Cientistas estudam moscas da fruta para entender a depressão
À primeira vista os seres humanos e as moscas da fruta têm muito pouco em comum. Mas ao estudar essas moscas é possível descobrir mais sobre a natureza humana, principalmente no que diz respeito aos transtornos depressivos.
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Com base nisto, uma equipa de cientistas da Johannes Gutenberg University Mainz (JGU) está a tentar obter uma melhor compreensão dos estados semelhantes à depressão e, assim, melhorar os meios para os tratar.
Os cientistas analisaram os efeitos de substâncias naturais usadas na medicina tradicional asiática, como na Ayurveda, num modelo de mosca Drosophila. Alguns deles podem ter um potencial antidepressivo ou profilaticamente fortalecer a resiliência ao stress crónico, de maneira que um estado semelhante à depressão pode nem se desenvolver.
A equipa pretendia, entre outras coisas, demonstrar a eficácia dessas substâncias, identificar as suas formulações ideais e isolar as substâncias ativas reais na forma pura do material vegetal original. A longo prazo, estes podem vir a ser comercializados como medicamentos. Mas há ainda um longo caminho a percorrer, pois trata-se de investigação básica.
Os especialistas submeteram as moscas a uma forma leve de stress recorrente, como fases irregulares de vibração do substrato. Isto resultou no desenvolvimento de um estado semelhante à depressão nas moscas, ou seja, passaram a mover-se mais lentamente, não paravam para examinar o açúcar encontrado inesperadamente e – ao contrário das moscas mais relaxadas – estavam menos dispostas a escalar grandes aberturas.
Durante o estudo, publicado recentemente na revista Current Biology, a equipa também descobriu que se recompensarem as moscas durante 30 minutos na noite de um dia stressante, oferecendo-lhes alimentos com maior teor de açúcar do que o normal, ou ativando a via de sinalização de recompensa, isso pode impedir o desenvolvimento de um estado semelhante à depressão.
Mas o que acontece quando as moscas recebem uma recompensa de açúcar? Já se sabia que possuem recetores de açúcar nos seus tarsos (a parte inferior das pernas) e na probóscide, e já se havia localizado o final da via de sinalização na qual a serotonina é libertada no corpo do cogumelo. O corpo do cogumelo é um centro de aprendizagem associativa nas moscas, equivalente ao hipocampo humano.
As investigações revelaram que o caminho era consideravelmente mais complexo do que o previsto. Três sistemas diferentes de neurotransmissores necessitam de ser ativados até que a deficiência de serotonina no corpo do cogumelo, que está presente nas moscas num estado semelhante à depressão, seja compensada pela recompensa.
Um desses três sistemas é o sistema dopaminérgico, que também sinaliza recompensa nos humanos. Apesar destas descobertas, os seres humanos não devem supor que é boa ideia consumir alimentos com alto teor de açúcar. As moscas percebem a doçura como uma recompensa, enquanto os humanos podem obter o mesmo efeito por outros meios mais saudáveis.
Além disso, os cientistas decidiram procurar fatores de resiliência no genoma da mosca. Tal como os humanos, as moscas Drosophila têm uma composição genética individual – não há duas moscas idênticas nesse aspeto.
Por esse motivo, a equipa pretende descobrir se e como os genomas de moscas capazes de lidar melhor com o stress diferem daquelas que desenvolvem um estado semelhante à depressão em resposta à exposição ao stress leve recorrente.
A esperança é que no futuro seja possível diagnosticar a suscetibilidade genética à depressão nos humanos – e então tratá-la com as substâncias naturais que também estão em investigação no projeto.