DIREITOS DO DOENTE

DIREITOS DO DOENTE

DOENÇAS E TRATAMENTOS

  Tupam Editores

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"É mais importante conhecer a pessoa que tem a doença
do que conhecer a doença que a pessoa tem"
(Hipócrates)

Desde o início da vida em sociedade, e logicamente, desde que o homem passou a assimilar técnicas de cura e diagnósticos dos males que atormentavam a sua vida e a do seu semelhante, a humanidade passou a ver os médicos como verdadeiros deuses, entidades divinas cuja maior responsabilidade era livrar o mundo dos males que o afligiam e devolver a paz, a segurança e, evidentemente, a saúde aos que a haviam perdido.

Mas, afinal, o que é a doença e o que significa "estar doente"? Doença (do latim dolentia, padecimento) designa em medicina e noutras ciências da saúde um distúrbio das funções de um órgão, da psique ou do organismo como um todo que está associado a sinais e sintomas específicos. Estado esse que pode ser provocado por diversos fatores, intrínsecos ou extrínsecos, ao organismo enfermo.

Já "estar doente", vulgarmente, pode significar ser nocivo ou indesejável, ou socialmente desvalorizado. O termo "doente" é usado para fazer alusão ao ser vivo que padece/sofre de uma doença, esteja ou não consciente do seu estado. E aqui é importante dar relevância ao papel do doente tendo em conta a posição que deve assumir um indivíduo quando está com uma doença.

De que forma o seu comportamento e o seu relacionamento com outras pessoas se vai desenvolver e o que deve ser feito para ultrapassar a situação? A verdade é que quando o doente procura um médico, tem já um conjunto de ideias sobre o problema de saúde de que padece, desde a causa às consequências, da gravidade aos tratamentos desejáveis, podendo até já ter consultado outros médicos, e se estas ideias prévias não forem exploradas e discutidas pelo médico durante a consulta, existe grande probabilidade de que o doente não adira ao tratamento proposto e se sinta insatisfeito e frustrado com o encontro clínico.

Sabe-se que apenas uma pequena percentagem das pessoas com sintomas anormais consulta o médico, e quando o faz apenas 1/3 segue completamente as prescrições, 1/3 segue-as parcialmente e 1/3 não as segue de todo.

Isto prova que se não forem valorizadas, exploradas e discutidas as ideias prévias do doente sobre o seu problema, perde-se a oportunidade de criar uma relação de confiança médico-doente (MD) e uma aliança nos cuidados de saúde.

A relação MD e os direitos e deveres de um para com o outro

Desde sempre que uma boa relação MD é condição básica para a prestação de cuidados de saúde de qualidade. Atualmente, como no passado, os doentes valorizam tanto a competência técnica como uma comunicação satisfatória. A boa ou má forma como se é tratado na doença tem tanto, ou mais, peso na nossa memória quanto a eficácia do tratamento e da cura.

Existem fortes evidências de que uma boa comunicação MD está ligada a vários resultados de saúde como melhor saúde emocional e estado funcional, maior resolução de sintomas, melhor controlo de medidas fisiológicas (por ex. pressão arterial, glicemia) e até da dor.

Acima de tudo é importante não esquecer que o doente é uma pessoa que se encontra numa situação de vulnerabilidade – resultante da doença – mas que, por esse simples facto, não deixa de ser titular de direitos, mas também de deveres para com o médico e com o Sistema de Saúde.

A Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes representa um passo no caminho da dignificação dos doentes, do pleno respeito pela sua particular condição e da humanização dos cuidados de saúde, caminho que os doentes, os profissionais e a comunidade devem percorrer lado a lado. Assume-se, portanto, como um instrumento de parceria na saúde. Dignidade humana, equidade, ética e solidariedade são os princípios orientadores que servem de base à Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes.

Assim, todo o cidadão tem direito: à saúde, sem discriminação; a receber cuidados apropriados ao seu estado de saúde (preventivos, curativos, de reabilitação ou terminais); à dignidade e a uma atitude apropriada por parte dos prestadores de cuidados de saúde; à privacidade na prestação de todos os atos clínicos; ao sigilo e à proteção da vida privada; à livre escolha dos prestadores de cuidados de saúde; a obter uma segunda opinião sobre a sua situação de saúde; à informação sobre o estado de saúde, prognóstico, alternativas de tratamento e custos aproximados; a um relatório que reflita pormenorizadamente o seu estado de saúde; a participar nas decisões que digam respeito à sua saúde – particularmente dando ou recusando o seu consentimento, antes de qualquer ato médico ou participação em investigação ou ensino clínico; à recusa de cuidados ou tratamentos; a receber cuidados continuados; à marcação da sua consulta, meio de diagnóstico ou tratamento, dentro de um período de tempo rápido e pré-determinado; a não sofrer dor ou sofrimento desnecessários; à segurança e a compensação, e tem direito a apresentar sugestões, queixas e reclamações das quais deverá receber, em tempo útil, resposta ou informação acerca do seguimento dado às suas sugestões e queixas.

Tão importantes como os seus direitos, o doente tem também o dever de: se abster de atitudes, comportamentos e hábitos que ponham em risco a sua própria saúde ou a de terceiros; contribuir para a melhoria, ao seu alcance, das condições de saúde familiar e ambiental; colaborar com os profissionais da saúde, nomeadamente respeitando as recomendações que são feitas e fornecendo todas as informações necessárias para a obtenção de um diagnóstico correto e um tratamento adequado; respeitar o pessoal de saúde e as regras de funcionamento das instituições, nomeadamente honrando as marcações das consultas e informando, tão cedo quanto possível, se existir impossibilidade de comparecer; respeitar os direitos dos outros utentes; utilizar os serviços de saúde, suas instalações e equipamentos, de forma apropriada e responsável; não pedir ou pressionar os profissionais da saúde para que forneçam documentos e informações que não correspondam à realidade dos factos, e de colaborar na redução de gastos desnecessários e comparticipar nos custos da saúde, de acordo com as suas possibilidades.

A doença, com todos os seus condicionantes, exige, na maior parte das vezes, o acompanhamento por parte de um familiar ou amigo, seja no acesso ao serviços de urgências ou, e principalmente, em caso de ser necessário o internamento.

Até porque, no processo de recuperação, o familiar tem um papel tão importante quanto os médicos, enfermeiros, tratamento e medicamentos.

O acompanhamento do utente nas urgências e na hospitalização

O direito de acompanhamento do utente do sistema de saúde está, há muito, consagrado na legislação portuguesa. A título exemplificativo, a Lei n.º14/85, de 6 de julho, relativa ao acompanhamento da mulher grávida durante o trabalho de parto, foi aprovada em 1985. As disposições relativas a tal direito encontravam-se, porém, dispersas em legislação diversa.

Mais recentemente, foi aprovada a Lei n.º15/2014, de 21 de março, que veio congregar num só diploma as regras relativas a este direito. Ao mesmo tempo, este diplomas apresenta algumas novidades, como seja o facto de o direito ao acompanhamento passar a estar consagrado, também, nos estabelecimentos privados de saúde. Refira-se que a Lei n.º14/85, de 6 de julho, limitava tal direito às instituições do SNS.

Pode dizer-se que existem três tipos de acompanhamento a que o doente tem direito. Em primeiro lugar, é de referir o direito ao acompanhamento em urgência, que, ao contrário dos restantes, só é aplicável ao utente do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Ou seja, qualquer utente que dê entrada no SNS em urgência terá direito a ser acompanhado por uma pessoa por si indicada, que poderá, ou não, ser seu familiar.

Em segundo lugar, existe o direito ao acompanhamento da mulher grávida. Este direito existe em todas as fases do trabalho de parto. A partir do momento em que a parturiente inicia as contrações e até ao momento do nascimento, poderá ser acompanhada, por uma pessoa da sua escolha.

Por último, mas não menos importante, é de mencionar o direito ao acompanhamento de pessoa com deficiência, em situação de dependência ou com doença incurável em estado avançado ou em estado final de vida, e das crianças. A pessoa com deficiência, em situação de dependência ou com doença incurável poderá escolher o seu acompanhante. Em alternativa, será acompanhado permanentemente e de forma gratuita, por ascendente, descendente, cônjuge ou equiparado. O menor de idade internado em instituição do SNS, ou privada, tem direito a ser acompanhado permanentemente, também de forma gratuita, pela mãe ou pelo pai, ou por pessoa que os substitua.

Este é apenas um dos direitos fundamentais mencionados na Carta da Criança Hospitalizada, adotada em 1988 em Leyden, Holanda. Todas as medidas tomadas ou deduzidas a partir desta devem, em primeiro lugar, ser consideradas no melhor interesse da criança e para melhorar o seu bem-estar.

Assim, em primeiro lugar, a admissão de uma criança no hospital só deve ter lugar quando os cuidados necessários à sua doença não possam ser prestados em casa, em consulta externa ou em hospital de dia.

Aos pais devem ser facultadas facilidades materiais sem que isso implique qualquer encargo financeiro ou perda de salário, devendo também ser sempre informados sobre as regras e as rotinas próprias do serviço para que possam participar ativamente nos cuidados do seu filho.

Ambos, crianças e pais, têm direito a receber informação sobre a doença e os tratamentos adequados à idade e à compreensão, a fim de poderem participar nas decisões que lhes dizem respeito.

Deve também ser evitado qualquer exame ou tratamento que não seja indispensável, e reduzir ao mínimo as agressões físicas ou emocionais e a dor.

Tal como nos doentes adultos, a intimidade da criança deve ser respeitada. Esta deve ser tratada com tato e compreensão em todas as circunstâncias.

As crianças não devem ser admitidas em serviços de adultos. Devem ficar reunidas segundo a idade para beneficiar de jogos, recreios e atividades educativas adaptadas à idade, com toda a segurança, devendo as visitas ser aceites sem limite de idade.

O hospital deve providenciar um ambiente que corresponda às suas necessidades físicas, afetivas e educativas quer no que respeita ao equipamento, ao pessoal e à segurança.

A equipa de saúde responsável deve ter a formação adequada para responder às necessidades psicológicas e emocionais das crianças e da família, e deve estar organizada de modo a assegurar a continuidade dos cuidados a prestar a cada criança, de modo a reduzir a possibilidade de ocorrência de má prática ou falha.

O "erro médico" e os meios de apoio ao doente

"Erro médico". A expressão, ainda que popular, é equívoca, até porque os erros ou má prática que ocorrem no sistema de saúde, são umas vezes responsabilidade dos médicos, outras do sistema, e outras de elementos do pessoal (enfermeiros, técnicos, etc...) que não os médicos. Por isso, o mais correto seria falar-se em erros na saúde.

E a responsabilidade destes "erros" deveria também ser partilhada pelo doente. Não só existem várias medidas que este pode tomar para assegurar a qualidade dos cuidados que lhe são prestados, como fazê-lo é um dos seus principais deveres, enquanto paciente.

Na origem dos erros na saúde interagem componentes individuais, de sistema e/ou de ambiente, podendo ocorrer em qualquer setor, dos procedimentos mais simples aos mais complexos.

A medicação corresponde a, pelo menos, um terço de todos os eventos adversos. Da prescrição, à dispensa do medicamento, à administração, e até na toma, são muitas as oportunidades para que algo falhe, por isso um papel proativo do doente reveste-se de especial importância. Esta foi a razão porque o Infarmed, recentemente, atribuiu mais um direito ao doente. O de notificar as autoridades, diretamente ou através do seu médico, farmacêutico ou enfermeiro a ocorrência de eventuais efeitos secundários dos medicamentos, contribuindo a notificação para que estes se tornem mais seguros.

Para além da medicação, toda e qualquer falha ocorrida – seja por imprudência, negligência ou imperícia –, durante a prestação da assistência à saúde que tenha causado algum tipo de dano ao paciente é considerada "erro médico", independentemente do profissional de saúde que atuou.

Por exemplo, são considerados "erro médico":

O cirurgião que ao realizar uma cirurgia esquece uma compressa ou instrumento cirúrgico no abdómem do paciente; o médico que erra grosseiramente na dosagem de um medicamento, provocando danos ao paciente; uma cirurgia plástica estética onde o cirurgião promete um resultado e ocorre uma deformidade grave no paciente, decorrente do ato; paciente que apresenta queimaduras na pele devido a radioterapia inadequada; sequelas em membros, devido a engessamento incorreto; erro em resultado de exame laboratorial, laudo de ultrassom, radiografia, etc, que provoque uma conduta lesiva ao paciente; paciente que sofre queda do leito, porque este não tinha proteção ou porque não houve observação adequada; contaminação pelo vírus da sida, hepatite e outras doenças devido a transfusão de sangue contaminado, entre outras situações igualmente graves.

E de que forma a lei protege e apoia o doente que tenha sido vítima de "erro médico"?

Apesar de os portugueses se queixarem cada vez mais dos serviços de saúde, muitos ainda se calam por desconfiarem dos reais efeitos da reclamação ou por medo da reação dos profissionais. Sabe-se, contudo, que pôr em prática os direitos e responsabilidades dos doentes melhora a relação com o médico, diminui os erros e aumenta a qualidade dos serviços.

Assim, sempre que num hospital, público ou privado, o serviço não seja do agrado do utente este dispõe de três meios para reclamar: o Livro de Reclamações, vulgarmente conhecido por "Livro Amarelo"; o Gabinete do Utente (criado pelo Despacho Ministerial nº 26/86, de 24 de Julho) ou a Entidade Reguladora da Saúde (ERS).

Qualquer reclamação ou sugestão pode ainda ser apresentada por via postal, fax, através da internet ou no Portal da Saúde (e-mail info_portal@sg.min-saude.pt). A ERS tem também disponível, no seu portal, um livro de reclamações que os utentes podem utilizar para expor as suas reclamações, sendo que todas as exposições são registadas, analisadas e decididas nas instituições que lhes deram origem.

A maior parte das queixas nas unidades de saúde dizem respeito ao setor público e estão relacionadas com a má qualidade da assistência administrativa e com o tempo de espera.

Sabendo que grande parte dos utentes esperam mais do que o definido por lei por uma cirurgia ou por uma simples consulta no centro de saúde, também a Associação de Defesa do Consumidor DECO criou uma ferramenta online que permite aos utilizadores saberem se o tempo de espera está dentro dos limites fixados por lei.

O objetivo da iniciativa é capacitar o cidadão dos seus direitos, nomeadamente, conhecer o tempo de espera estipulado para determinado cuidado e para fazer exercer os seus direitos, incentivando a reclamação. Caso o prazo tenha sido ultrapassado, são disponibilizadas cartas-tipo para reclamar, uma para a ERS e outra para a unidade de saúde.

Apesar de todos os apoios e direitos criados para assistir os doentes, não há quem goste de estar doente, até porque, muitas vezes, é ao sermos atingidos pela doença que nos tornamos mais conscientes de que estamos na terra apenas de passagem…

E aquilo que todos desejamos é a vida, uma vida longa, e a experimentação de sensações agradáveis, a capacidade de relacionar-se, a possibilidade de trocar vivências e afetos, a capacidade de reprodução, a capacidade de trabalho físico e mental, a força física e energética, a ausência de dor e sofrimento, e um estado no qual o corpo sente o mínimo de desconforto e percebe a agradável sensação de "ser no mundo".

Ver mais:
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