis também tornaria possível contornar os impactos ambientais e económicos originados pela espécie. A resolução do problema pode passar, entre outras medidas, por estas propostas, tornando-se por isso necessário que o poder público tome decisões.

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
24 de Setembro de 2024

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