CEGONHA PRETA - Tímida e de futuro incerto

CEGONHA PRETA - Tímida e de futuro incerto

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  Tupam Editores

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No imaginário coletivo as cegonhas são brancas e transportam os bebés no seu bico. Se pensarmos bem, esta lenda até tem alguma base histórica pois, no tempo dos antigos romanos, a cegonha-branca estava associada à deusa Hera, que protegia os casamentos, ajudava os casais a ter filhos e auxiliava as parturientes. Aqui, porém, vamos dar a conhecer uma congénere mais tímida e reservada, que pouco se deixa ver – a cegonha-preta.

De nome científico Ciconia nigra, a cegonha-preta é uma ave distinta, de médio a grande porte que apresenta plumagem negra na cabeça, pescoço, dorso e asas, possuindo um brilho metálico verde-dourado, púrpura, em determinadas condições de luminosidade. A barriga é branca, e as patas e o bico vermelhos.

Os juvenis apresentam plumagem sem brilho e de cor mais clara do que os adultos, sendo de cor negra-acizentada, e bico e patas esverdeados.

Esta ave planadora ganha altura através de lentas batidas de asas e aproveitando as correntes ascendentes de ar quente. Voa com o pescoço e as patas esticadas, alternando batimentos de asa pesados com momentos em plana, circulando também em térmicas.

Na caminhada são elegantes, com passos pausados e constantes. Permanecem direitas, paradas, muitas vezes apenas sobre uma perna, tal comos os flamingos.

Ligeiramente mais pequena que a sua parente branca, a cegonha-preta mede cerca de 97 cm de comprimento e aproximadamente 190 cm de envergadura, sendo a fêmea um pouco mais pequena que o macho.

Trata-se de uma espécie migratória, rara no nosso país. Chega a Portugal, da sua migração em terras africanas e asiáticas, em fevereiro, permanecendo até Setembro.

Perto do final de fevereiro, meados de março dão início às manifestações de acasalamento e ao processo de reprodução.

Na época de acasalamento, fazem voos nupciais e os machos e as fêmeas abanam os seus pescoços levando a cabeça para a frente e para trás, enquanto emitem vocalizações características, com o abrir e fechar do bico repetidamente, designadas de matraquear. Ao contrário da cegonha-branca, a cegonha-preta não vocaliza continuamente, mas sim esporadicamente.

Quando encontram parceiro, as cegonhas-pretas tornam-se monogâmicas (formam casais para toda a vida, apenas procurando novo parceiro se um dos elementos morrer).

São aves territoriais e cada casal necessita de uma área extensa que poderá ter entre 50 e 150 Km2. No seu território possuem frequentemente vários ninhos que são utilizados alternadamente de ano para ano e que, com o tempo, ganham dimensões consideráveis.

Apesar de não nidificarem colonialmente, por vezes é possível encontrar 2 ninhos na mesma árvore ou junto a ninhos de garças. Constroem o ninho em árvores de grande porte, ou em escarpas e penhascos de difícil acesso, a uma altura que varia entre 4 e 25 metros, normalmente com ramos, terra, musgo, e papel, sendo a sua construção da responsabilidade de ambos.

A postura é constituída por 2 a 5 ovos esbranquiçados, que são incubados durante um período aproximado de 35 dias. Os juvenis atingem a idade de emancipação entre os 63 e os 71 dias sendo, até essa altura, alimentados pelos progenitores no ninho. A maturidade sexual é normalmente atingida aos 3 anos de idade.

Em Portugal nidificam no interior, do Norte ao Sul do país, exibindo uma clara preferência pelas bacias hidrográficas dos rios Douro, Tejo e Guadiana, bem como por zonas onde a vegetação natural é dominada por sobreiros, azinheiras e oliveiras.

Preferem florestas espontâneas de folha caducas e mistas, nas quais encontram ribeiros, rios e prados, ricos em alimento. Têm igualmente preferência por regiões de penhascos, habitualmente fragas, junto a rios.

A sua alimentação é muito semelhante à da cegonha-branca. Inclui uma maior percentagem de peixe e outros seres aquáticos. A base da alimentação é constituída por pequenos peixes, crustáceos e anfíbios, mas também se alimentam de pequenos invertebrados, como ratos e aves jovens.

O seu regime alimentar faz com que sejam extremamente úteis para a agricultura pois o facto de comerem vários insetos acaba por controlar possíveis pragas. Mas ainda que a ave beneficie o Homem, o oposto não se verifica. Aliás, a maior ameaça à sua sobrevivência é a perturbação humana.

Principais ameaças e medidas de conservação

É uma ave do topo da cadeia alimentar, pois não tem predadores naturais. A única ameaça real é somente... o Homem. A sua sobrevivência está ameaçada por várias ações deste, que afetam a qualidade e a dimensão do seu habitat, tais como:

As aves nidificam em locais recônditos mas mesmo estes são, por vezes, afetados pela implementação de infraestruturas que destroem os locais de criação como, por exemplo, o enchimento de grandes albufeiras que submergem os seus ninhos.

A construção de estradas e auto-estradas nas proximidades dos ninhos são outro fator de abandono.

O ruído causado por maquinaria, usada na agricultura, na indústria e construção de estruturas pode perturbar a postura dos ovos e afastar os casais das zonas de nidificação.

Os incêndios florestais e a alteração das florestas para monoculturas de eucaliptos ou de pinheiro também acabam por destruir o habitat propício à reprodução.

O corte de matos ou povoamentos florestais pode levar à exposição dos ninhos e, em consequência, ao abandono do local e até mesmo do ninho, quando acontece em época de nidificação, colocando em risco a vida das crias.

Por ser uma espécie que depende dos recursos hídricos para se alimentar, a contaminação das águas por efluentes urbanos, industriais ou agrícolas constitui outra ameaça, na medida em que leva à diminuição das presas e à contaminação de toda a cadeia alimentar, podendo causar inclusivamente envenenamento em algumas aves.

São aves bastante recatadas e tímidas, e ao menor distúrbio provocado pela atividade humana, fogem abandonando os locais de nidificação.

As atividades de lazer e de turismo, os percursos pedestres e a pesca desportiva são algumas das atividades que poderão – quando praticadas desordenadamente e durante a época de reprodução –, perturbar as áreas de nidificação e/ou alimentação da cegonha-preta.

A cegonha-preta está incluída nas SPECs (Species of European Conservation Concern) na categoria SPEC3 que inclui as aves com estatuto de conservação desfavorável, e no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal é classificada como Vulnerável, enfrentando o risco de extinção a médio prazo. Inclui-se ainda nas Convenções de Cites, Bona (Anexo II), Berna (Anexo II) e na Diretiva Aves (Anexo I).

Com o objetivo de manter a população reprodutora daquele que é considerado um dos animais mais esquivos da fauna ibérica, têm sido consideradas algumas medidas para minimizar as limitações existentes à conservação da espécie.

Antes de mais, é importante sensibilizar e informar a comunidade local acerca da importância da conservação do habitat da cegonha-preta, apresentando formas para reduzir a perturbação do Homem;

- as atividades humanas em redor dos locais de nidificação durante o período de fevereiro a julho devem ser evitadas;

- reduzir os focos de poluição para melhorar a qualidade das linhas de água recorrendo a ações de fiscalização, e incentivar a população para a construção, alargamento e manutenção de charcas e açudes de forma a aumentar a disponibilidade de presas para a cegonha-preta;
além de conservar as áreas de alimentação da espécie há que fazer o mesmo com as de nidificação, aumentando ou melhorando as estruturas de suporte de ninhos;

- sempre que existir nova construção de linhas e dispositivos elétricos devem aplicar-se as normas de proteção da avifauna.

A REN – Redes Energéticas Nacionais tem um conjunto de medidas de implementação sempre que haja necessidade de se colocar novos equipamentos, desde a deslocação destas estruturas o mais longe possível de zonas de nidificação ou alimentação, até à sinalização das linhas elétricas com espirais de sinalização.

Curiosamente, apesar de ser uma espécie caracteristicamente tímida e reservada, pontualmente, a cegonha-preta tolera a presença humana. Na Transcaucásia habitou-se ao Homem: nidifica na periferia ou mesmo no centro das aldeias e pesca no tanque da aldeia ou no ribeiro do prado, enquanto os camponeses trabalham no campo.

Não é o caso em Portugal. No país estas aves apenas podem ser observadas em alguns locais específicos.

Onde observar a cegonha-preta em Portugal

As zonas remotas do interior são aquelas onde a sua observação é mais provável:

Trás-os-Montes – pode ser vista ao longo do Douro Internacional, nomeadamente em Miranda do Douro e na barragem de Picote, mas também ocorre ao longo do Baixo Sabor.

Beira interior – o Tejo Internacional, a zona de Segura e as Portas de Ródão são os locais mais favoráveis à observação da espécie, que também ocorre na zona de Monfortinho e no vale do rio Águeda.

Lisboa e Vale do Tejo – muito rara na região, tem sido observada ocasionalmente na zona de Abrantes e, mais raramente, no estuário do Tejo.

Alentejo – pode ser vista ao longo do vale do Guadiana (zonas de Mourão, Mértola e Mina de São Domingos) e também na zona da barragem da Póvoa e nas imediações de Marvão. Ocorre igualmente em Barrancos. Durante o Inverno, aparece esporadicamente na lagoa dos Patos, na zona de São Cristóvão/Cabrela e na albufeira do Alqueva.

Algarve – ocorre principalmente durante as épocas de passagem migratória, sendo o cabo de São Vicente o melhor local para a observar.

É importante ter consciência de que em Portugal existem pouco mais de 100 casais de cegonha-preta, um número bastante reduzido de indivíduos, o que revela a necessidade de conservação deste património natural que ainda temos, mas que podemos deixar de vir a ter, caso não haja mudança de comportamentos. É altura de agir!

Autor:
Tupam Editores

Última revisão:
24 de Setembro de 2024

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