MEDICAÇÃO PERSONALIZADA

MEDICAÇÃO PERSONALIZADA

MEDICINA E MEDICAMENTOS

  Tupam Editores

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“A educação dos profissionais de saúde em farmacogenética como parte de seu currículo em farmacologia, e a exposição de seu potencial para a população em geral, serão indispensáveis para o sucesso da medicina personalizada”
(Gurvitz e Rehavi, 2005)

A abordagem generalizada de idêntica terapêutica para todos os doentes diagnosticados com a mesma patologia, seguida durante dezenas de anos, já teve melhores dias. O modelo médico atualmente proposto é a medicina personalizada dos serviços de saúde, ou seja, as decisões médicas, as práticas e os produtos devem ser adaptados ao organismo específico de cada doente.

Laboratório cientistas

No contexto da situação atual e a par de outros campos da medicina moderna e das novas tecnologias, a informação genética hoje à disposição do clínico tem vindo a desempenhar um papel muito importante em alguns aspetos da medicina, possibilitando um nível de personalização nos tratamentos médicos anteriormente impraticáveis ou mesmo inviáveis.

Nas abordagens anteriores, em que o mesmo procedimento ou produto eram aplicados de forma idêntica a todos os casos semelhantes, embora alguns pacientes pudessem realmente ser beneficiados, poderia por outro lado mostrar-se contraindicado ou mesmo desencadear reações indesejáveis, mais ou menos graves, em outros.

Através da farmacogenética, ciência que estuda a variabilidade genética dos indivíduos em relação a alguns medicamentos específicos, podem ser identificados os fatores genéticos que explicam essa variabilidade individual na resposta aos medicamentos. Grande parte da resposta aos fármacos é poligénica, existindo no entanto uma situação monogénica para alguns deles, podendo a variação genética ser somente em um gene.

Hoje, porém, através da análise de determinados biomarcadores, e com recurso a testes de diagnóstico específicos, o médico pode prever a resposta do doente a determinado tratamento, adequando-o à sua patologia, abordagem que constitui a essência da medicina personalizada. Este tipo de medicina proporciona aos profissionais de saúde melhores condições para previsão dos resultados de determinado tratamento, ao mesmo tempo que acelera os processos de decisão.

De facto, os avanços registados na genética humana e médica proporcionaram uma compreensão mais detalhada do impacto da genética nas várias doenças.

Projetos colaborativos de pesquisa realizados a nível mundial, como o Projeto de Genoma Humano, uma iniciativa do National Institutes of Health dos Estados Unidos, que teve como objetivo efetuar o mapeamento do genoma humano e proceder à identificação de todos os nucleótidos que o compõem, constituiu um tremendo esforço para decifrar o genoma.

À iniciativa juntaram-se centenas de laboratórios de investigação de todo o mundo e mais de 5000 cientistas, unidos na gigantesca tarefa de sequenciar, um a um, os genes que codificam as proteínas do corpo humano bem como as sequências de ADN que não são genes. Do projeto, iniciado em 1990 e concluído com sucesso em abril de 2003, resultou o sequenciamento de 99 por cento do genoma humano com uma precisão de 99,99 por cento, segundo então foi anunciado.

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Devido à eficaz cooperação da comunidade científica internacional e ao sucesso obtido, associados aos avanços no campo da bioinformática e das tecnologias de informação, foi possível “entender” a função dos genes no desenvolvimento humano e na fisiologia, tornando viável o uso dos estudos para examinar a variabilidade genética entre os indivíduos e o risco para muitas doenças comuns.

Por outro lado, a criação de estruturas que acolhem e armazenam coleções de amostras biológicas obtidas por doação voluntária, com o objetivo de impulsionar a investigação biomédica, designadas por biobancos, em muito contribuíram para o progresso em áreas como a biologia molecular, exames genéticos, análise metabolómica e medicina molecular, instrumentos que hoje permitem a investigadores e aos clínicos em particular, personalizar os tratamentos com bastante rigor, isto é, lhes permite prescrever medicamentos específicos em função da variabilidade genética dos indivíduos.

Excluindo as variáveis físicas e ambientais, sabe-se que a variabilidade de resposta aos fármacos, entre os pacientes, pode ser atribuída em boa parte à composição genética única que cada indivíduo apresenta, sabendo-se que indivíduos podem reagir de forma diferenciada ao mesmo tipo de terapêutica, dependendo de sua etnia ou variações genéticas de outra natureza.

Os biobancos

Plataformas únicas de apoio técnico à investigação da origem das doenças com grande impacto na saúde dos cidadãos como o cancro, osteoporose, doenças reumáticas e neurológicas, os biobancos dispõem atualmente de milhares de amostras, nomeadamente soro, sangue, saliva, urina, osso, ADN e tecido tumoral, que vêm abrir portas para a identificação de novos testes de diagnóstico, prognóstico e novos alvos terapêuticos. Todas as amostras estão acompanhadas pela correspondente informação clínica, um fator crucial para a investigação posterior.

Teste sanguíneo diagnóstico

Não se sabe ao certo quantos biobancos existem atualmente em Portugal. Sabe-se contudo que na sua generalidade são de pequena dimensão e pertencem a equipas e laboratórios de investigação distribuídos pelos principais centros urbanos do país. Data de 2011 o primeiro projeto desenvolvido pelo Instituto de Medicina Molecular (IMM), para criação de um biobanco humano de âmbito nacional, que hoje acolhe e armazena uma coleção de amostras biológicas doadas voluntariamente e que comporta cerca de 9147 dadores, de modo a impulsionar a investigação.

Desde o início de recolha das primeiras amostras em 2012 até hoje, foram obtidas mais de 60 mil amostras e várias coleções de amostras de ossos, artrite reumatoide, tumores, AVC e doenças motoras, constituindo um importante acervo para o apoio técnico à investigação da origem das doenças de maior impacto para a saúde dos cidadãos.

Como já referido, um biobanco consiste numa coleção de amostras biológicas com os respetivos dados associados aos nomes dos dadores, com finalidades diversas como o diagnóstico, a terapêutica, investigação ou identificação forense.

O Biobanco em Portugal é um consórcio composto atualmente por um conjunto de entidades como o Biobanco-IMM, CEDOC (Chronic Diseases FCM Nova), Instituto Gulbenkian da Ciência, Fundação Champalimaud, Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, Universidade de Coimbra e RNBT (Rede Nacional de Bancos de Tumores). O Biobanco-IMM está integrado na rede europeia de biobancos do BBMRI e cobre as principais áreas clínicas, possuindo 49 coleções ativas de amostras.

As atividades desenvolvidas no âmbito de biobancos levantam questões sociais, políticas, económicas e ético-jurídicas, que exigem a implementação de mecanismos reguladores para salvaguardar os direitos dos dadores, manter a qualidade e rigor científicos e cumprir com os objetivos de âmbito clínico e dos investigadores.

Durante a investigação, que tem por objetivo principal o mapeamento das motivações e expectativas dos cidadãos na doação de células humanas para os biobancos médicos e de investigação científica em Portugal, é importante que a motivação e as perspetivas dos cidadãos sejam incorporadas no processo regulatório.

A metodologia de pesquisa é baseada na combinação de métodos qualitativos, nomeadamente pela promoção de um debate online e o pedido de elaboração de “pequenos ensaios” envolvendo diferentes indivíduos. Os resultados obtidos segundo aqueles critérios permitem a identificação e a exploração das perspetivas públicas nestes domínios e de possíveis mecanismos de participação, permitindo por sua vez, compreender algumas das caraterísticas da “cidadania biológica” dos portugueses.

Oncologia

A farmacogenómica, ramo da farmacologia que estuda a influência da variação genética na resposta de fármacos em pacientes, correlacionando a expressão do gene único com a eficácia ou toxicidade de determinada substância é uma área que continua em expansão e poderá deter as ferramentas necessárias que possibilitem a construção de respostas terapêuticas dirigidas ao perfil genético dos indivíduos e permita respeitar a variabilidade intra e inter-individual.

Doente cancro

Por exemplo, durante o desenvolvimento de uma doença oncológica ocorrem múltiplas e complexas alterações genéticas nas células do tumor, alterações essas que incluem mutações no ADN, causadas por fatores ambientais como poluição, tabagismo e outros, mas também complexos rearranjos a nível dos cromossomas, por isso designados de “mutações somáticas”, distinguindo-se das alterações genéticas hereditárias porque não são transmitidas à descendência.

Assim, para além da abordagem farmacogenética e farmacogenómica, em algumas áreas da prática clínica como por exemplo a radioterapia, o tratamento personalizado também pode aumentar as taxas de sobrevivência. Um estudo recente levado a cabo por um investigador da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra, com o objetivo de perceber qual o impacto da radiação ionizante nos tumores sólidos e hematopoiéticos e suas principais diferenças, concluiu que o tratamento do doente com radioterapia deve ser personalizado, adequando a dose de radiação às caraterísticas celulares e moleculares dos tumores.

Como objeto do estudo desenvolvido, em laboratório e em doentes, foram selecionados dois tipos de cancro: o cancro do pulmão e o linfoma difuso de grandes células B, cujo tratamento integra a radioterapia, tendo-se constatado que “a adequação da dose de radiação às características celulares e moleculares dos tumores pode contribuir para uma maior eficácia no tratamento do cancro e, consequentemente, numa maior taxa de sobrevivência dos doentes” e, em consequência, uma taxa mais elevada de sobrevivência.

Na altura, foi salientado pelo autor que “a radiação ionizante induziu uma diminuição da proliferação, da viabilidade e da sobrevivência celular em todas as linhas celulares”. Na sequência dos resultados obtidos em laboratório, o estudo foi também estendido a doentes - oito com cancro do pulmão e nove com linfoma -, onde foi analisado o reflexo periférico da radioterapia no sistema imune dos doentes.

Apesar do limitado número de pacientes envolvidos na investigação, verificou-se que “a resposta à radioterapia é dependente das características celulares e moleculares das células tumorais”, e que “o melhor conhecimento e compreensão das características moleculares do tumor e dos mecanismos de resposta ao tratamento, constituem uma mais-valia na decisão terapêutica e na avaliação do prognóstico”, isto é, o estado do sistema imunitário no início do tratamento e o tipo de tumor, sólido ou hematopoiético, contribuem para diferenças na resposta ao tratamento com radioterapia.

Conclusão

Ainda não é conhecida cura para as doenças genéticas (oncológicas, imunodeficiência, infecciosas, hemofílicas) potenciais alvos da terapêutica personalizada. Cada célula do corpo contém informação hereditária (ADN), envolta em estruturas designadas por cromossomas ou genes, pelo que, sendo as síndromes genéticas tipicamente resultantes de alterações que ocorrem naqueles elementos, não há ainda tratamento disponível que as possa corrigir.

Porém, em alguns casos, particularmente nos chamados “erros inatos do metabolismo”, o mecanismo da doença é suficientemente entendido e oferece o potencial de manuseio dietético e medicamentoso para prevenir ou reduzir as complicações a longo prazo. Noutros casos, é usada a terapia de infusão a fim de repor a enzima em falta. O desenvolvimento de novas moléculas ou soluções biológicas para o tratamento de doenças genéticas específicas, estão na mira das linhas de pesquisa da atualidade.

Muito embora já tenham decorrido 50 anos após a primeira descoberta no âmbito da farmacogenética, em doentes com uma deficiência enzimática genética comum, que apresenta um quadro clinico muito heterogéneo, as maiores descobertas na área da farmacogenética/farmacogenómica foram realizadas nestes últimos anos, devido à sequenciação do genoma humano, que potenciou uma nova era para a medicina personalizada, baseada na manipulação genética.

Um número crescente de cientistas acredita que o perfil genético do indivíduo é a chave para a terapêutica individualizada que irá permitir incrementar a efetividade da terapêutica e reduzir os problemas relacionados com a segurança.

A indivíduos diferentes correspondem genomas diferentes, pelo que não só podem responder de forma diversa a uma dose predefinida como padrão ideal, quer porque poderão ter capacidades diferentes de absorção do fármaco, mas também porque poderão, por exemplo, ter falta de uma importante enzima do metabolismo desse fármaco, ou ainda porque poderão ter variantes alélicas “normais”, os chamados polimorfismos (variações fenotípicas), com reflexo no metabolismo.

A farmacogenética tem por objetivo potencial, proporcionar o acesso à “medicina personalizada” possibilitando que as decisões que optimizam a saúde do doente se baseiem no seu genoma. Os testes farmacogenéticos têm o potencial de predizerem a resposta pretendida em resultado de uma terapêutica, predizerem as respostas involuntárias como os efeitos adversos, titularem a dose da medicação e fornecerem informação para o desenvolvimento de futuras terapêuticas.

A terapêutica personalizada vai passar no futuro pela abordagem integrada não só das características genéticas, mas também pela inclusão de outros factores, como: as indicações resultantes de um diálogo próximo entre médico e doente; seleção individualizada da terapêutica tendo em conta a melhor alternativa para um indivíduo em particular; escolha da forma farmacêutica e da via de administração mais adequada em função do estado do doente; individualização da dose baseada numa monitorização médica efetiva do doente; adequação da informação a ser prestada ao doente, assim como preparação de suportes informativos, tendo em consideração a sua condição social e intelectual, entre outros julgados pertinentes.

ADN análise

Num futuro próximo, todos os clínicos terão de possuir conhecimentos de farmacogenómica para poderem prescrever os fármacos ideais aos seus pacientes, num tratamento que envolve uma parte considerável da população mundial.

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
24 de Setembro de 2024

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