É no mínimo estranho falar de psicologia animal se tivermos em conta a definição de psicologia (do grego psique = alma) como sendo a ciência que estuda o comportamento e as funções ou processos cognitivos como memória, perceção, introspeção, raciocínio, criatividade, emoção e crenças, não sendo por isso possível adotar o conceito aos animais irracionais. Contudo, quando se pensa em psicologia há que pensar em psicologias, no plural, pois no fundo são várias abordagens que divergem em alguns aspetos.
Assim, a ideia de psicologia animal faz sentido se pensarmos a psicologia como o estudo do comportamento e o estudo do comportamento não só do ser humano, mas também de outros organismos.
Muitas vezes subestimada, relegada para segundo plano e até confundida com a etologia, da qual difere em vários pontos importantes, a psicologia animal é fundamental para consolidar as restantes vertentes da psicologia.
A psicologia animal, ou psicologia comparada, será então um campo da psicologia que estuda as diferenças de comportamento entre os vários seres vivos e as diferentes espécies existentes, comparando os seus diversos comportamentos.
Porém, não se detém simplesmente a comparar as semelhanças e as diferenças de vários tipos de animais (incluindo a espécie humana), mas assume que para além dessas semelhanças e diferenças existe uma história sobre como a vida mental e o comportamento dessas formas de vida foi evoluindo de uma geração para as seguintes, e mediante o desenvolvimento de novas espécies.
Já há muito se sabe que a vida mental e comportamental dos animais irracionais é bem mais rica do que à primeira vista se supunha. É a sua aparência selvagem, a ausência de linguagem e de gestos faciais como os dos humanos que nos levam, erradamente, a assumir que tudo o que diz respeito à psicologia destas formas de vida é simples.
A psicologia animal tem por objetivo compreender a lógica que existe por detrás do modo de atuar, pensar e sentir destas formas de vida, mas limita-se à comparação dos resultados obtidos em laboratório, resultados esses que acabam por ser um pouco limitados, uma vez que os grupos observados em laboratório nunca abrangem uma população significativa.
As bases da psicologia comportamental foram descobertas graças às experiências do psicólogo americano Edward Lee Thorndike, um dos mais influentes investigadores do comportamento animal.
A partir de estudos com animais em laboratório Thorndike postulou a Lei do Efeito, um princípio de aprendizagem que seria aplicável tanto ao comportamento animal como ao comportamento humano. A Lei do Efeito afirma que as ações que têm resultados agradáveis para o animal (incluindo o homem) tendem a repetir-se, ao passo que as que têm resultados desagradáveis tendem a desaparecer.
Uma das suas experiências mais conhecidas foi, sem dúvida, a caixa problema. Tratava-se de uma caixa de madeira com travas e alavancas que deveriam ser acionadas para abrir a porta e deixar sair um gato que lá havia sido colocado.
Para garantir a “motivação” do animal foi colocada uma porção de alimento do lado de fora, de maneira a que o gato não o pudesse alcançar desde o interior da caixa. Verificou-se então que à medida que o animal era reintroduzido na caixa o número de tentativas até obter êxito diminuía.
O psicólogo norte-americano B. F. Skinner também desenvolveu a sua própria versão de uma caixa problema, conhecida como Caixa de Skinner. O conceito-chave do pensamento de Skinner é o de condicionamento operante, que ele acrescentou à noção de reflexo condicionado, formulada pelo cientista russo Ivan Pavlov.
Os dois conceitos estão essencialmente ligados à fisiologia do organismo, seja animal ou humano. O reflexo condicionado é uma reação a um estímulo casual, e o condicionamento operante é um mecanismo que premia uma determinada resposta de um indivíduo até ele ficar condicionado a associar a necessidade à ação. No condicionamento operante, comportamentos que são reforçados são fortalecidos, enquanto os que são punidos são enfraquecidos.
É o caso do rato faminto que, na experiência na Caixa de Skinner, percebe que ao acionar uma alavanca será compensado com comida. Ele tenderá a repetir o movimento cada vez que quiser saciar a sua fome.
Graças à descoberta de Skinner, hoje (após estudos muitíssimo mais avançados) é possível explicar (e modificar) uma vasta gama de padrões comportamentais de animais como golfinhos, ratos, pombos, cães, e humanos, existindo inclusive estudos com estes resultados em células neuronais.
Mas se na psicologia comparada o comportamento animal é estudado em laboratório, através da etologia é possível obter mais informações sobre o comportamento dos animais no contexto em que estão inseridos, ou seja, no seu ambiente natural para que se sintam livres e sem influências diferentes daquelas às quais são habituados no seu meio ambiente.
Etologia, observar em ambiente natural
A etologia pode ser classificada como uma ciência interdisciplinar, uma vez que depende de fatores como a fisiologia, a ecologia e a psicologia, com o objetivo de compreender o comportamento dos animais, o relacionamento entre eles, grupos e famílias ou animais que vivem isoladamente. Observar as mudanças que ocorrem na natureza. Refletir sobre o comportamento dos animais com os seres humanos e o avanço de investigações sobre o comportamento humano.
Esta “disciplina” foi fundada por Konrad Lorenz e Nikolaas Tinbergen sob influência da Teoria da Evolução de Charles Darwin, tendo como uma das preocupações básicas a evolução do comportamento através do processo de seleção natural.
Segundo Darwin, os organismos mais bem adaptados ao meio têm maiores hipóteses de sobrevivência do que os menos adaptados, deixando um número maior de descendentes. Os organismos mais bem adaptados são, portanto, selecionados para aquele ambiente.
Os seus objetivos e métodos estabeleceram-se de maneira formal apenas no início da segunda metade do século XX, sendo uma área de conhecimento relativamente nova, mas que tem vindo a sofrer um desenvolvimento rápido, e cada dia mais necessário, já que o ambiente tem sofrido alterações frequentes e importantes – efeito de estufa, impacto no meio ambiente, poluição atmosférica, gases, combustíveis fósseis, aquecimento global do planeta, etc.
Como ciência, a etologia cumpre duas funções importantes. Em primeiro lugar, descrever as principais características do comportamento de um animal, e em segundo lugar, averiguar as razões porque um animal se comporta de uma maneira específica, ou seja, explicar a razão de ser dessa conduta animal.
Esse comportamento é determinado tanto por fatores genéticos como ambientais. A parte genética do comportamento animal é constituída pelo acúmulo de características que definem o temperamento geral, tanto herdadas, quanto inatas. O ambiente, por seu lado, influencia no comportamento final do animal, pois os estímulos externos podem determinar tanto fobias ou traumas, como bons comportamentos.
Além disso, existem fatores internos, como as hormonas, lesões no cérebro ou dor, que também podem contribuir para modificar os comportamentos.
Partindo destes pressupostos Tinbergen estabeleceu as famosas “quatro questões sobre o comportamento” de um animal: quais são os estímulos, tanto internos como externos, que provocam o comportamento? (causa); de que maneira esse comportamento aborda a sobrevivência e o êxito na reprodução da espécie? (valor de sobrevivência); como se desenvolve o comportamento do animal ao longo da sua vida? (ontogenia); e, finalmente, de que forma apareceu esse comportamento? (filogenia).
- a análise causal é feita através do estabelecimento de uma relação entre um determinado comportamento com uma condição antecedente, sendo estudados os estímulos externos responsáveis pelo comportamento e os mecanismos motivacionais internos;
- a análise ontogenética envolve uma relação do comportamento com o tempo, estando o interesse voltado para o processo de diferenciação e de integração dos padrões comportamentais no curso do desenvolvimento de um indivíduo jovem;
- a análise filogenética, por sua vez, estuda a história do comportamento no curso da evolução da espécie;
- por último, a análise funcional estabelece uma relação entre um determinado comportamento e mudanças que ocorrem no ambiente circundante ou dentro do próprio indivíduo.
Basicamente, a etologia procura compreender como os animais interagem entre si e com o ambiente, envolve a fisiologia do animal, a ecologia da espécie, a relação com os outros animais, as neurociências e a psicologia.
E é cada vez mais importante que os humanos entendam o comportamento dos animais, especialmente dos seus animais de companhia, razão pela qual a etologia clínica – uma especialidade veterinária relativamente recente –, tem tido um desenvolvimento notável nos últimos anos.
A etologia clínica dedica-se a estudar as mudanças de comportamento dos animais, tendo por objetivos principais o diagnóstico, tratamento e prevenção de problemas de comportamento dos animais. Estes problemas são, muitas vezes, verdadeiras patologias que requerem tratamento farmacológico, além de uma modificação comportamental e enriquecimento ambiental.
Lamentavelmente, os problemas de comportamento dos animais de companhia conduzem frequentemente ao seu abandono ou à eutanásia, uma vez que se deteriora a relação humano-animal com consequências diretas no bem-estar animal.
Um problema de comportamento deve ter a mesma importância que outro problema de saúde do animal até porque muitas vezes há patologias que se desenvolvem com alterações padrão de conduta do animal.
A agressividade, a ansiedade, o comportamento destrutivo, a eliminação inapropriada, a desobediência, o comportamento compulsivo ou repetitivo, a fobia a ruídos e a disfunção cognitiva são os motivos de consulta mais frequentes. A etologia clínica é apenas o caminho para entender a razão destas e de outras alterações de comportamento.
Seja observando os comportamentos dos animais em ambiente natural ou em laboratório, os investigadores podem generalizar e extrapolar esse mesmo comportamento para outros ambientes e outras espécies, como o ser humano, por exemplo. Aliás, compreender o comportamento humano é o objetivo comum entre a etologia e a psicologia animal.
Entender os animais para nos entendermos a nós próprios
O estudo do comportamento animal acompanha a humanidade desde os primórdios. Os homens pré-históricos observavam os animais à sua volta para melhor se defenderem deles, para os caçarem, domesticarem ou, simplesmente, para os conhecer.
Em 5000 a.C. os Sumérios deixaram grafado em argila escritos sobre o comportamento das aves e dos peixes; de Aristóteles herdámos dois volumes onde identifica e classifica diferentes comportamentos do reino animal, com base em observações e interpretações que havia recolhido de viajantes e exploradores que tinham visitado lugares longínquos. Muitos anos depois, Darwin, no século XIX, expôs a sua teoria sobre a evolução através da seleção natural das espécies.
Ao estudar o comportamento dos animais, o ser humano tenta conhecer-se melhor a si mesmo e entender o seu próprio comportamento.
Para além das conclusões obtidas das várias experiências e observações, a psicologia animal e a etologia contribuíram para a conceção de ser humano como atualmente a conhecemos pois, com frequência era considerado uma espécie singular, muito distante e diferente de todas as restantes – hoje sabe-se que não somos assim tão diferentes.
A principal componente no comportamento humano que difere dos restantes animais é a incrível capacidade de aprender e de se adaptar ao meio ambiente. Em contrapartida, no momento do nascimento o homem é o ser mais frágil, mais dependente e que necessita de mais cuidados e durante mais tempo. Nenhuma outra espécie nasce tão frágil e permanece nessa “fragilidade” tanto tempo como o ser humano.
Convém realçar que tanto no ser humano como entre os animais, o comportamento é o resultado da mistura dos genes e do meio. Um meio ambiente mais rico em estímulos origina comportamentos mais inteligentes.
É inegável a importância de compreender o comportamento animal para compreender o comportamento do ser humano, afinal, não devemos esquecer que embora um pouco diferentes continuamos a ser “animais”.
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