Se é daqueles que ao ouvir a palavra hipnose pensa num palco iluminado, em truques de ilusionismo, e em pessoas a comer cebola achando que é um doce, esqueça esse conceito, pois não pode estar mais afastado da realidade.
Hoje mais divulgada e acessível, a hipnose continua a ser vista como algo espetacular, mágico, e até perigoso, com base na convicção de que a pessoa fica adormecida, inconsciente, e à mercê da vontade do hipnotizador. Na verdade, isso não acontece, pois no estado de hipnose os reflexos estão presentes e o indivíduo é capaz de perceber o que se passa à sua volta.
Etimologicamente, o termo deriva da junção de duas palavras, uma de origem grega “Hypnos”, que significa sono (significado que provocou a ligação ao ato de dormir, que perdura até aos dias de hoje); e outra de origem latina “osis” que significa ação.
É pertinente, porém, esclarecer que o estado hipnótico é muito mais do que isso, pois liberta o indivíduo para a indução do transe, conduzindo-o a um relaxamento semiconsciente, mas com manutenção do contacto sensorial deste com o ambiente.
Rodeada por muitas ideias erróneas e mitos associados, a hipnose não é mais do que um estado alterado da consciência ou perceção, derivado do afunilamento da atenção – transe hipnótico – frequentemente (mas não necessariamente) com base num profundo e agradável relaxamento.
Este estado alterado da consciência atinge-se geralmente através da combinação da imaginação e da concentração da atenção e do desejo de envolvimento, disponibilizando os indivíduos para imaginar determinadas situações e reagir-lhes emocionalmente, mesmo sabendo que não são reais. Não se trata de um estado de completa falta de controle mental (o hipnotizado nunca fará algo contra a sua vontade) e não pode ser induzido sem cooperação (o indivíduo tem de aceitar as instruções).
A hipnose e a utilização de estados hipnóticos esteve presente durante a toda a história da humanidade. Nas culturas antigas, como o Egipto, a hipnose foi a forma de cura mais utilizada pelos sacerdotes dos templos. Não era usada nos termos formais de hipnose, mas utilizavam-se procedimentos hipnóticos para a cura de dores e doenças.
A prática regular da hipnose teve início no século XVIII, quando o médico alemão Franz Anton Mesmer foi considerado um perigo para a sociedade por uma comissão de cientistas notáveis, que incluía Antoine Lavoisier e Benjamin Franklin, porque supostamente era capaz de “mesmerizar” (palavra que o próprio Mesmer inventou e hoje é sinónimo de hipnotizar), ou seja, enfeitiçar as pessoas contra a sua vontade.
Em 1843, o médico escocês James Braid decidiu trocar o nome de mesmerização para “hipnose”, numa menção a Hypnos, o deus grego do sono. Ele foi o primeiro a adotar uma abordagem mais científica, e conferiu esse nome à pratica porque acreditava que se tratava de uma espécie de sono induzido.
A partir de Braid (1795-1860), a hipnose passou a ser estudada por outros célebres investigadores, como o francês Jean-Martin Charcot (1825-1893), considerado o pai da neurologia, o psicólogo russo Ivan Pavlov (1849-1936) e o próprio Sigmund Freud (1856-1939), que chegou a hipnotizar os seus pacientes em início de carreira.
Entretanto, desde a sua popularização por Charcot e Freud, a hipnose passou por grandes transformações. A hipnose moderna é muito diferente da hipnose de palco, que atua numa relação de poder entre médico e paciente, e não envolve pêndulos nem uma atmosfera de mistério.
A imagem mística presente até então mudou com o trabalho desenvolvido pelo psiquiatra norte-americano Milton Erickson, no final da década de 1950. Erickson passou a associar a hipnose às psicoterapias de forma bastante diferente da utilizada até então, tendo criado uma forma inovadora de abordagem.
A hipnose moderna, também chamada de ericksoniana, é uma ferramenta principalmente linguística, uma forma ampliada de comunicação. Um médico pode usar linguagem hipnótica para conquistar um resultado mais eficaz com um paciente.
É, aliás, a nível terapêutico que a hipnose tem demonstrado o seu enorme potencial, ao resolver inúmeras problemáticas do foro psicológico, emocional e físico.
A hipnose como ferramenta terapêutica
Sabendo que a hipnose não é um sono induzido mas um estado profundo de relaxamento – físico e mental – no qual se consegue abrir o “sensor crítico” do cérebro e penetrar no inconsciente da mente, torna-se interessante saber o que acontece exatamente no cérebro durante a prática?
Para começar, o eletroencefalograma (EEG) do paciente sob hipnose é de vigília, e não de sono. Nenhuma parte do cérebro é efetivamente desligada durante a hipnose. Ao invés disso, a conexão de certas áreas é modificada, com separações e integrações. Dessa forma, a hipnose representa um diferente estado de consciência: é como se fosse uma alteração da noção de autoconsciência e lembrança.
Uma das alterações que acontecem no cérebro é o aumento das conexões entre o córtex pré-frontal – responsável por planear comportamentos, tomar decisões e expressar personalidade – e a região do cérebro chamada ínsula – responsável por ajudar a coordenar emoções e processar dores.
Também há uma queda na atividade de uma região dorsal do cérebro que é responsável por análises de contexto, o que permite que o hipnotizado consiga focar-se em certas coisas e ignorar outras.
Ao uso da hipnose como ferramenta terapêutica dá-se o nome de hipnose clínica. É importante frisar que a hipnose não é um tratamento em si, os tratamentos não são feitos pela hipnose, mas sim em hipnose.
A hipnose clínica, também conhecida como hipnoterapia, é uma terapêutica adequada a um número vasto de quadros clínicos e pode ser utilizada como técnica única ou conjugada com outras modalidades psicoterapêuticas. São vários os estudos que comprovam a sua utilidade no desenvolvimento pessoal e na terapêutica de perturbações psíquicas.
Entre outros, a hipnose pode ser útil na resolução dos seguintes quadros psicopatológicos: perturbação de ansiedade, perturbações de stress e de stress pós-traumático; perturbações de pânico (com e sem agorafobia); perturbações obsessivo-compulsivas; perturbações do humor/afeto (estados depressivos ou hipomaníacos, bipolaridade); perturbações do sono, da aprendizagem, da autoestima, da sexualidade, do comportamento alimentar; perturbações da infância (pesadelos, enurese, comportamentos agressivos).
Pode igualmente ser muito útil no desenvolvimento pessoal e no bem-estar, ajudando qualquer pessoa (com ou sem psicopatologia) a potenciar as suas capacidades e a melhorar o seu estilo de vida: cessação de hábitos tabágicos ou outros hábitos indesejados, como o roer de unhas; modificação de hábitos alimentares e emagrecimento; potenciação das competências cognitivas (memória, atenção, concentração, inteligência, criatividade); potenciação da autoestima; treino de assertividade; modelagem do comportamento (quebra e modificação de hábitos); potenciação da performance desportiva; e relaxamento anti-stress.
É ainda muito eficaz no tratamento de problemas fisiológicos como síndrome do cólon irritável, asma, alergias, controlo da dor, problemas dermatológicos, zumbido, tiques nervosos, entre outros.
Apesar de todos os benefícios, ainda são muitas as pessoas que têm reticências quanto a deixarem-se hipnotizar. O medo das sessões e de perder o controle, a vergonha do que possam contar ao hipnoterapeuta – como é designado o profissional que usa a hipnose como meio terapêutico –, e de ficarem presos no estado de transe e nunca mais “acordarem”, são algumas das razões enunciadas.
A verdade é que, quando praticada por um profissional devidamente qualificado, a hipnose clínica é uma “ferramenta” segura e livre de quaisquer efeitos nefastos ou desagradáveis, mas atenção, não substitui a medicina convencional em nenhuma circunstância!
Se tem algum problema de saúde, é imperativo que consulte o seu médico, informando o hipnoterapeuta sobre alguma medicação que lhe possa ter sido prescrita, assim como sobre alguma doença que possa ter sido diagnosticada.
Este profissional deve ser encarado como um facilitador que o poderá ajudar no processo de mudança e de promoção do seu desenvolvimento e equilíbrio mas a resposta/solução e a possibilidade de cura permanece dentro de cada um de nós! E, acredite, possuímos recursos, capacidades e talentos que nem sequer imaginamos…